Anti-Char
Poesia intransitiva,
sem mira e pontaria:
sua luta com a língua
acaba
dizendo que a língua diz
nada.
É uma luta fantasma,
vazia, contra nada;
não diz a coisa, diz
vazio;
nem diz coisas, é
balbucio.
João Cabral De Melo
Neto, esse poeta impressionantemente objetivo,
de objetividade quase mística, teve potência
para essa infinita poesia crítica, e me torna
agora impossível sem ela uma contemplação maior
do que em Char ele pensa não ver, entre os
intensos e bons golpes que em termos de René
Char revelam a aproximação de um “Leal
Adversário”. É como o diagnóstico musical de uma
desolação relativa e inconteste. Foi dessa
maneira que João Cabral me apresentou a esse
poeta. Para deleite do meu caos o súbito raio
desse choque essencial.
Agora...
“O fio de uma faca
mordendo o corpo humano,
de outro corpo ou punhal
tal corpo vai armando,
pois lhe mantendo vivas
todas as molas da alma
dá-lhes ímpeto de lâmina
e cio de arma branca,”
“Uma Faca Só Lâmina”,
poema orgânico, física sutil dos enxertos, bem
merece este palpável trecho de alma, um dos
poemas de “Folhas de Hipno”, escrito por René
Char durante a Segunda Guerra Mundial, quando
sob o cognome Alexandre ele atuou como capitão
da Resistência francesa. Um pequeno feitiço para
João Cabral:
“No teu corpo
consciente, a realidade está adiantada de alguns
minutos de imaginação. Esse tempo jamais
recuperado é um abismo alienado dos actos
deste mundo. Nunca é uma simples sombra, apesar
do seu perfume de clemência nocturna, de
sobrevivência religiosa, de infância
incorruptível.”
(tradução de Margarida
Vale de Gato)
Tempo que também acolhe
Dalí, Pessoa, Castañeda e Tom Jobim. Outra
apalpadela possível aqui:
“Nossa palavra, em
arquipélago, vos oferece, após a dor e o
desastre, morangos que ela traz das gândaras da
morte, assim como os dedos quentes de tê-los
procurado.”
(A palavra em
arquipélago-tradução de Augusto Contador Borges)
Isso tudo me veio à
memória ao ouvir um solo de Jimi Hendrix.
|