REVISTA TRIPLOV
de Artes, Religiões e Ciências


nova série | número 29 | julho | 2012

 
 

 

 

LUCINEIDE ALVES FARIA MENDES

 

Os “Veludinhos” e “Cesarianas e casuarianas”:
um retrado de Guiné–Bissau aos olhos de Maria Estela Guedes

Trabalho realizado para a cadeira de Literatura Africana, Universidade Nove de Julho, São Paulo, 2012                

 

EDITOR | TRIPLOV

 
ISSN 2182-147X  
Contacto: revista@triplov.com  
Dir. Maria Estela Guedes  
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Nos poemas “Os veludinhos” e “Cesarianas e casuarianas”, Maria Estela Guedes, através de suas memórias de infância, conseguiu transpor para o presente, o passado de uma Guiné-Bissau mergulhada em conflitos, tanto social, cultural como ideológico. Uma Guiné oprimida, obrigada a uma língua que não era sua, a hábitos e costumes que não lhe pertenciam, a um mundo estranho e distante de sua realidade. Uma Bissau guerreira, que soube preservar sua identidade apesar da mão forte do seu dominador.

  Bissau em transformação
 

No poema “Veludinhos”, Maria Estela Guedes, descreve a transformação que ocorreu em Guiné-Bissau com a presença dos portugueses como: a abertura de estradas, o desmatamento. O próprio título sugere essa “metamorfose”. “Fases incipientes, talvez, na metamorfose de artrópodes a que chamávamos veludinhos, e levávamos em cartucho de papel pardo para dentro das salas de aula, no Liceu Honório Barreto”.(GUEDES, 2008, p.20).

   
  Lembranças da Infância
 

Os poemas trazem as lembranças de infância da menina Maria Estela Guedes, que viveu em Guiné-Bissau entre 1956 a 1966.

“Passeios na tarde de domingo

Pelo jardim de Teixeira Pinto

Empurrando o carrinho com o bebé da D. Otília

Nascido entre dores e cortes de cesariana...”(p.31).

“Ao levantar da cama o sol puxava para os pés

A colcha só esquissada ainda

De verdura. Por cima cheirava a quente, por baixo

Suava açucar. Sobre o capim de súbito nascido

Corriam sinais vermelhos miriápodes.”(p.20)

Está ali a escrita, a paixão e o conhecimento da escrita, que é signo maior lavrado nas paredes de um amor pelos ritmos da memória, deliberadamente posto em equação. E está aqui também a interrogação do ser humano, da mulher que (se) recorda, que escreve, que do baú deslumbrante e deslumbrado do seu espírito e da sua nostalgia soube retirar os mais belos sinais de uma infância e adolescência para depois e para todo o sempre.

   
  Memórias
 

A autora, através de suas memórias, faz um painel da África colonizada. Relembrando a presença de Portugal em Guiné-Bissau.

“Pelo jardim de Teixeira Pinto”.(p.31).

“A estátua do militar no alto do outeiro

A domonar toda a cidade de Bissau

Mira longe as evoluções

Dos milicianos e da Mocidade Portuguesa

Diante do palácio do governador e do Obelisco

No centro da praça do Império...”(p.31)

“Abria precipícios nas estradas de terra batida

Levantava nos ares os telhados de capim

E zinco e abatia árvores

Mesmo ancestrais e gigantescas...” (p.20).

A memória individual traz sua marca,a sua pecularidade que é a experiência que pertence unicamente àquele sujeito, na  verdade, fora dos padrões institualizados e documentais, o que poderá possibilitar a revivescencia de vozes silenciadas que não foram ouvidas no passado.

A memória individual traz como marca, particularidades e singularidades exclusiva do sujeito.

   
  Guiné em guerra
 

Guedes traz em seus versos uma Guiné em guerra, essa evocação começa pela imagem que guarda dessa Guiné-Bissau, "um mapa de ilhas, um arquipélago de lembranças", especialmente da Fonte Vaz Teixeira, àquela época "oculta na floresta, em ruínas", que hoje, provavelmente, não mais existe, "como tantas outras coisas que os anos de independência fizeram desaparecer", como diz Saião, que também lá andou por 27 meses ao todo, à época em que havia a "província ultramarina da Guiné" e "os jovens portugueses de então eram obrigados a defender, às vezes à custa da própria vida ou de abalos ao próprio corpo, o sonho de grandeza salazarista que só existia na retórica dos discursos oficiais". 

