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REVISTA TRIPLOV
de Artes, Religiões e Ciências
nova série | número 52 |
junho-julho de 2015
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MARIA ESTELA GUEDES
Última palavra: "mão"
Foto: Ed. Guimarães |
Maria Estela Guedes. Poeta,
dramaturga, historiadora da História Natural e da Maçonaria
Florestal Carbonária. Tem umas dezenas de títulos publicados. |
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EDITOR |
TRIPLOV |
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ISSN 2182-147X |
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Contacto: revista@triplov.com |
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Dir. Maria Estela Guedes |
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Houve quem pensasse que Herberto Helder tinha morrido por ter esgotado a
capacidade criadora. Não, ele só deixou de escrever porque a morte o
ceifou primeiro. Não eram muitos, mas os poemas chegaram para um
livrinho póstumo.
Poemas canhotos vem na sequência dos livros anteriores, a anunciar a morte, por isso com algum
atraso. Vem como última conta do colar para garantir que a poesia toda
é
um poema contínuo. Acaba na palavra "mão", a denunciar o
conceito de arte manual que o poeta tinha da poesia: algo orgânico,
visceral, como as secreções e outros fluidos. Algo a remeter para o seu
título «Artes e Ofícios", para o aparelho fonador e para o que este
aparelho produz: voz, como em Photomaton & Vox.
"Maneira cega", escreve ele, a contrariar as tantas maneiras como os
amigos vão morrendo, é afinal a única: o único estilo. Tanto podemos
ligar o assunto a "As maneiras" como a "As musas cegas" - não será a Morte uma delas? Não tem sido essa a
principal musa, nos últimos três ou quatro livros? E há outra com a mesma dimensão,
claro, a Vida. Para me repetir, tal como ele se repete, este poeta
arredio de biografias e de biógrafos, com toda a sua poesia efabulou uma
selfie, para usar termo da moda: uma biografia em sentido
literal, grafia da sua biologia, do seu corpo na saúde, no erotismo e na doença, que se erige em dois pontos altos:
nascimento e morte. Entre estes últimos dezasseis poemas, tal como em
A morte sem mestre, um deles reinventa o nascimento, com a
imagem central do cordão umbilical.
Veio o Poeta de mão dada com a Poesia, apesar de ser ela, parece, a
amada que habita o cume das altas montanhas, enquanto ele, a seus pés,
se auto-esmaga. Ela acompanhou-o
até aqui, até uma compreensão física da morte - o fechamento de Ramos
Rosa em si mesmo, que afinal é o fechamento do próprio Herberto, ou a
"maneira cega" de morrer - assim também se cerram portas e janelas, no
penúltimo poema. O único estilo para a recepção da morte desses que "estão
a morrer de todas as maneiras" é a "maneira cega", o ponto zero do
conhecimento, o do perpétuo iniciando, ou nem isso.
Poemas canhotos, um título atroz, difícil de pronunciar, que
argumenta contra Deus alguns impactos de Demónio. É mais comum sermos
bons do que maus; mesmo quando somos maus, nunca o somos a ponto de
luciferinamente condenar Deus. Mas é isso o que tramam os Poemas
canhotos, falhando evidentemente a carga maléfica em razão do
ateísmo. Só um crente se pode erguer contra o Criador. Corrigindo a mão, também é
verdade que o Ateísmo é uma crença. É pois nessa religião que o Canhoto
se ergue, ciente de que se ergue da cultura tradicional portuguesa.
Vários poemas, entre eles primeiro e último, são rimas em redondilha
maior, a revelar o rio camoniano da sua formação literária.
Não são novidades absolutas, mas trata-se de maneiras menos usuais de
praticar os poemas em Herberto Helder. É claro que as rimas e as
redondilhas, sendo praticadas pelos eruditos, conservam o espírito
popular, e a temática do canhoto abre mesmo as portas ao estudo do
folclore do Diabo
na sua obra. Acrescentemos a estes tópicos herbertianos menos
familiares o facto de em vários poemas surgir uma voz feminina, mulher
que dialoga ou assume a fala monológica e pouco falta para concluir. O
pouco é muito intenso e resume-se na sua auto-análise: dessem-lhe o
Nobel, o Camões, o Pessoa, tivessem-lhe dado o mundo todo e o tudo seria
nada, pois a sua fome permaneceria insaciada. Fome de quê? E de que
havia de ter fome quem cresceu e morreu criança órfã?
Não leremos mais livros de Herberto Helder com textos novos (em
princípio). Mas hão de
aparecer textos dele que quase ninguém conhece, como o soneto "Larva",
publicado por ocasião de uma queima das fitas, amistosamente enviado por
Luís Manuel Gaspar e que inserimos neste número da
Revista Triplov. Herberto
Helder era demasiado seletivo e elitista, mas a verdade é que ao estudo da obra não interessa só o que
ele considerava digno de publicação e comentário. E nem todas as suas
eleições
foram dignas de prémio, caso do registo ortográfico próprio, que nada
adianta e só serve para gerar confusão.
Interessa o que transporta
informação, por isso dá a conhecer, como "Larva", por muito poesia larvar
que seja ainda. Compare-se esse
poema com o grafito na parede do quarto onde viveu, na Real República
Palácio da Loucura (1). "O Poeta" é o título do poema escrito na parede. Nestes dois
textos dos anos cinquenta, era ele estudante em Coimbra, vemos que está
concentrado a fazer a mais radical opção da sua vida: a de ser poeta e
não estudante ou qualquer outra coisa. As duas hipóteses são inconciliáveis porque Herberto é um
romântico, sente o peso do "poeta maldito" sobre a cabeça e esse não
pode ser o advogado nem o professor a viver pacatamente com a família,
tem de ser o excluído, o marginal, o terrorista, o vagabundo e sobretudo, essa é a
nota mais clara dos dois poemas, não pode ser o abastado nem o rico burguês.
Ele o afirma, em "Larva", e quem sabe se com ele não acaba para sempre
essa estirpe de poetas que não se quiseram confundir com funcionários
públicos da arte, e para os quais a poesia foi, sem metáfora nenhuma, um
caso de vida ou de morte:
Humilde, vou tecendo meu destino
futuro de palavras e de fome.
_______
(1)
http://triplov.com/herberto_helder/Palacio_da_Loucura/index.htm
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HERBERTO HELDER
Poemas canhotos
Lisboa, Porto Editora, 2015 |
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© Maria Estela Guedes
estela@triplov.com
PORTUGAL |
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