55
«De modo, filha minha, que de jeito
Amostrarão esforço mais que humano,
Que nunca se verá tão forte peito,
Do Gangético mar ao Gaditano,
Nem das Boreais ondas ao Estreito
Que mostrou o agravado Lusitano,
Posto que em todo o mundo, de afrontados,
Re[s]sucitassem todos os passados.»
56
Como isto disse, manda o consagrado
Filho de Maia à Terra, por que tenha
Um pacífico porto e sossegado,
Pera onde sem receio a frota venha;
E, pera que em Mombaça, aventurado,
O forte Capitão se não detenha,
Lhe manda mais que em sonhos lhe mostrasse
A terra onde quieto repousasse.
57
Já pelo ar o Cileneu voava;
Com as asas nos pés à Terra dece;
Sua vara fatal na mão levava,
Com que os olhos cansados adormece;
Com esta, as tristes almas revocava
Do Inferno, e o vento lhe obedece;
Na cabeça o galero costumado;
E destarte a Melinde foi chegado.
58
Consigo a Fama leva, por que diga
Do Lusitano o preço grande e raro,
Que o nome ilustre a um certo amor obriga,
E faz, a quem o tem, amado e caro.
Destarte vai fazendo a gente, amiga,
Co rumor famosíssimo e perclaro.
Já Melinde em desejos arde todo
De ver da gente forte o gesto e modo.
59
Dali pera Mombaça logo parte,
Aonde as naus estavam temerosas,
Pera que à gente mande que se aparte
Da barra imiga e terras suspeitosas;
Porque mui pouco val esforço e arte
Contra infernais vontades enganosas;
Pouco val coração, astúcia e siso,
Se lá dos Céus não vem celeste aviso.
60
Meio caminho a noite tinha andado,
E as Estrelas no Céu co a luz alheia,
Tinham o largo Mundo alumiado,
E só co sono a gente se recreia.
O Capitão ilustre, já cansado
De vigiar a noite que arreceia,
Breve repouso antão aos olhos dava,
A outra gente a quartos vigiava;
61
Quando Mercúrio em sonhos lhe aparece,
Dizendo: – «fuge, fuge, Lusitano,
Da cilada que o Rei malvado tece,
Por te trazer ao fim e extremo dano!
Fuge, que o vento e o Céu te favorece;
Sereno o tempo tens e o Oceano
E outro Rei mais amigo, noutra parte,
Onde podes seguro agasalhar-te!
62
«Não tens aqui senão aparelhado
O hospício que o cru Diomedes dava,
Fazendo ser manjar acostumado
De cavalos a gente que hospedava;
As aras de Busíris infamado,
Onde os hóspedes tristes imolava,
Terás certas aqui, se muito esperas:
Fuge das gentes pérfidas e feras!
63
«Vai-te ao longo da costa discorrendo
E outra terra acharás de mais verdade,
Lá quási junto donde o Sol, ardendo,
Iguala o dia e noite em quantidade;
Ali tua frota alegre recebendo,
Um Rei, com muitas obras de amizade,
Gasalhado seguro te daria
E, pera a Índia, certa e sábia guia.»
64
Isto Mercúrio disse, e o sono leva
Ao Capitão, que, com mui grande espanto,
Acorda e vê ferida a escura treva
De ũa súbita luz e raio santo;
E vendo claro quanto lhe releva
Não se deter na terra inica tanto,
Com novo esprito ao mestre seu mandava
Que as velas desse ao vento que assoprava.
65
– «Dai velas (disse) dai ao largo vento,
Que o Céu nos favorece e Deus o manda;
Que um mensageiro vi do claro Assento,
Que só em favor de nossos passos anda.»
Alevanta-se nisto o movimento
Dos marinheiros, de ũa e de outra banda;
Levam gritando as âncoras acima,
Mostrando a ruda força que se estima. |