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Bom dia, Estela,
O Luís Amaro mostrou-me há anos uma colecção de
pastinhas da queima das fitas de Coimbra, em cuja edição de 1958 o
Herberto Helder publicou o soneto «Larva», que nunca vi referido nas
bibliografias do poeta. A semana passada pedi ao meu querido Luís que me
emprestasse as pastinhas para
digitalizar algumas páginas e comecei naturalmente pela «Larva». Quando
li estes raros decassílabos, lembrei-me de uma conversa com o Herberto,
em que ele falou com entusiasmo do «Sôbolos rios» de Camões, do
'enjambement' que faz as redondilhas «não soarem a fado».
Imaginando que possas não ter tido notícia desta
publicação, envio-te as imagens como agradecimento tardio pelo 'Herberto
Helder, Poeta Obscuro', que li alvoroçado enquanto aguardava a saída da
edição de 1981 da 'Poesia Toda'. As citações no teu livro foram os
primeiros versos que li do poeta, salvo os que vinham no 'Photomaton &
Vox'. E vi-te a fumar esplendidamente num programa de televisão, com o
Eduardo Prado Coelho e o Fernando Assis Pacheco! Poucos anos depois, o
António Barahona apresentou-nos na Brasileira e falámos da 'Pipxou', que
eu tinha comprado na feira das Belas-Artes...
Um abraço,
Luis
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LARVA
Pelo tempo chamado do Outono,
quando a beleza é mais oculta e calma
e na face das coisas pesa o sono
das águas do desejo, fecho a alma
e fico sem estrelas e sem nome.
Humilde, vou tecendo meu destino
futuro de palavras e de fome.
Nesse tempo do Outono meu latino
esplendor é uma cinza paciente.
Meu espírito, um lago verde. Quente,
porém, a gota que leveda ao fundo
do silêncio. Depois serei o Dia,
e com poemas e sangue e alegria
nascerei, incontido, sobre o mundo!...
Herberto Helder
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