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REVISTA TRIPLOV
de Artes, Religiões e Ciências
Nova Série | Número 25-26 | Março-Abril | 2012
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JOSÉ PINTO CASQUILHO
Joaquim da Graça Correia e Lança: anotações[*] |
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EDITOR |
TRIPLOV |
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ISSN 2182-147X |
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Contacto: revista@triplov.com |
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Dir. Maria Estela Guedes |
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O meu interesse, a minha attenção,
consistiu especialmente em observar estes povos nas suas relações com a
civilisação e a nossa politica colonial.
Corrêa e Lança, 1890.
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Resumo
Joaquim da Graça Correia e Lança foi um administrador
colonial de Portugal no final do século XIX, que exerceu funções de
governador dos distritos de Lourenço Marques e do Congo (1896/7), foi
secretário-geral dos governos das províncias da Guiné Portuguesa, de
Macau e Timor, e de Moçambique. Foi governador da Guiné portuguesa
(1888/9), governador interino de Moçambique (1894 e 1896) e governador
de S. Tomé e Príncipe (1897/9). Obteve vários títulos, graus, medalhas e
comendas [v. 1], elogiosos do exercício das suas funções. O secretário
particular do rei D. Carlos, conde de Arnoso, em carta datada de 1 de
Maio de 1896 dirigida a António Ennes dizia sobre ele que tinha grande
nobreza de sentimentos [2]. Designava-se a si próprio como um liberal,
mas não será dificil mostrar que era humanista e progressista. Era um
auto-didacta, fez-se sócio da Sociedade de Geografia desde 1881, e
estudava as províncias de cujo governo participava pesquisando do ponto
de vista económico, etnográfico e antropológico, de que neste trabalho
se dará uma pequena mostra.
Summary
Joaquim da Graça Correia e Lança
was a colonial administrator of Portugal at the end of the 19th century.
He served as Governor of the Districts of Lourenço Marques and Congo
(1896/7); he was also Secretary-General of the Governments of the
provinces of Portuguese Guinea, Macau and East Timor, and Mozambique. He
was Governor of Portuguese Guinea (1888/9), Governor-in-charge of
Mozambique (1894 and 1896) and Governor of S. Tomé and Príncipe
(1897/9). He obtained several titles, medals and commendations [see 1],
as praise for the performance of his duties. The private Secretary of
King D. Carlos, Count of Arnoso, in a letter dated from May 1, 1896,
addressed to António Ennes, said he had great nobility of feelings [2].
He designated himself as a liberal, but it will not be difficult to show
that he was better defined as progressive and a humanist. He was an
autodidact, become a member of the geographical society (since 1881) and
studied and researched economic, ethnographic and anthropological
aspects of the provinces that he governed, as it will be shown briefly
in this paper.
Résumé
Joaquim da Graça Correia e Lança a
été un administrateur colonial du Portugal à la fin du XIXe siècle, qui
a exercé des fonctions de gouverneur des districts de Lourenço Marques
et du Congo (1896/7) ; il a été secrétaire général des gouvernements des
provinces de la Guinée portugaise, de Macao et de Timor, et de
Mozambique. Il a été gouverneur de la Guinée portugaise (1888/9),
gouverneur intérimaire de Mozambique (1894 et 1896) et gouverneur de S.
Tomé et Príncipe (1897/9). Il a obtenu plusieurs titres, degrés,
médailles [v. 1], relatifs à l'exercice de ses fonctions. Le secrétaire
particulier du roi D. Carlos, le comte d'Arnoso, dans lettre datée du
1er mai 1896 dirigé à António Ennes disait sur lui qu'il avait grande
noblesse de sentiments [2]. Se désignait à lui propre comme un libéral,
mais ne sera pas difficile de montrer qu’il serait mieux défini comme
progressiste et humaniste. C'était un autodidacte, s'est fait partenaire
de la Société de Géographie depuis 1881, et il étudiait les provinces
dont le gouvernement participait, en cherchant du point de vue
économique, ethnographique et anthropologique, dont dans ce travail se
donnera un petit échantillon. |
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Cronologia da carreira colonial
No que se segue os principais elementos
cronológicos foram colhidos no seu processo individual que
consta no Arquivo Histórico Ultramarino [3].
