REVISTA TRIPLOV
de Artes, Religiões e Ciências


nova série | número 29 | julho | 2012

 
 

 

 

SOFIA RIBEIRO (PINTURA)

&  LUÍS COSTA (POEMAS)

Excesso de lucidez

 

                                                                  
 

EDITOR | TRIPLOV

 
ISSN 2182-147X  
Contacto: revista@triplov.com  
Dir. Maria Estela Guedes  
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 Meta - morfose

 

a minha alma despiu-se de toda
 

a carne que a sufocava

e semelhante a um xamane dançou à beira dos abismos

e estudou-os furiosamente dias e noites

 

e aconteceu que   em certa noite   tomada pelo excesso

da lucidez   neles mergulhou

 

agora   a minha alma é um cântaro delirante    belo como

o crime do catecismo  

imaculado como a loucura dos anjos 

   
 
  Distocia
 

vindas de longe   mulheres vestidas

de negro  aproximam-se

e erguendo os olhos para Oeste

incendeiam a crusta do horizonte

na esperança de que o homem se erga

e aprenda a ver

   
 
  Do verbo
 

o delírio explode para dentro

o homem abre a boca

arfa o enxofre do sangue

sabe que cada palavra

é uma ruga à altura do infinito

 

uma sombra nas armações

do silêncio

   
 
  Metodologia das rosas
 

as rosas severas

abrem-se

com tentáculos metálicos

 

metodicamente

o céu ilumina-se

severo

 

e vindas de longe

mulheres de negro depõem o ouro

nas bocas dos mortos

 

com uma severidade

severa

   
 
  Penélope ( nocturno )
 

pão. sal. vinho. a fronte colada no vidro do mel.

os olhos como uma dignidade simétrica.

e os animais. os animais nocturnos seguem

pelos caules das veias,

sorvem os benefícios da noite.

 

e a mulher espera pelo homem com a firme beatitude

dos frutos negros que lhe ardem na boca.

ela sente o homem.

ela sente a in - contrição do sangue.

geométrico.

os braços, firmes, assentes no arco.

a flecha quebrando o silêncio da água crepuscular

no seu colo uivante.

 

e os animais nocturnos povoam agora a alma da mulher

devorando-a com um sonho viril

como um crime sagrado.

   
 
  Al-vorada
 

… pois agora a abóbada sideral quebra-se em mil pedaços

e a esperança explode

                                dentro dos lagos e nos tabiques.

   risos. magníficas gargalhadas. crianças de olhos iluminados.

ah! e os homens

com a febre da glória

           agrafada na falha dos dentes

e as mulheres dançando com a luz das sombras...

           pois hoje,

nem a investida do gelo cavernal será capaz de nos oferecer resistência.

   os nossos corações são bússolas despenteadas,

   mas firmes

como a turbina dos boques.

e nas chaminés os anjos negros olham-se de soslaio e riem,

 lacónicos,

talvez dizendo:

   pobres homens! ladrões do fogo! cultivadores da ilusão!

   e os cães uivam

   baixo

           debaixo das mesas

                                   com ouro tremente,

 e os gatos procuram o refúgio secreto das lareiras...

 

    pois eis-nos aqui reunidos de novo,

                                          ó homens e mulheres de alta devoção!

celebrando mais uma partida,

francos,  fortes e belos

                               como pedaços de carne nos fumeiros do vento. 

 

* * *

 

... e furiosos de noite seguimos o círculo dos bosques.

ó geometria acesa nos dedos! eis-nos aqui...

   eis-nos prontos para um novo ano. uma nova crónica será escrita

com o metal do sangue e do esperma.

 

* * *

 

...  ah! como são metódicos estes instrumentos de medição.

por fora

 - a lucidez dos frutos ,

                                   os diademas...

dentro 

- o florido rumorejar das harpas,

                                         a rotaçao elíptica dos diamantes...

 

* * *

 

...   e as mulheres enrubescem sob o olhar dos anjos que agora são

cabeças de cavalos penduradas nas árvores...

 

* * *

 

... ó sintaxe metálica ! eis-nos aqui de novo

   cantando as prerrogativas do júbilo  

                                                       - as velas já alçadas no vento...

 

 

 

 

 

Luís Costa (17 de Abril de 1964, Carregal do Sal. Portugal)
Tem vindo a editar trabalhos em revistas e sites digitais como: revista Conexão Maringá, revista Zunái, site Triplov e revista Agulha.
Blogue pessoal: http://oarcoealira.blogspot.com/
Contacto: l.Costa@web.de

 

 

Sofia Ribeiro (Lisboa, 24 de Dezembro de 1965). Filha de poeta, desde sempre cresceu numa atmosfera artística através da Galeria e Livraria dos seus pais, lugar onde conheceu muitos artistas ligados aos mais variados quadrantes da arte, nomeadamente  literatura, música, teatro, artes plásticas e cinema. Teve como hobby patinagem artística durante dez anos. Concluiu os estudos secundários na área de humanidades e a sua curiosidade levou-a a seguir um percurso onde o restauro de antiguidades ocupou doze anos da sua experiência profissional. Fez formação na área de acção educativa e gestão de micro e médias empresas. Mudou-se há dez anos para o Concelho de Leiria,  e reside actualmente em Porto de Mós. Decidiu há cerca de dois anos, tempo que considerou oportuno, alimentar o sonho e lançar-se no mundo da arte, a sós, de uma forma apaixonada, seguindo, como autodidacta, um inquietante desafio pessoal na escultura e na pintura. Concorreu ao Concurso de Presépios do Município de Porto de Mós, em 2010, tendo ganho o 2º prémio. No ano seguinte fez a sua 1ª exposição individual na Galeria Templários, sob o nome de Brainstorm - Metáforas poéticas. Procura uma forma de linguagem subtil e metafórica onde abraça a estética do desconhecido como uma bússola sísmica, percorrendo o seu próprio caminho, onde as suas inspirações mais profundas provêm da música e da poesia. Não há maior liberdade criativa do que estar a sós com arte quando esta vem da essência...

 

 

© Maria Estela Guedes
estela@triplov.com
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