Quando demos
por ele, estava agarrado a um vaso em que acabava de florir
um jacinto, na cozinha. Enxota-se? Mata-se? Deixámo-lo ficar
ali, por piedade, vendo membros e uma antena parcialmente
mutilados. O gafanhoto movia-se com dificuldade, não fugia
de nós, parecia exausto e mesmo moribundo.
Teria vindo do
Sara até Britiande, perdido do seu enxame devorador das
culturas?
Para responder,
era preciso identificar o animal, e eu não sei a que espécie
pertence ele.
Parecem todos
iguais, mas há muitas espécies, todas muito diferentes. |
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O do
desenho a preto e branco é um gafanhoto perigoso, migrador (Acridium
edipoda migratorium). Os insetos desta espécie viajam muitos
quilómetros por dia, milhares deles em cada migração, em nuvens tão
espessas que tapam o sol. Quando pousam, devoram até à última
folha verde. Na África sariana e sub-sariana constituem uma
calamidade - uma das sete pragas do Egito, como se lê na Bíblia.
Vi-os uma
ou duas vezes, em Bissau. O ar ficava pesado, o céu negro, o
silêncio e a tristeza eram a única resposta a estes sinais de
desgraça quase a bater à porta. As colheitas ficariam destruídas,
não haveria arroz nem legumes para comer.
As pessoas
aproximavam-se umas das outras face à calamidade. Armadas com
farrapos, tentavam enxotá-los, mas eles vinham pesados de cansaço e
fome. Todo o chão era um movediço mar de gafanhotos, as árvores e os
arbustos dobravam os ramos ao peso de tanto gafanhoto. Os animais
não fugiam, iam devorando a vegetação em que pousavam e ficavam
lerdos, paralisados. Então, munidas de vassouras, as pessoas
varriam-nos para as valetas, faziam montes com eles, regavam-nos
depois com creolina e lançavam-lhes fogo. Durante dias ficava na
cidade um cheiro acre e desagradável a queimado. Durante muitos
anos permanece nas memórias o dia escuro da sua chegada, as nuvens
aterradoras, a terra
rapada da sua passagem, o cheiro forte da catástrofe.
Será um
Acridium africano o gafanhoto que entrou em casa, como quem pede
socorro? Provavelmente, não. Mas, mesmo que fosse, sozinho,
mutilado, perdido do enxame, mais move à piedade que ao desejo de
extermínio. Os gafanhotos, como os grilos, seus parentes, são
animais simpáticos. |