“Todas as raças se esforçaram,

Desde os muito brancos aos muitos pretos

Passando pelos muito e quase nada mulatos

A que indistintamente se chamava cabo-verdianos...”(p.31)

“As gotas de sangue com patas

Dos mil e um corredios veludinhos...”(p.20).

   
  Reconstituição da fala crioula, oralidade
  “Nha cretcheu ta papiando”(p.31)
   
  Presença do eu lirico
 

[...] O lirismo é a emanação de um eu – que o romantismo gostava de confundir com a pessoa do poeta, mas que pode se apagar por detrás de uma de suas personagens. (YVES, 2001, P.151).

O autor é quem cria, notadamente, e o eu poético representa um ser criado para expressar as emoções intuídas pela autoria do poema.

“Por detrás das grades da janela” ( p.20).

“Passeios nas tardes de domingo” ( p.31).

“Empurrando o carrinho com o bebê de D. Otília.”(p.31).

   
  Presença do épico
  Épico é a narrativa com temática histórica; são os feitos heroicos de um determinado povo. O narrador conta os fatos passados, apenas observando e relatando os feitos objetivamente, sem interferência, o que torna a narrativa mais objetiva.

“ A estátua do militar no alto do outeiro

A dominar toda a cidade de Bissau

Mira ao longe as evoluções

Dos Milicianos e da Mocidade Portuguesa

Diante do palácio do governador e do obelisco

No centro da Praça do Império”...(p.31)

   
  Palavras da autora sobre o poema “Cesarianas e casuarinas”
 

“O homem era albino e funcionário público... Creio que a relação é colorida, tem a ver com racismo. Nessa altura eu tinha um namorado bem escurinho, e isso não era bem aceite pelos meus pais. Por vezes encontrávamo-nos no jardim de Teixeira Pinto, onde havia muitas casuarinas, essas árvores parecidas com cedros. No poema eu falo de um bebé nascido de cesariana que a mãe também levava a passear no jardim.

Teixeira Pinto é um militar que no princípio do século XX lutou contra tribos guineenses sublevadas. Ficou conhecido como O Pacificador. De certeza há matéria sobre ele na Internet ou então na Enciclopédia Portuguesa e Brasileira. Muitos topónimos são substituídos após as independências, ou por outras razões, geralmente políticas. No Brasil também. Você sabe que a Praça do Pelourinho, em Salvador, realmente tem outro nome? Por ali há lugares com várias camadas de topónimos, o que dá uma grande confusão aos estrangeiros.”

Estela

   
  Conclusão
 

Estela, através de suas memórias, faz um painel social, cultural e político de Guiné-Bissau, país assolado por guerras, tentando reencontrar suas raízes e se libertar da opressão do seu colonizador. As lembranças de infância se misturam com a de um país que não é o seu, e leva o leitor a conhecer uma Guiné que, apesar de ter sido dominada por Portugal, preserva sua língua, sua tradição e cultura.

Os poemas “Veludinhos” e “Cesarianas e casuarinas”, nos remetem a um passado histórico, que não se encontra nos livros de História, e que muitos desconhecem ou esqueceram. È uma viagem instigante e encantadora, que fala de um povo guerreiro que não perdeu suas raízes, e que apesar de todo sofrimento e opressão, traz consigo a coragem para manter sua identidade e lutar por um país livre e verdadeiramente seu, mantendo sua dignidade e o orgulho de ser africano.

   
  Bibliografia
 

GONÇALVES,  ADELTO. Poesia que brota de Bissau. 2010. Disponível em:

http://www.germinaliteratura.com.br/2010/letras33.htm Acesso em: 10 abril 2012. 

DUARTE, Vânia. O eu poético e o autor: diferenças que o demarcam. 2012. Disponível em:

http://www.brasilescola.com/busca/?q=eu+lirico&x=14&y=15 Acesso em: 06 abril 2012. 

STALLONI, Yves. Os gêneros literários. Rio de Janeiro: Difel, 2001, p.151. 

GUEDES, Maria Estela. Chão de Papel. Lisboa: Apenas Livros, 2008, p. 20-31. 

BAPTISTA, Ana Maria Haddad. Tempo-memória no romance. São Paulo, Catálise Editora, 1998

 

 

 

 

Lucineide Alves Faria Mendes, professora de Língua Portuguesa e Literatura, recém graduada pela Universidade Nove de Julho no curso de Letras: Português/Inglês. Nascida em Cachoeira de Minas- Mg, Brasil.
Email:
luafmendes@yahoo.com.br

 

 

© Maria Estela Guedes
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