Correia e Lança era militar, assentou praça
voluntariamente em Infantaria em 1875, foi promovido a alferes
em 1879, a tenente em 1889, e a capitão em 1898, oficial do
quadro de África ocidental, mas passou grande parte da sua vida
em missões de administração nas colónias, com regressos
episódicos ao reino por motivo de doença (malária). |
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Começou o seu percurso sendo nomeado ajudante
de campo do governador da província de S. Tomé e Príncipe em
Dezembro de 1879 e por lá permaneceu até Janeiro de 1892. No
lustro seguinte esteve no reino, casou, e exerceu uma série de
cargos em Santiago do Cacém, entre os quais o de provedor da
Misericórdia e presidente da câmara.
Nomeado secretário-geral do
governo da província da Guiné em Julho de 1887, tomou posse em
Novembro desse ano; assumiu episodicamente o cargo de governador
nas várias ausências deste, até que é nomeado governador
interino em Dezembro de 1888, reassumindo o cargo de
secretário-geral em Fevereiro de 1890 e regressando ao reino
para convalescer de doença, onde desembarcou a 13 de Maio desse
ano.
Em Abril de 1891 foi
transferido para o lugar de secretário-geral do governo da
província de Macau e Timor, mas foi encarregado de voltar a
exercer interinamente o cargo de secretário-geral da província
da Guiné, seguiu para esta colónia em Junho de 1891 e assumiu
essas funções até Novembro. Desembarcou em Macau em Janeiro de
1892 e por lá presidiu a comissões e fez intermitentemente as
vezes de governador na ausência deste, durante cerca de seis
meses, onde escreveu obras de incidência política.
Transitou para o lugar de
secretário do governo de Moçambique em Junho de 1892, e lá
desembarcou em Setembro, onde também fez as vezes de governador
por ausência deste logo em Dezembro desse ano. Foi governador
interino de Moçambique em dois períodos: da primeira vez
seguindo-se a Francisco Teixeira da Silva, de Janeiro de 1894 a
Julho desse ano; e da segunda sucedendo ao governador e
comissário régio António José Enes, entre Janeiro e Março de
1896. Foi sucedido por Mouzinho de Albuquerque a quem deu posse,
o herói das campanhas de África Oriental que derrotou e
aprisionou Gungunhana, o leão de Gaza [v. 4].
Em 25 de Novembro de 1896
foi nomeado governador do distrito do Congo e depois nomeado
governador da província de S. Tomé e Príncipe em Março de 1897,
onde permaneceu até 1899, quando regressou ao reino e compareu a
uma junta médica em Abril que o declarou incapacitado
temporariamente por padecer de paludismo crónico. É internado no
hospital em 16 de Junho e vem a falecer na madrugada do dia 25
de Fevereiro de 1900, tendo completado 44 anos poucos dias
antes.
Além dos cargos
administrativos e políticos que exerceu era um estudioso dos
temas coloniais: geografia, economia, história e antropologia,
sobre os quais deixou escritos a justificar posições e propostas
políticas. |
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Sobre as raças da Guiné portuguesa |
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A Guiné portuguesa era distrito sob
alçada dos governadores gerais de Cabo Verde até 1879, só se
autonomizando como província com o cargo de governador geral a partir
dessa data. Correia e Lança sucedeu a Francisco Teixeira da Silva em
1888.
Legou-nos um relatório referido ao
ano económico de 1888/1889 [5], que constitui a principal fonte deste
trabalho. Nesse relatório aborda numerosos temas de economia,
administração, política, escrevendo um capítulo inteiro designado ‘Os
povos do continente’ [6], a que sucede um outro intitulado ‘Os povos do
arquipélago’ [7], este dedicado sobretudo aos Bijagós, referindo-se-lhe
a propósito como [8]: uma tribo, porém, existe na Guiné, que é
porventura a menos conhecida, a tribo dos bijagós, àcerca da qual eu
entendi dever alargar este trabalho reservando-lhe um capítulo especial,
- ressalvando que os muitos viajantes que têm atravessado a Senegambia
não visitaram o arquipélago dos Bijagós.
