REVISTA TRIPLOV
de Artes, Religiões e Ciências


nova série | número 31 | setembro | 2012

 
 

 

 

ANTÓNIO BARROS

OIC • Sentido. Contaminação. E consequentes colateralidades.

Em forma de homenagem a Alberto Carneiro, na sua passagem por Coimbra

                                                                  
 

EDITOR | TRIPLOV

 
ISSN 2182-147X  
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Oficina de Interação Criativa 

"A Oficina de Interação Criativa, OIC, propôs-se desenvolver, enquanto colectivo, uma reflexão sobre a vivência das situações experimentais que implicam o desenvolvimento sócio-afectivo da Dinâmica Corporal, despoletando uma sensibilização para uma outra forma de conhecimento: a consciência da nossa relação com a vida, e os envolventes espaços onde se concentra a nossa aprendizagem. 

Constituída assim numa prática de exercícios de Percepção, Comunicação e Dinâmica Corporal – com o nome genérico de Situações Experimentais de Dominante Intercriativa –, aí se viviam situações simultaneamente enraízadas na experiência de cada indivíduo, e aferidas pela diversidade dos elementos enquanto um todo. 

Este exercício de atitude interdisciplinar e pluridisciplinar (em que a Percepção Multissensorial despontava enquanto informação, e a Dominante de Conduta de cada elemento como um Recurso, e do Todo como um Colectivo) obrigava a uma pesquisa sobre áreas de relevante importância no domínio da exploração e descoberta das relações: Espaço/Corpo; Corpo/Matéria. 

A análise do Espaço/Corpo implica a consciência e percepção de variados percursos em si, como a morfologia dos seus campos (Espaço Sensoriomotor, abordando inclusive Experiências Quinestésicas, a análise dos Meta-Sinais, o Espaço Topológico, passando pela análise de Visões Sincréticas, o Espaço Projectivo, Euclidiano, Atitudes Transcontextuais e a Percepção Visual e Háptica. 

Fez a OIC realçar também a importância do Exercício do Jogo, assentando num compromisso constante entre o imaginário e o real (percurso para uma apologia dos aspectos lúdicos da aprendizagem na relação do corpo com os materias dos espaços, os quais conduzem a uma compreensão dos valores da relação do Corpo/Matéria). 

A análise ainda sobre os Comportamentos e seus Sinais, mormente os não verbais que emitimos nas inter-relações em confluência e em paralelismo, ou em oposição com as palavras que intervêm, afectam ou determinam a mensagem. Como mesmo os sinais dcorrentes das situações de tensão provocadas pelos espaços e pelas Relações Interpessoais. 

Uma prática do exercício em colectivo, conduziu também a uma consciêncialização dos factores estruturantes do Espaço Proxémico, ao compreender a recíproca interferência do ritmo, tempo, sincronismo, na consecução de uma tarefa individual ou de grupo. 

A análise da pessoa como portador e produtor de energia: Energia; Tensão; Ruptura; Acção. O contacto físico: Proximidade/Distância, e a orientação e Postura na comunicação interpessoal. 

A análise da relação Confiança-Segurança, Desconfiança-Insegurança e a identificação de Espaços Seguros e Não-Seguros, foram outros dos âmbitos considerados. 

Do estudo e prática nos domínios das acções de conhecimento e sensibilização, e depois da abordagem dos parâmetros gramaticais, cumpriu assim, este colectivo OIC, um "fazer-se definir" como actividade conclusiva, apresentando-se como lugar propedêutico dos domínios da percepção multissensorial". 

Este texto enunciatório da Oficina de Interação Criativa que, a seu tempo, foi por nós editado – enquanto Corpo Diretivo do Círculo de Artes Plásticas de Coimbra, CAPC, parte integrante da Universidade de Coimbra, e para o Ano de Atividade 1979/80 (1) –, resulta distintivo dos valores fundamentais do domínio exploratório da OIC, e, não menos, da sua condição identitária capaz. A de uma colegial personalidade para um coletivo de potencial criativo. Essa humanizante personalidade portadora de Sentido. Contaminação. E consequentes colateralidades. 

Desenhadas que estão as linhas tipológicas para um rosto da OIC – como modo expositivo primeiro desta Oficina gerada no âmbito das atividades do CAPC (2) –, é legítimo creditar que, enquanto laboratório pedagógico de experienciações múltiplas, foi a OIC um objeto social único e consequente (3). 

