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O saltarico (Insecta: Orthoptera: Acrididae)
Maria Estela Guedes

Quando demos por ele, estava agarrado a um vaso em que acabava de florir um jacinto, na cozinha. Enxota-se? Mata-se? Deixámo-lo ficar ali, por piedade, vendo membros e uma antena parcialmente mutilados. O gafanhoto movia-se com dificuldade, não fugia de nós, parecia exausto e mesmo moribundo.

Teria vindo do Sara até Britiande, perdido do seu enxame devorador das culturas?

Para responder, era preciso identificar o animal, e eu não sei a que espécie
pertence ele.

Parecem todos iguais, mas há muitas espécies, todas muito diferentes.

O do desenho a preto e branco é um gafanhoto perigoso, migrador (Acridium edipoda migratorium). Os insetos desta espécie viajam muitos quilómetros por dia, milhares deles em cada migração, em nuvens tão espessas que tapam o sol. Quando pousam,  devoram até à última folha verde. Na África sariana e sub-sariana constituem uma calamidade - uma das sete pragas do Egito, como se lê na Bíblia.

Vi-os uma ou duas vezes, em Bissau. O ar ficava pesado, o céu negro, o silêncio e a tristeza eram a única resposta a estes sinais de desgraça quase a bater à porta. As colheitas ficariam destruídas, não haveria arroz nem legumes para comer.

As pessoas aproximavam-se umas das outras face à calamidade. Armadas com farrapos, tentavam enxotá-los, mas eles vinham pesados de cansaço e fome. Todo o chão era um movediço mar de gafanhotos, as árvores e os arbustos dobravam os ramos ao peso de tanto gafanhoto. Os animais não fugiam, iam devorando a vegetação em que pousavam e ficavam lerdos, paralisados. Então, munidas de vassouras, as pessoas varriam-nos para as valetas, faziam montes com eles, regavam-nos depois com creolina e lançavam-lhes fogo. Durante dias ficava na cidade um cheiro acre e desagradável a queimado. Durante muitos anos permanece nas memórias o dia escuro da sua chegada, as nuvens aterradoras, a terra rapada da sua passagem, o cheiro forte da catástrofe.

Será um Acridium africano o gafanhoto que entrou em casa, como quem pede socorro? Provavelmente, não. Mas, mesmo que fosse, sozinho, mutilado, perdido do enxame, mais move à piedade que ao desejo de extermínio. Os gafanhotos, como os grilos, seus parentes, são animais simpáticos.

Acridium edipoda migratorium

Gafanhoto fotografado em Britiande

Chorthippus biguttulus (Linnaeus 1758)

http://popgen.unimaas.nl/~jlindsey/commanster/Insects/Grasshoppers/
SpGrasshoppers/Chorthippus.biguttulus.html

Pertencerão os três à mesma espécie? - Não.
Ao mesmo género, Acridium? - Pouco provável.
Pertencerão ao menos à mesma família, Acrididae? - Parece que sim.

 

O Saltarico no YouTube

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