Em termos gerais, falando das
etnias da Guiné diz que [9]: as raças e as muitas tribos do continente,
dispõem de tão pequena área para o desenvolvimento das suas populações
de costumes diversíssimos, que os conflitos surgem a cada passo,
originados sempre em questões de território; a velha luta, persistente e
cruel, das três raças mais fortes e distintas da Guiné: fula, mandinga e
beafada, não tem outra origem senão a reivindicação de territórios.
Afirma ainda noutra passagem que
sob o ponto de vista da civilização, classifica os mandingas em primeiro
lugar que os fulas e só depois destes os beafadas.
Também fala dos balantas que
designa como excelentes agricultores, ou dos felupes, autores do
massacre nos areias de Bolor da força portuguesa sob comando do major
Calixto, que ocorreu em 1878. E ainda dos baiotes, banhunes e cassangas
que ocupam a margem direita do rio Cacheu e parte da do rio Farim. Faz o
elogio dos brames, que refere como povos trabalhadores e pacíficos, que
se estendiam desde a embocadura do rio Baboque até ao estreito do Cabi,
e eram objecto de muitos assaltos e roubos, tendo de um lado os manjacos
e os papeis de Burné, e do outro os balantas, que iam desde a margem
direita do rio Geba até à fronteira norte.
Sobre os fulas, diz que são um
enigma histórico, observando que existem subdivisões em que os fulas
pretos são considerados pelos fulas forros como uma raça inferior
destinada aos trabalhos servis, mesmo sendo estes últimos uma quarta
parte dos primeiros. Refere que datará de 1789 o poder dos fulas, e que
foi o almamy Ibrahima que maiores vitórias alcançou contra os mandingas,
tendo sido no reinado deste que se estabeleceu o regime aristocrático de
uma republica com dois presidentes, ou chefes, denominados almamys,
eleitos, um na actividade outro na disponibilidade, em que o tempo em
que cada um devia exercer o poder efectivo era deixado à decisão do
conselho dos grandes, composto pelos velhos pertencentes às famílias
mais distintas.
Terão sido muitos anos que durou a sujeição dos fulas
aos mandingas e beafadas, em que foram objecto de inúmeras extorsões e
violencias, vivendo uma vida servil, mas em 1863 iniciou-se o primeiro
movimento de revolta numa guerra continuada por décadas. O autor
esclarece que a base da constituição dos povos muçulmanos é a conversão
ou extermínio dos infiéis, pela guerra ou pela escravidão.
Sobre os beafadas conta, que, por sua vez, não se
cansavam nas represálias de quem se via expulso do seu território. Sem o
apoio do governo, que era todo protecção aos fulas pretos e paz aos
forros, organizaram-se em guerrilhas, aguerridas e corajosamente
comandadas, e faziam aos fulas de qualquer cor ou raça uma guerra de
emboscadas de verdadeiro extermínio. A maior parte dos homens válidos
beafadas não trabalhava, nem se preocupavam com negócios de espécie
nenhuma. A sua vida era a guerra, era a vingança. As mulheres cuidavam
das plantações, das colheitas e das comidas.
Correia e Lança no seu relatório dirigido ao ministro
da marinha e do ultramar, afirma que, no seu entender, é importante a
área ocupada pela raça mandinga na Guiné portuguesa, dizendo [10]: esta
raça merece a minha simpatia de preferência à raça fula, porque não só
tem sido a raça que mais respeito tem mostrado pela nossa autoridade,
como também é aquela que menos conflitos levanta; dispondo de uma
instituição mais liberal, conquanto ainda não esteja banida dos seus
costumes a escravidão, que é inerente a toda a Africa, esta raça e a dos
beafadas podem vir a ser aquelas auxiliares da civilização. Ainda afirma
que para com os próprios escravos os mandingas são mais humanos que os
fulas.
E conclui, na sua longuíssima exposição recheada de
factos históricos e nominais que aqui não transcrevi, propondo ao
ministro o enunciado de que o papel reservado a Portugal está definido e
o plano a adoptar para se resolver esse problema difícil da política
gentílica se resumiria na fórmula seguinte [11]: é necessário
contrariar, desde já, a expansão da raça fula, que, na sua marcha
invasora para o ocidente, tende a avassalar as raças inferiores,
opondo-se-lhes as raças mandinga e beafada, que entre si possuem mais
afinidades, e que são de mais fácil conquista para os nossos costumes e
para a nossa civilização. |
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Da demografia |
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Correia e Lança intentou dar uma estatística
demográfica das diversas etnias da Guiné ao tempo, dizendo que [12]:
conversando com homens conhecedores do país e antigos nesta província,
cheguei a fixar os seguintes números |
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É nítida a distinção feita no caso dos bijagós, com
estimativa apurada até às dezenas, que aliás se mostra compilada no
capítulo ‘Os povos do arquipélago’ discriminada por ilhas e, dentro
destas, por povoações.
