REVISTA TRIPLOV
de Artes, Religiões e Ciências


nova série | número 35 | janeiro | 2013

 
 

 

 

 


LUÍS COSTA

Arqueologia nocturna



                                                                  
 

EDITOR | TRIPLOV

 
ISSN 2182-147X  
Contacto: revista@triplov.com  
Dir. Maria Estela Guedes  
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  DOS PERFUMES
 

O  rei levou-me para as suas câmaras

                              Cântico dos cânticos

 

os perfumes dos nossos corpos são belos

como a grandeza dos nobres metais

ou a redondez das colinas

e a casa espera-nos

com o seu jardim

de rosas penetrantes

os luares grandes e sapientes

o muro térreo

 

e a câmara abre-se

o leito

ao centro

em redor

as estátuas magníficas

dizem-nos as boas vindas

 

ah! o seu silêncio de luz-obscura

 

sabemos da linguagem dos oásis

e das flores mudas

( como em Baudelaire )

e as harpas pregadas

nas palmeiras

a dança subindo-nos no sangue

ó arqueada

e profícua ciência!

 

assim nos ardem as vísceras

nesta opulência de gelos em fogo

e perfumes antigos

   
  I
 

espelhos molhados, crateras vivas,

rumores de orvalho na pedra,

o som calcinado dos martelos delirantes...

ah! esta película fluvial

por onde a vida ascende

como uma electricidade de ritos concretos.

e tudo se coloca em redor

para que a paisagem se disperse

pelos labirintos da casa

e erga , altiva, perfurando as cabeças

até atravessar os cântaros e cegar as víboras,

enquanto as mãos giram,

fervilhantes de mel sobre as facas,

e os corpos estremecem, redondos,

na combustão absoluta dos terraços.

 

  II
 

o vindimador sai à rua

traz na mão esquerda uma pomba de luz

o espaço arde discretamente

e as crianças dançam à volta do chafariz

com girândolas de ouro na testa

o ar aplainando-se como carne viva

as portas abertas

braçadas de olores muito antigos

entrando

e os velhos acariciam os animais

de estimação

então /

vê-se a mulher

rompendo a cortina dos metais cirurgicos

agora /

ela aproxima-se do vindimador

traz à cabeça um cibório de bronze

lá dentro: a combustão dos cereais

e o vindimador olha-a

ele sabe que Ela é a FONTE

 

– a abertura secreta da matéria sonora

 
 

UMA LUZ

uma luz mas uma luz tão clara

como uma noite sem fim

sob os telhados de palha e sol

as testas altas como o marfim

enfeitadas com grinaldas suaves

e as bocas mergulhadas nos

cântaros de cobre jovem

transbordando para dentro

 

– violentamente

 

 

  DO JARDIM ARCAICO
 

 I

descíamos ao jardim. emplumados bebíamos

a essência do vinho novo. e no muro térreo

a luz poisava. era um alimento secreto, a conti-

nuidade dos antigos minérios.

 

uma miríade de insectos rompia a luz. um

ribeiro rumorejava na pedra. os perfumes

eram fortes como vigorosos braços... ó luxúria

ardente de um tempo como cavilhas!

 

descíamos ao jardim. e o mar chegava. suave

enleava-se aos nossos pés como pupilas de cavalos

que súbitas transformam o barro em luz.

depois, adormecíamos ao som do vinho

 

à altura das grandes colheitas nocturnas.

   
 

II

para Saint - Jonh Perse

 

uma idade, uma grande idade,

uma idade viril como a fêmea possessa

 

o vinho, cantante, na taça

um fogo iluminando as sombras por dentro

e a candeia nos dedos do vigilante dos cavalos nocturnos

nos jardins secretos

 

uma idade, uma generosa idade

e este pedaço de terra que levo à boca

 

e se re - faz   – em Luz


Luís COSTA
 

 

Luís Costa (17 de Abril de 1964, Carregal do Sal. Portugal)
Tem vindo a editar trabalhos em revistas e sites digitais como: revista Conexão Maringá, revista Zunái, site Triplov e revista Agulha.
Blogue pessoal: http://oarcoealira.blogspot.com/
Contacto: l.Costa@web.de

 

 

 

 

© Maria Estela Guedes
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