REVISTA TRIPLOV
de Artes, Religiões e Ciências


nova série | número 31 | setembro | 2012

 
 

 

 

 

JOSÉ ROBERTO BAPTISTA

 

Parapsicologia: uma área de fronteira

                                                                  
 

EDITOR | TRIPLOV

 
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No início denominada pesquisas psíquicas (psychical research), termo consagrado pela primeira sociedade especializada nos estudos parapsicológicos, a Society for Psychical Research, (S.P.R.), em 1882, na Inglaterra. Dois anos mais tarde surge sua coirmã americana a American Society for Psychical Research, (A.S.P.R.) dando continuidade ao termo psychical research, que predominou até o final do século XIX, ainda utilizado por muitos estudiosos na atualidade.

Em 1905, o Nobel de medicina, Charles Richet, primeiro tratadista oficial sobre a matéria, propôs o termo metapsíquica, aceito com sucesso, excetuando-se os países anglo-saxões, que mantiveram o uso do termo psychical research, segundo Inardi (1977,17), "por razões de ordem sentimental". Mas, não parou por aí.

Por orientação do Congresso Internacional de Parapsicologia realizado em Utrecht, no ano de 1953, foi instituído o nome parapsicologia, adotado do termo alemão Parapsychologie, cunhado por Max Dessoir em 1889, em substituição aos anteriores. Esse termo se mantém até os dias atuais.

Sem a preocupação em definir-se a área, podemos dizer seguramente que a parapsicologia é um campo de estudos cujo interesse reside em investigar determinadas ocorrências que fronteirizam com a religião e o ocultismo. O que é vasto: materializações de "espíritos", movimentos de corpos pesados aparentemente sem contato, sons de caráter variado emanados de móveis, assoalhos e paredes, entre tantos outros que nos conduzem a pensar em forças e personalidades inteligentes que habitam um mundo desconhecido para nós, daí a mais estreita proximidade com diversas crenças, religiões e ocultismo.

Tais ocorrências apresentadas como fruto da participação de entidades incorpóreas, num determinado momento, chamaram a atenção de grupos seletos, ligados a Academias e Universidades, que exigiram verificação dos fatos. Assim, através de árduo trabalho investigativo, novas respostas se impuseram. Em linhas gerais, assim nasceu o novo campo de estudos: a parapsicologia.

Essas novas respostas criaram um divisor de águas. De um lado os aficionados pelo espiritismo, que defendiam a participação dos espíritos nos fatos observados e, do outro, os pesquisadores da nova área de estudos acusados de a priori negarem a existência dos espíritos nas ocorrências investigadas. Há, contudo, outra maneira de se ver a questão.

Diferentemente do que muitos ainda hoje pensam a nova área de investigação não negou, a priori, a existência das personalidades incorpóreas nas ocorrências investigadas.  O que de fato ocorreu é que à medida que os estudos evoluíam e as técnicas de investigação avançavam, os desencarnados não se faziam convincentes.  A razão: eles, os "espíritos" dos mortos, não eram os senhores das manifestações. A origem de tudo, após longos períodos de observação, experimentação e análise, foi evidenciada no próprio médium. As intrigantes materializações, os movimentos de mesas e cadeiras, sem contato ou com contato insuficiente para produzi-los, os mais variados ruídos, que pareciam originarem-se nas entranhas dos móveis e paredes, luzes coloridas flutuantes, e tantos outros perturbadores fenômenos, evidenciaram serem produto do complexo psiquismo humano.

Mas, a reação a esse entendimento não tardou. Os resultados positivos das investigações foram atribuídos a erros de metodologia, fraude, descontrole, e até acusou-se a nova área de investigação de ser um instrumento do diabo para afastamento da fé; coisa que nos atuais dias ainda se ouve dizer em igrejas que diariamente apresentam, via televisiva, seus espetáculos de horror, viraram lugar comum na boca daqueles que se recusavam a aceitar os resultados apresentados, arvorando-se contra a nova área de pesquisa.

Mas, se devemos admitir os erros metodológicos, e isso é certo, também é necessário que se admita que, quando apontados, foram corrigidos. Basta para isso lembrarmos o embate ocorrido entre William Crookes e George Stokes, este, à época, secretário da Royal Society.

"A ocorrência deveu-se quando Crookes submeteu à Royal Society, um trabalho contendo suas anotações sobre as experimentações realizadas para a constatação da alteração de peso de uma tábua, pela utilização de uma força psíquica. O dispositivo, ao que tudo indica já havia sido utilizado por Robert Hare, o que também não passou despercebido pelos seus críticos.

Mas, o fato é que Crookes recebeu um não da Royal Society, em virtude de George Stokes (...) ver falhas na experimentação.

Em virtude disso, o cientista escreveu a Stokes mencionando a construção de um novo dispositivo, que eliminaria a possibilidade, apontada por Stokes, de transmissão mecânica do movimento da tábua. Assim, em 28 de junho de 1871, a Royal Society recebeu uma versão atualizada do trabalho, já com todas as modificações realizadas.