Os princípios de contaminação foram plurais, mormente na cidade e colateral moldura académica, mas também na sintonização e partilha de toda uma investigação desenvolvida em geografias e culturas outras. As nacionais, mas ainda experiências então em curso ativo noutros países, ou mesmo as geradas em tecidos de outras antropologias. 

Com aplicação dos saberes adquiridos, e como exemplo de exercício póstumo, à OIC (revisitando premissas ensaiadas na constelação genomática deste laboratório, mormente aquelas que convocavam razões ambientais e da relação Corpo/Natureza, num sublinhar dos envolventes das esferas háptica e quinestésica), foi o trabalho para-cénico e comportamental: "Claridade dada pelo Tempo", escultura humana formulada a partir de um texto de Mário Henrique Leiria.

Desenvovido no âmbito das atividades programadas para o "ACTO, Instituto de Arte Dramática", domínio onde a convite assumi a Direção Pedagógica e Artística da experiência catalogada – "Claridade dada pelo Tempo", 1996 –, conjugou enquanto operação, cumplicidades múltiplas com o antes comungado em vivenciações polarizadas na constelação OIC – realidade aqui sinalizada, mas merecedora de estudo maior. 

Com este Testemunho aqui fornecido, tarefa fechada do quanto me cumpre referenciar na comunicação agora presente, reservo-me à memória da experienciação singular que a Oficina de Interação Criativa nos contemplou, nutrindo com a mestria e partilha de saberes que a generosidade de Alberto Carneiro nos fez saber merecer, e, para quem, do lugar nacional e da Cultura com as Ciências Pedagógicas, há uma imensurável dívida de gratidão (4). 

A Alberto Carneiro, símbolo de vertical humanidade e mestria, a minha renovada homenagem ao Pedagogo – Homem de ciência –, ao Escultor – Homem de Arte. 

António Barros

Coimbra, junho de 2012.

 

 

(1) Corpos Diretivos do Círculo de Artes Plásticas de Coimbra, CAPC, para o Ano de Atividade 1979/80: Alberto Carneiro, António Barros, Maria Laranjeira, Rui Orfão e Túlia Saldanha.

Contextualizando, obriga referir que paralelamente à dinamização da Oficina de Interação Criativa, OIC [Direção Pedagógica e Dinamização de Alberto Carneiro – resposta a uma proposta de projeto de António Barros], neste mesmo ano, o CAPC realizou ainda, com direção de Alberto Carneiro e António Barros, a iniciativa "Dois Ciclos de Exposições: Novas Tendências na Arte Portuguesa e Poesia Visual Portuguesa". Teve a iniciativa (com apresentação de Obra e Comunicação sobre as pesquisas inerentes) a participação de Helena Almeida, Julião Sarmento, Fernando Calhau, Álvaro Lapa, Ângelo de Sousa, Alberto Carneiro, António Palolo, José Conduto, Joana Rosa, José Carvalho, Ana Hatherly, António Barros, E. M. de Melo e Castro, António Aragão, Silvestre Pestana e Alberto Pimenta. 

(2) Não sendo a OIC um programa para-clínico, nem de envolvente forense ou palco, a Oficina preservava, em todos os comportamentos da sua prática, o sigilo e o direito à privacidade com anonimato possível dos seus elementos e utentes. Salvo a diretoria institucionalmente responsável, este direito ao "não rosto" afirma o respeito pela pessoa e o seu inerente direito à aprendizagem reservada, e condição sistémica do saber adquirido num domínio sensível das pedagogias.

A OIC, não sendo um coletivo de produção de Arte mas de Estudo, o "não espetáculo" (sem ribalta e preocupação expositiva do desenho dos comportamentos, mas a reserva a uma cintura própria do círculo laboratorial a convocar Sigilo Profissional), sempre pretendeu cumprir a atitude contida da proteção de dados num não revelar nominação nem narrativas particulares. Zelava pela reserva dos referentes de Autoscopia que as práticas exploratórias e o domínio da pesquisa conjugam e potencialmente se fazem enunciar. Também por isso, a centralização testemunhal e documental do histórico fazer-se residir no Conceito, e não na escrita de vivências na experienciação contidas. O Direito de Personalidade, protetor da Imagem e seus fazeres, é realidade latente e a que a matéria de estudo também se obriga. 