Refere Correia e Lança, mostrando a sua simpatia por
este povo, que: hoje pode qualquer estranho ir negociar às ilhas
Bijagós, que será bem recebido e sobretudo respeitado. Sobre o gentio
bijagó diz ainda que se atribui a sua origem a uma revolta de escravos
de Guinala que se refugiaram no arquipélago até onde foram perseguidos
pelos seus senhores, que os não puderam vencer; do cruzamento dos
escravos fugidos com os papeis de Entomank apareceu um povo de feições
muito regulares e de proporções atléticas, o qual parece que inventou um
língua impossível, modulada pelo grasnar dos corvos e dos papagaios, com
uma fé vivíssima na transmigração das almas e na ressureição dos corpos
e que imita nas suas festas o costume das aves e quadrúpedes com uma
habilidade impossível de se descrever, que sabe fabricar elegantes
farpões e azagaias trilinguas, as quais joga com muita destreza.
Termina o capítulo dizendo que os bijagós têm pelos
portugueses uma estima e respeito sinceros, que são susceptíveis de
abraçar os nossos costumes e as nossas leis e acrescenta: o rei de
Canhabak com quem tenho tido sempre magníficas relações, espera-me de
visita à ilha para me fazer festas estrondosas.
E é sobre a descrição dos bijagós de Canhabak que
resolvi transcrever as considerações do autor porque são os costumes que
se apresentam mais insólitos, no que toca aos rituais de casamento e de
morte. |
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Os bijagós de
Canhabak [13] |
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Tem 19 povoações; população: 7400 almas. Aquela em
que reside o régulo chama-se Corré, tem 600 habitantes. Os bijagós de
Canhabak, como todos os outros, são fetichistas. Alguns de seus ídolos
merecem ser descritos pela sua extravagância. Uns são simples figuras de
pau; outros, os mais respeitados por eles, têm a forma de um melão, são
feitos de uma massa composta de musgo de uma árvore chamada bissacá,
misturada com ovos.
Os régulos e chefes trazem sempre consigo um pau de
tagarra semelhante a um antebraço forrado de baeta escarlate, tendo na
extremidade que simula a mão dois chifres de gazela. Os bijagós, antes
da circuncisão [14] não trabalham, são considerados crianças e
sustentados pelos pais. Só depois dos trinta anos é que são considerados
homens feitos, e se entregam a todos os misteres agrícolas, náuticos e
guerreiros.
Casamento de mulher que já não é donzela: os homens
não fazem nunca declaração alguma às mulheres. Aquele que o fizer é tido
em desprezo. Pertence às mulheres esse primeiro passo. A mulher que
gostando de um indivíduo pretende viver com ele, começa por construir
uma casa; depois de pronta, cozinha um bom pedaço de arroz com galinha,
que manda ao seu escolhido com o recado que tem uma casa e que desejava
que fosse por ele governada.
Se o indivíduo anui, recebe a comida, chama os
parentes e amigos e vai apresentá-los à noiva; comem o cabaço de arroz e
galinha, depois do que o noivo vai à rua, dá muitos tiros, e depois de
reunido grande ajuntamento de gente faz as suas declarações em público,
ficando desde então considerado dono da casa. Se porventura não se dão
bem, o marido põe a mulher fora de casa, a qual para contrair segundas
nupcias tem de ir construir nova habitação.
Se o casamento é com rapariga donzela, esta cozinha
uma panela de arroz com azeite de palma, que é fornecido pelos pais, e
manda-o ao namorado com uma colher. Se o namorado se dispõe a casar,
aceita tudo e come o arroz em companhia da família e amigos, ficando com
o direito de ir a casa dos pais da rapariga encontrar-se com ela.
Chegada a época da circuncisão a mulher abandona o
marido por seis meses, contados à risca; vai procurar outro marido, e
durante esse período nem falar pode com o primeiro porque pretendem que
se o fizer ambos morrem.
