Revista TriploV
ns . nº62. janeiro-fevereiro 2017 . ÍNDICE



Luis Estrela de Matos (Portugal/Brasil). Ensaísta, poeta e professor universitário.
E-mail: estrematos@yahoo.com.br


LUÍS MANUEL ESTRELA DE MATOS

Quando menos se espera, ele já foi
 

 

Ele não negociou sua suspeita. Aquilo, clareza súbita. Explosão nos olhos. Um dia, talvez toda a eternidade, e o sangue deixando sua pele com aquela certeza de juizo final. Quase juízo dos tempos. Deitou fora a bolsa, esticou-se o mais que pode, avançou sobre as esferas. Nem pés, nem pernas. Levitava mas ele, nervo impávido.  Era um nervo só. Árvores que andam à noite, desterradas em seu próprio vigor. Olhou firmemente, sentiu ímpeto maior. Exterminou tudo. Nem o si sobrara. Era desterro, amontoado de coisas e funduras de sentimentos nunca antes encarnados. Ela era algo? Máquina, ele se sentiu. E o sorriso deles, juntamente com o sol entrando pela janela do restaurante, criava-lhe um embaraço deveras incontornável. O que se faz numa hora quando a hora é que nos faz? Caminhou absoluto. Os instantes decidiram-lhe a trajetória. Quando percebeu, já beirava a mesa. Os sorrisos haviam escorrido pelo ralo mais próximo, cozinha quem sabe, ou cheiro de mijo do banheiro, e o silencio pesou mais do que os 20 sinos da Notre Dame Notre Dame, antes da inesquecível Revolução e suas guilhotinas maravilhosas. Cruzaram-se palpitações dos três corpos e um constrangimento nunca vivido fixou-se com máscara mortuária no casal não mais feliz. O rapaz sozinho olhou-a como se lhe sugasse a alma, ou coisa parecida. Ela mexeu-se assustada. O outro, nem existia. Secou-se. Apenas cenário era. Ele enfia a mão no bolso. Era o protagonista. Susto no casal. O redor nem parecia estar ali, onde estava. Comedores comiam, crianças lambuzavam-se e alguns casais se prometiam mentiras com os olhares de dezenas de anos. Ele puxa duas passagens e  as  joga no ar. Pareciam ser para Toronto. Levantou as mãos como que desenhando um foda-se a vida, um foda-se tudo. Já estava de costas, rumo a saída do restaurante. O amor, às vezes, fode-se a valer. Foi-se.

 
 
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