Novamente Stokes opõem-se comentando que os novos resultados obtidos poderiam ser atribuídos a outras causas, em virtude de existirem pontos fracos no experimento que poderiam conduzir a uma interpretação inadequada do fenômeno. Novas adequações foram feitas, contudo, não foram suficientes para a publicação do artigo, o que indignou Crookes."(BAPTISTA:2007,41-42)

Parece-nos bastante clara, contudo, a disposição de Crookes, que reflete inclusive a de outros investigadores, em considerar as críticas e replanejar suas experimentações.

De outro lado, segundo os estudos realizados pelos pesquisadores Juliana Mesquita Hidalgo Ferreira e Roberto de Andrade Martins, "as falhas notadas não criaram um abismo intransponível entre estudos aceitos como científicos e o estudo de Crookes sobre a força psíquica."(FERREIRA e MARTINS:2001,198)

Quanto às fraudes este é um capítulo à parte no contexto das pesquisas psíquicas. Já o disse em artigo anterior, que pode ser encontrado nesta mesma revista sob o título de Dai a César o que é de César: os críticos e a parapsicologia (BAPTISTA:2007), que não podemos deixar cair em esquecimento o fato de que foram os próprios investigadores metapsíquicos, desde o início, os primeiros a levantarem a questão da fraude, não os seus críticos. E volto a dizer que o diabo não reza pedindo ajuda a Deus.

Da mesma maneira não podemos insistentemente dizer que as investigações metapsíquicas cujos resultados foram negativos, nunca foram divulgadas. Aos incrédulos e desinformados, que visitem o Tratado de Metapsíquica, de Charles Richet, que lá encontrarão um número enorme de relatos recusados por não terem comprovação suficiente para serem colocados, pelo menos temporariamente, no rol dos fenômenos metapsíquicos, ou parapsicológicos, como modernamente os chamamos.  

No que diz respeito às críticas  de ser a parapsicologia um instrumento para afastamento da fé são risíveis. A parapsicologia não se envolve com questões de fé. Os fenômenos parapsicológicos não estão à mercê da fé. Ao contrário, a parapsicologia traz uma contribuição relevante à medida que nega a crença supersticiosa e, muitas vezes, mentirosa e apresenta, com base nos fatos, um  outro lado da questão. A fé não pode ter por base uma mentira. Isso não seria fé. Nem me atreveria a dar um nome para isso.

Da mesma maneira a parapsicologia sempre se esforçou para livrar-se de tudo que possa conduzir ao oculto, ao espiritual etc. A parapsicologia trabalha, como já o dissemos, com ocorrências que fronteirizam com religião e ocultismo. Mas, do lado de cá da fronteira, do lado da investigação e do uso de uma metodologia severa. É do outro lado que habita a crença, o oculto, a superstição. E este esforço de separação sempre esteve presente, desde os primeiros passos das pesquisas. Richet, o primeiro tratadista da matéria, como vimos, já se manifestava nesse sentido. Na abertura de seu Tratado de Metapsíquica, podemos ler:

 "Não verão os seus propósitos realizados aqueles que neste livro esperarem encontrar considerações nebulosas acerca dos destinos do homem, da magia e da teosofia. Tudo fiz para escrever um livro de ciência e não de devaneios." (RICHET:sd)

Também Rhine esforçou-se para isso:

 "A parapsicologia também precisa ser diferençada dos conceitos populares correlacionados com certas áreas de prática ou crença, com as quais algumas vezes se vê confundida ou associada. Ocultismo é uma delas. Este termo, que designa o estudo de artes ou princípios ocultos, não se aplica ao tipo científico de investigação que caracteriza a parapsicologia. Espiritualismo é outro termo que tem sido amplamente associado à parapsicologia. O espiritualismo, contudo, é uma religião, cuja ênfase central repousa na crença da existência de um mundo de personalidades desencarnadas, supostamente capazes de entrar em comunicação com os vivos, especialmente através da mediunidade. Também se acredita que elas são capazes de fenômenos de assombração e de uma espécie de casa cheia de agitação atribuída a espíritos turbulentos. Como em todos os sistemas religiosos de crença, há certas doutrinas no espiritualismo que se baseiam na presunção de certas capacidades que não têm sido verificadas por método científico na parapsicologia."(RHINE:1966,12-13)

Rhine também faz referência a termos como médium e mediunidade.