Os enterros dos bijagós nada têm de singular, a não
ser que a cada morte natural sucede sempre um suicidio obrigatório.
Enterram os cadáveres em casa, em covas de 2 m. de profundidade de 1 e ½
de largura; em várias outras covas depositam um pote com água, panela
para cozinhar, arroz, etc., e os presentes da família. O choro é
proporcional aos gados deixados pelo defunto.
Oito dias depois do enterro há então uma cerimónia
sinistra, que consiste em virem duas jambacás (mágicas) perguntar ao
defunto quem o matou, porque o gentio em geral, crê que a morte é sempre
violenta. Estas mulheres levam à cabeça uma espécie de jangada coberta
com a esteira e o pano que o defunto usou porque nestes objectos é que
elas dizem que ao fim de oito dias de falecido se vem envolver a alma do
defunto.
Chegadas a casa do morto as jambacás, ora se
aproximam ora se afastam da cova, correndo como possessas de um para
outro lado. Às perguntas que o auditório faz se elas querem responder
afirmativamente aproximam-se da sepultura; no caso contrário afastam-se.
Por fim as duas mulheres pronunciam o nome o nome do indivíduo a quem
imputam a morte, correm e caem sobre ele com força. Este indivíduo é
obrigado a suicidar-se, e é enterrado numa outra ilha; sendo algum
parente do régulo é lançado no mar. |
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Àcerca da tributação |
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Correia e Lança teve de lidar com o problema das
finanças da Guiné portuguesa e do seu deficit crónico e agravado.
Defendia que o reequilíbrio das contas públicas devia ser feito
aumentando as exportações, e não afogando a colónia com novos impostos
sobretudo sobre os povos gentios e que o desafogo financeiro da Guiné só
viria com a prosperidade económica, esta filiando-se no desenvolvimento
da agricultura e nas facilidades comerciais. Vejamos as suas palavras
[15]:
As contribuições directas em vigor como já disse,
nesta província, devem manter-se tais como se acham (...) As cubatas do
gentio nada rendem, e por isso o lançamento da contribuição sobre estas
habitações só avoluma a dívida à fazenda e aumenta inutilmente o
trabalho.
O imposto pessoal sobre o indígena, o imposto de
capitação, que tem defensores, nunca o aconselharei para esta província.
Este imposto que recai directamente sobre o indivíduo pelo facto de
viver na colónia é, como todos os impostos pessoais, vexatório, como
todos os impostos de excepção, odioso.
Não é somente contrário aos principios que devem
reger a moralidade dos povos, que tem por base a liberdade individual, é
contrário a todas as regras económicas e políticas. Destrói o princípio
de que o imposto deve incidir sobre a coisa, sobre o capital; jamais
sobre o homem, sobre o trabalho. Estorva necessariamente a acção
política das administrações coloniais, pela repugnância e dificuldade
que a sua cobrança origina.
Nas colónias como a Guiné, o aumento de tributos, a
elevação exagerada da pauta não levanta protesto, mas também não produz
receita. Produz este simples efeito: a dispersão da colónia comercial, o
aniquilamento da agricultura, e portanto o abandono, a ruína.
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Afinal |
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Irá fazer sete anos que, em Maputo, deambulava eu por
lá de férias, resolvi ir ao museu da Revolução. Lá entrei e ao olhar o
primeiro documento exposto no museu estarreci: era o auto de recepção de
Gungunhana e comitiva entregues por Mouzinho ao conselheiro Correia e
Lança, meu bisavô materno, e por eles assinado em 6 de Janeiro de 1896.
Eu sabia que ele tinha sido governador de Moçambique, minha mãe assim me
contara, mas nunca tinha ligado muito, havia uma espécie de mistério
circundante que deixara para um dia pesquisar.
Ainda hoje, em que finalmente escrevo sobre ele, não
consegui encontrar e consultar a obra que mais queria, que ele terá
escrito em Macau em 1892, sobre a questão escaldante da venda das
colónias que se colocou no final do século XIX, quando Portugal
enfrentava crises e ameaças de falência sucessivas, a que não terá sido
estranho o colapso da reputada casa bancária Baring Brothers em Londres,
em 1890 [v. 16].