(3) Num panorama de continuidade e contaminação a partir da OIC, aqui se enunciam alguns dos múltiplos referentes que geriram aplicação de saberes sintonizados nesta identidade oficinal:

A• O coletivo, em modo de revista experimental, Artitude:01 [António Barros, Isabel Carlos, Isabel Pinto, João Torres, José Louro e Rui Orfão] programa criado por António Barros, surge explorando dinâmicas das artes do comportamento e desempenho do corpo, matérias que convocam as artes performativas e princípios onde muitos dos estudos se iniciaram na OIC.

Foi este coletivo, e para além do seu profícuo trabalho autoral nas artes plásticas, quem dinamizou (com curadoria de António Barros e Rui Orfão) o Simpósium Internacional: "Projectos & Progestos", plataforma que apresentou (em Coimbra: Teatro Estúdio CITAC; Lisboa: Teatro da Graça; e no Porto: Árvore Artística), nomes fundamentais da Arte Contemporânea de referente para-teatral e performativo como: James Coleman, Nigel Rolfe, Stathion House Opera, Peter Trachsel, Ernst Thoma, Basement Group, Gregorz Sztabinski, Erna Njman, Alistair McLennan, Mineo Aayamaguchi, Frank Na, Plassum Harel, Julian Maynard Smith, entre muitos outros, e portugueses como: Ricardo Pais, José Ernesto de Sousa, José de Carvalho, E. M. de Melo e Castro, Alberto Pimenta, António Aragão ou Jorge Lima Barreto, numa coleção com cerca de 100 autores com trabalhos apresentados mormente entre 1980 e 1983.

B• Fila K [Luis Fonseca, Mário Jorge, Paulo Fonseca, Rui Mendes e Rui Orfão – autor e condutor do projeto promotor de uma urban collage performativa].

C• "Amant Alterna Camenae", a partir de "Causa Amante" de Maria Gabriela Llansol, direção de António Barros, com Helena Gonçalves, Margarida Félix, Pilar Mosquera, António Andrade e Paulo Larisch, Exposições Experimentais da Secretaria de Estado da Cultura, CAPC, Coimbra, 1987.

D• ACTO, Instituto de Arte Dramática – a Operação Estética "Claridade dada Pelo Tempo" tem Direção Pedagógica e Artística de António Barros.

Despois desta experiência Alberto Carneiro orientou neste Laboratório também uma Oficina de Dinâmicas Criativas.

E• "Sensurround" de Lúcia Sigalho, com uma Oficina Aberta de Interação Dinâmica, apresentado no TAGV, Universidade de Coimbra (a convite dos diretivos de então que integraram Abílio Hernandez, António Pedro Pita e António Barros).

F• O CAPC, nos anos consequentes à atividade desenvolvida pela OIC, dinamizou, ainda com Alberto Carneiro, formação pontual enquadrável no domínio das "Situações Experimentais de Dominante Intercriativa". 

(4) Alberto Carneiro foi o artista homenageado nos Encontros de Arte Coimbra 2000: "Alquimias, Dos Pensamentos Das Artes", uma iniciativa patrocinada pela Associação Nacional das Farmácias com curadoria de António Barros.

A retrospectiva da obra do laureado escultor, contemplou a cidade de Coimbra com uma revisitação das suas obras: "Um campo depois da colheita para deleite estético do nosso corpo", 1973/76; "Flor e fruto para Brancusi", 1982/84; "18 citações tiradas da memória do corpo sobre a terra", 1985/86; "Sobre os rios II", 1997/98, apresentadas no Museu Nacional de Machado de Castro; "O laranjal-natureza envolvente", 1969; "Operação estética em Vilar do Paraíso", 1973; "Os sete rituais estéticos sobre um feixe de vimes, na paisagem",1975; Trajeto de um corpo" 1976/77; "Arte corpo/Corpo arte", 1976/78; "Marcas do corpo apagadas pela maré", 1978 na Galeria dos Encontros de Fotografia - Pátio da Inquisição [hoje: Centro de Artes Visuais].