 "Falando estritamente, o termo médium implica uma teoria da sobrevivência do espírito e da comunicação de personalidades desencarnadas com as vivas por intermédio de pessoas conhecidas como médiuns. Esta é uma doutrina da fé espiritualista e não um fato estabelecido cientificamente na parapsicologia." (Idem,13)

Essas posições fruto de mentes esclarecidas, contudo, foram deixadas no esquecimento quando interesses particulares se agigantam e veem, em razão dessa zona fronteiriça que falamos em que trabalha a parapsicologia, uma oportunidade de usá-la em defesa da fé. Por essa razão vemos pérolas como:

"é provável que, através da parapsicologia, possamos dar uma resposta à velha e angustiante indagação da humanidade acerca da sobrevivência 'post-mortem'. Além disso, ela descortina horizontes tão amplos ao futuro do conhecimento científico, que é lícito admitir venha o homem a descobrir um mundo mais importante e vasto do que pode esperar-se com a exploração do espaço cósmico." (ANDRADE:1976,21)

Mas, a questão não está limitada aos mestres do espiritismo.

Também o não menos respeitável Oscar Gonzalez-Quevedo, um dos mais destacados parapsicólogos em atividade no Brasil, quando perguntado sobre a utilidade da parapsicologia, assim se refere:

"É tão útil quanto ou mais que a medicina, a psicologia e outras ciências, pois ela é essencialmente libertadora. O homem moderno vive cercado de medo de demônios, espíritos, de homens com poderes, extraterrestres, de forças secretas, de ameaças cósmicas, de fantasmas, de visões e de comunicações do além etc. E mostrar a esse homem que tudo isso é proveniente do próprio homem, de suas energias psicofísicas, de suas faculdades espirituais, é libertá-lo de temores, é torná-lo consciente e senhor de si e de sua vida, que deverá ser mais feliz, e paralelamente, pela prova dos milagres, trazê-lo à verdadeira Religião Revelada". (g.n.) (1)

É nosso entendimento, com base naquilo que expusemos anteriormente, que esse tipo de comportamento, vindo de respeitáveis representantes da parapsicologia, apenas a desviam de seu reto caminho. Prestam, consciente ou inconscientemente, um desserviço à parapsicologia à medida que trazem para dentro de suas fronteiras viajantes não autorizados. Aproximam-se, ainda, de realidades não constatadas nem pela parapsicologia, nem por qualquer outra ciência, apesar de suas defesas insistentes, associando-a mais uma vez, a valores místicos, ou melhor dizendo, a valores místico-religiosos, que denunciam anseios ideologicamente comprometidos.

Essas questões, contudo, que podem parecer menos importantes, à primeira vista, são, no nosso entendimento, extremamente comprometedoras e desviantes à medida que conduzem a um não entendimento do objeto de estudos da parapsicologia apresentando-a como uma verdadeira colcha de retalhos, uma área de estudos não delimitada em que tudo cabe.

Parafraseando Dawkins, ao referir-se ao darwinismo, em relação à parapsicologia é como se o cérebro humano tivesse sido especificamente concebido para não entendê-la. (2) E os espíritos e demônios continuam a multiplicar-se. Mas, "por que a natureza estaria tão interessada em multiplicar e renovar os indivíduos se eles devessem ser imortais".(3)

 

 

Notas

(1). in http://oepnet.sites.uol.com.br/entrevista.htm, 03/08/2012.

 (2). Richard Dawkins. O relojoeiro cego: a teoria da evolução contra o desígnio divino, p.13.

(3). René Sudre. Tratado de parapsicologia, p. 458.

 

 

BIBLIOGRAFIA

BAPTISTA, José Roberto. Introdução ao estudo da parapsicologia. São Paulo:Arké, 2007.

DAWKINS, Richard. O relojoeiro cego: a teoria da evolução contra o desígnio divino. Trad. Laura Teixeira Motta. São Paulo:Companhia das Letras, 2001.

FERREIRA, Juliana Mesquita Hidalgo e MARTINS, Roberto de Andrade. As investigações de William Crookes sobre fenômenos espiritualistas com médiuns e suas pesquisas sobre o efeito radiométrico na década de 1870-. in O laboratório, a oficina e o ateliê: a arte de fazer o artificial. São Paulo:Educ/Fapesp, 2002.

INARDI, Mássimo. O sexto sentido. São Paulo:Hemus, 1977.

RHINNE, J.B. e PRATT, J.G. Parapsicologia: fronteira científica da mente. Trad. Luís de Moura Barbosa. São Paulo:Hemus, 1966.

RICHET, Charles. Tratado de Metapsíquica. Tomo I. São Paulo:Lake, sd.

SUDRE, René. Tratado de parapsicologia. Rio de Janeiro:Zahar Editores, 1966.

 

 

Revista InComunidade (Porto)

 

 

 

 

José Roberto Baptista (Brasil)
Editor da ARTE-LIVROS Editora. Foi professor universitário e Diretor-Acadêmico de tradicionais instituições de ensino superior em São Paulo. É estudioso da fenomenologia parapsicológica e autor, entre outros, do livro Introdução ao Estudo da Parapsicologia (Arké, 2007), além de já ter escrito vários artigos sobre o tema. Dirigiu o IEP-SP - Instituto de Estudos Psicobiofísicos de São Paulo voltado, exclusivamente, ao estudo e ao ensino da parapsicologia.

 

 

© Maria Estela Guedes
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