O protagonismo de Correia e Lança em Moçambique foi
diminuto e até possivelmente selado com algum sentido de pusilanimidade:
foi governador interino da segunda vez sucedendo ao poderoso António
Enes entretanto incumbido de ser ministro de Portugal no Brasil. Diz
ele, em carta escrita já em Lisboa, datada de 27 de Abril de 1896 e
dirigida a Enes, que lhe escrevera antes outra carta dando conta de
aspectos da administração com uma menção pessimista onde descrevia as
suas inquietações sobre o resultado da temerária tentativa do Mouzinho
[17], e aí refere-se misteriosamente à calúnia e intriga de África, a
mulheres e à judiaria.
Mouzinho foi o herói da época, e segundo as suas
próprias palavras, a propósito dos dois fuzilamentos que mandou efectuar
na captura do régulo de Gaza [18]: se não mandasse matar ninguém, todos
os cafres suporiam que ainda tinha medo do Gungunhana e voltariam a
dizer “português é mulher, não mata ninguém”; esta é a maneira bárbara e
absurda por que eles encaram as cousas.
Mas Mouzinho também não regateia o elogio a Manhune
[19]: mandei-o então amarrar a uma estaca da paliçada e foi fuzilado por
três brancos; não é possível morrer com mais sangue frio, altivez e
verdadeira heroicidade; apenas disse sorrindo que era melhor
desamarrá-lo para poder cair quando lhe dessem os tiros.
As estátuas de Mouzinho e Enes, bem como os supostos
restos mortais de Gungunhana estão hoje na fortaleza de Maputo [v. 20] |
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Agradecimento |
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Aos funcionários do Arquivo Histórico Ultramarino,
pela simpatia e profissionalismo com que me ajudaram a encontrar os
elementos citados, a quem desejo felicidades.
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Notas |
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[*] Artigo escrito ao desabrigo do
acordo ortográfico: fiz a actualização da ortografia dos textos citados
como me apeteceu, ao sabor da corrente.
[1] Joaquim da Graça Correia e
Lança, Wikipedia, acedido Fevereiro de 2012,
http://pt.wikipedia.org/wiki/Joaquim_da_Gra%C3%A7a_Correia_e_Lan%C3%A7a
[2] Marcelo Caetano, As campanhas
de Moçambique em 1895 segundo os contemporâneos, Lisboa : Agência Geral
das Colónias, 1947, p: 389.
[3] Processo individual de Joaquim
da Graça Correia e Lança, Arquivo Histórico do Ultramar, pasta nº 22.
[4]Gungunhana, Wikipedia, acedido
em Fevereiro de 2012
http://pt.wikipedia.org/wiki/Gungunhana
[5] Relatório da Província da Guiné
Portugueza referido ao Anno Económico de 1888/1889, Lisboa: Imp.
Nacional, 1890. - 154 p.
[6] Idem, p: 47-64.
[7] Id., p: 65-76.
[8] Id., p: 47.
[9] Id., p: 48.
[10] Id., p:62.
[11] Id., p: 64.
[12] Id., p: 49.
[13] Transcreve-se o que consta no
relatório nas páginas 68/9.
[14] Id., pag. 70: a circuncisão
entre os bijagós em nada se assemelha à verdadeira circuncisão, consiste
em praticarem diversas pinturas e tatuagens na barriga.
[15] Id., p: 40.
[16] Sérgio Campos Matos (coord.)
Crises em Portugal nos séculos XIX e XX, Lisboa: Centro de História da
Universidade de Lisboa, 2002.
[17] Marcelo Caetano, idem, p: 385.
[18] Joaquim Augusto Mouzinho de
Albuquerque, Relatório apresentado ao Conselheiro Correia e Lança,
governador geral interino da Província de Moçambique, 1896, p: 30.
[19] Id., p: 26.
[20] Fortaleza de Maputo, Wikipedia,
acedido em Fevereiro de 2012
http://pt.wikipedia.org/wiki/Fortaleza_de_Maputo |
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José Pinto
Casquilho.
Centro de Ecologia Aplicada Baeta Neves (CEABN/UTL),
Centro de Estudos de Comunicação e Linguagens
(CECL/UNL).
josecasquilho@gmail.com
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© Maria Estela Guedes
estela@triplov.com
PORTUGAL |
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