A edição de um livro catalogou o evento, exaltando a obra de Alberto Carneiro com textos como: "Alberto Carneiro sobre a natureza e a água", de Javier Maderuelo; "Floresta e sonhos" de José Ernesto de Sousa; "Scultori Europei", Europalia, Bruxelles, 1985, de José Ernesto de Sousa; "Alberto Carneiro: A árvore e o mar", de João Fernandes; "A invenção da floresta", de Delfim Sardo; "Algumas notas sobre espaço, tempo e matéria a propósito de uma exposição de Alberto Carneiro", de Bernardo Pinto de Almeida; "Apolo redime-se... e sacrifica-se em Diónisos", de Alberto Carneiro; "Uma árvore é uma obra de arte quando recriada em si mesma como conceito para ser metáfora", de Alberto Carneiro e "Sobre os elementos da escultura – ou sobre 'a imaginação material' de Alberto Carneiro", por João Lima Pinharanda. Fotografia de João Armando Ribeiro e registo videográfico: "Momentos", de João Luis Azevedo. 

Testemunha esta iniciativa, a consciência de que a presença e contributo de obra de Alberto Carneiro nesta geografia não se reserva, ou esgota, no CAPC, mas inscreveu outros círculos de estudo e difusão da Arte em Coimbra. Nesta contextualidade, e para além de "Alquimias, dos Pensamentos das Artes", é legítimo referir a presença da Obra de Alberto Carneiro "O Corpo Súbtil", 1980-81, na revista Via Latina, maio de 1991, publicação da Academia de Coimbra, com Direção de Francisco Silvestre e Direção Artística de António Barros.

Diversas edições de Rua Larga, Revista da Reitoria da Universidade de Coimbra sublinham o valor da obra artística e pedagógica de Alberto Carneiro na comunidade de Coimbra. Entre outras, é de referir: "Um Voo em Círculo Antes da Morte" [RL#10, out. 2005, p12-15]; "Intermitências da Arte Pública em Portugal" [RL#15, jan. 2007, p26-29]; "Depois de A Vocação do Medo – 'Fui Tirado de Dentro de Mim', peça artística de Rui Chafes para a Faculdade de Farmácia" [RL#24, abr. 2009, p28-32]; "A Geração Black Cube" [RL#26, out. 2010, p30-35] textos de António Barros (assim como outros artigos deste mesmo autor publicados nos anos 70 e 80 nas revistas SEMA e Arte Opinião em Lisboa e Fenda e Fenda Não Ela Mesma em Coimbra).

 

 

Revista InComunidade (Porto)

 

 

 

 

António Barros • Nasceu em 1953 - Funchal, Ilha da Madeira.
Estudos: Facultat de Belles Arts, Universitat de Barcelona; Universidade de Coimbra. Vive e trabalha em Coimbra.
Em "Artistas Portugueses na Colecção da Fundação de Serralves", é o director do Museu, João Fernandes, quem enuncia: "António Barros é dos nomes relevantes do contexto da poesia experimental e das artes performativas em Portugal. A obra de António Barros objectualiza e espacializa o texto, explorando novas polissemias originadas pelo cruzamento da textualidade com uma visualidade iconoclasta e irreverente".
De sensibilidade fluxista, a sua obra convoca não só uma arte de situação debordeana, como ainda a Escultura Social de Joseph Beuys, tendo também trabalhado com Wolf Vostell no Vostell Fluxus Zug, Das Mobile Museum Kunst Akademie em Leverkusen.
Se as suas artitudes convocam o situacionismo de Guy Debord ao visitar a poésie directe francesa, Lawrence Ferlinghetti, pioneiro do Movimento da Beat Generation para a poesia - quando destaca a obra performativa "Revolução" em Cogolin, 1986 -, e Julien Blaine - ao publicar "Tradição" e "Escravos" na revista Doc(k)s -, são quem primeiro internacionaliza a arte de António Barros.
Esta última atitude em objecto-texto, é a que em 1984 um júri - integrando Sophia de Mello Breyner Andresen, David Mourão Ferreira, Urbano Tavares Rodrigues, José Carlos de Vasconcelos, Maria Velho da Costa e Manuel Alegre -, destacou no Concurso Nacional de Poesia 10 Anos do 25 de Abril, resultando este texto num elemento identitário do seu percurso "visualista" - onde o objecto e a palavra sinergicamente se insinuam.
A resiliência com que sinaliza os seus gestos de escrita [progestos], leva-o ainda à territorialidade do objecto escultural, vindo a criar, e para além dos seus múltiplos environments  como "Algias, NostAlgias" e "Amant Alterna Camenae", o Prémio de Estudos Fílmicos Universidade de Coimbra, com que foram laureados Alain Resnais, Manoel Oliveira e João Bénard da Costa.

http://barrosantonio.wordpress.com
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© Maria Estela Guedes
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