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PAULO MENDES PINTO
O quam suavis, o espírito e o beijo 
“Beije-me ele com os beijos da sua boca: Porque teu amor é melhor do que o vinho”
Cântico dos Cânticos, Bíblia
 

Há muito, muito tempo, beijar era um acto que se dividia em várias dimensões. Tudo podemos sistematizar e organizar julgando que assim criamos conhecimento. Os romanos tinham 3 tipos de beijos: o basium, trocado entre conhecidos; o osculum, dado apenas em amigos íntimos; e o suavium, que era o beijo dos amantes.

No beijo ao anel dos bispos ainda temos uma herança do mundo romano. Contudo, é o suavium que aqui nos interessa, a mesma raiz linguística que nos remete para o belo texto religioso musicado para coros por muitos dos mais magistrais mestres em composição.

Ao contrário da mundivivência latina, hierarquizada e quase por castas, o beijo nos lábios, na boca, remete-nos para o campo da partilha, e não da hierarquia. No beijo todos são iguais. No beijar, as duas bocas são a imagem da igualdade na dádiva.

E o que são dois amantes? Recordo um amigo que há uns meses dizia numa conferencia que a base da palavra francesa para conhecimento era exactamente a ideia de «nascer com...». "Connaître" = "con"+"naître". No fundo, só conhecemos aqueles com quem nos damos de tal forma que tornamos a nascer. Se o êxtase sexual pode ser solitário, o beijo dificilmente é masturbatório. Há sempre um outro no beijar. É sempre com...

Há beijos que ficam na memória. A intensidade, a doçura, tudo neles nos deixa recordações inesquecíveis. Os lábios, a pele, os jeitos de entrega e de partilha. Sim, recordo a imagem do texto gnóstico em que o beijo de Jesus a Maria Madalena era... de amante ou de transmissão de sabedoria?...

Mais que igualdade, o beijo é, de facto, conhecimento – e agora não o cartesiano, não hierarquisador, mas interior, do ser irrepetível que cada um expressa no beijo. É do campo da Verdade, o in vino veritas, ou inebriamento desse mesmo néctar como o Cântico dos Cânticos nos indica.

O beijo possibilita, numa catadupa de sentimentos, aceso ao íntimo, ao recôndito e tantas vezes escondido ou esquecido. O beijo marca. Um beijo deixa marca como a que ficara no ombro – “toquei-te no ombro e a marca ficou lá”, dizia Sérgio Godinho; se esse toque tivesse sido um beijo, desejo eu, Estrela!


No limite, na troca de um beijo intenso, nas humidades e fluídos variados, há um renascer com a parceira, há um baptismo vivido, uma imersão, na intensidade do Eu e do Tu que se misturam.

Sim, o Beijo é um conhecimento que é entrega, porque partilha. É o «Com» que dá sentido. Um sentido recíproco que torna todos os momentos verdadeiramente únicos, irrepetíveis e de constante re-nascimento.

Renascer, crescer, viver. Tudo se conjuga com beijar.

 
In Visão:
http://visao.sapo.pt/opiniao/bolsa-de-especialistas/2017-02-14-O-quam-suavis-o-espirito-e-o-beijo
Paulo Mendes Pinto (Portugal). Director da Licenciatura e do Mestrado em Ciência das Religiões na Universidade Lusófona, onde também dirige o Instituto Al-Muhaidib de Estudos Islâmicos. Recentemente foi nomeado Embaixador do Parlamento Mundial ads Religiões (Oct. 2014). Especializado em Mitologia Antiga, dedica actualmente o sue trabalho à definição do campo disciplinar da Ciência das Religiões, e ao Diálogo entre as Religiões e Cidadania. Foi um dos coordenadores dos volumes Evangelhos - Comentados (2005, 2006 e 2007), que reuniram mais de 150 altas individualidades nacionais e lusófonas em torno de comentários a trechos do Novo Testamento, reunindo colaboradores de quase todos os horizontes religiosos presentes e Portugal. Com Mohamed Abed, foi fundador do Clube de Filosofia Al-Mu'tamid, criado entre a Un. Lusófona e a Comunidade Islâmica de Lisboa. Dirige as entrevistas «Conversas em Religião» onde regularmente se entrevistam importantes personalidades religiosas. Na área da Ciência das Religiões foi o responsável por diversos projectos de investigação, entre eles o Inquérito à Cultura Religiosa em Portugal. Participou também nos projectos FCT «Dicionário Histórico das Ordens e Congregações Religiosas em Portugal», onde coordenou a equipa encarregue das Ordens Religiosas Masculinas. Coordenou, na sua fase inicial, a participação portuguesa no projecto «EUREL - Données sociologiques et juridiques sur la religion en Europe», da Un. Robert Schuman e do CNRS. Participou, também, no projecto do British Council «Our Shared Europe». É ainda investigador da Cátedra de Estudos Sefarditas «Alberto Benveniste» da Universidade de Lisboa, onde é o responsável editorial pela revista científica Cadernos de Estudos Sefarditas. Em termos de investigação, coordenou os projectos «Dicionário dos Italianos Estantes em Portugal» e «Dicionário Histórico dos Sefarditas Portugueses». Participa, actualmente, nos projectos FCT «Isolados lingüísticos e religiosos no nordeste de Portugal: aportes da Genética e da Demografia» do IPATIMUP, da Un. do Porto, e «Iluminura Hebraica medieval em Portugal» do Ins. de História da Arte da Un. de Lisboa. Actualmente, é o responsável pelo projecto de catalogação dos manuscritos portugueses da Biblioteca Ets-Haim / Montesinos da Sinagoga Portuguesa de Amesterdão, apoiada pela Fundação Calouste Gulbenkian. Consultor da Associação de Professores de História. Fundador do Observatório para a Liberdade Religiosa. Membro da redacção ou dos órgãos científicos de várias revistas internacionais. Colaborador regular do jornal Público onde assina a secção Religião na Cidade.

 

 
 

 

 

   
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