|
|
|
REVISTA TRIPLOV
de Artes, Religiões e Ciências
Nova Série | Número 25-26 | Março-Abril | 2012
|
|
|
ANTÓNIO JUSTO
Repensar Portugal /
o Ocidente - Activar a
Lusofonia |
|
|
|
|
|
EDITOR |
TRIPLOV |
|
ISSN 2182-147X |
|
Contacto: revista@triplov.com |
|
Dir. Maria Estela Guedes |
|
Página Principal |
|
Índice de Autores |
|
Série Anterior |
|
SÍTIOS ALIADOS |
|
TriploII - Blog do TriploV |
|
Apenas Livros
Editora |
|
O Bule |
|
Jornal de Poesia |
|
Domador de Sonhos |
|
Agulha - Revista
de Cultura |
|
Arte - Livros Editora |
|
|
|
|
|
Como reacção ao meu artigo “Falta de
Cultura da Europa face a outras Culturas mundiais - Europa Berço da
Cultura jurídica da Humanidade” recebi, dum digníssimo professor duma
universidade de Lisboa, o seguinte reparo: “Penso que, na apreciação dos
três pilares europeus, lhe faltou a identificação de um quarto: o braço
armado da projecção lusitana da Europa”.
Status quo da Situação ocidental
Se do encontro da fé de Israel, com a
razão filosófica dos Gregos e o pensamento jurídico de Roma nasceu o
grande projecto cultural europeu, o seu agir ganhou expressão, a nível
global, no “peito ilustre Lusitano”.
Os descobrimentos são, certamente, o
quarto pilar da cultura europeia, o pilar do saber de experiência feito
que Portugal soube concretizar. Sagres resumiu o saber (doxia) europeu e
tornou-se no lugar da ortopraxia. Portugal ao saber-se Europa
descobriu-se mundo. Por isso onde se encontra hoje um lusófono lá pulsa
a alma toda do mundo.
Conseguiu-o porque resistiu ao
espírito oportuno do tempo indo-se assim “da lei da Morte libertando”,
como bem descrevia Camões n’OS LUSÍADAS dos descobrimentos. O alemão R.
Schneider, grande conhecedor da alma portuguesa, diz no seu livro
“Camões / Philipe II”p.120 “nos Lusíadas não se trata apenas dum povo,
mas sim da Humanidade”. Sim, da humanidade que actuava no Portugal de
então. Camões canta a alma portuguesa (ainda inteira) que, não se
deixando levar pelas lutas/modas de reforma particularistas de então,
manteve a visão filosófica cristã global da humanidade, cultivada à
sombra das ordens na tradição de Carlos Magno, longe dos interesses
meramente individualistas.
Portugal foi outrora o primeiro a
expressar e a realizar o sentir e a pujança do ser europeu tal como hoje
é o primeiro a expressar a sua fraqueza. Hoje como então Portugal é o
palco de pontos altos da mudança. Outrora virada para o exterior e hoje
de volta, para depois da crise moral e cultural se encontrar.
A Europa medieval, aquela velha
árvore que depois de ter estendido as suas raízes às diferentes
civilizações até então vividas, floresceu no Renascimento. Desta
florescência surgiu o ramo protestante, que começa a afirmar mais o
valor do indivíduo, do eu (factor emancipador, a individuação) enquanto
o catolicismo continuou a acentuar mais o valor da comunidade. Dois
polos necessários, na vida social, que se encontram hoje em radical
conflito. De facto, a Idade Média, que é mãe, comunidade, é nós, deu à
luz o eu (individuação). Este ao tomar forma no movimento emancipatório
protestante sente a necessidade de se afirmar contra a mãe. Mãe e filho
afastam-se. Hoje temos uma europa de filhotes sem mãe, que se extenuam
no seu cacarejar e na contemplação das próprias penas. A Europa ao
combater a maternidade torna-se infecunda e assim sofre o mundo todo.
Não suportamos a diferença nem a coexistência de extremos, num
condicionalismo de reduzir e simplificar tudo a dimensões uniformes e
rectilíneas.
O ressentimento dos deuses germânicos
contra Roma, no Renascimento, deu lugar ao desejo de liberdade que se
fora articulando através da Idade Média e culminou na ruptura
protestante com Roma. Assim se iniciam grandes convulsões
religioso-político-sociais, e surge um novo sentir da vida, uma nova
ordem económica, o capitalismo. A Europa rejuvenesce e transforma-se na
procura de diferenciação e emancipação. A vertente protestante culminou
no iluminismo, na proclamação da constituição dos USA e depois na
revolução francesa e no enfraquecimento das monarquias. Esta importante
vertente do desenvolvimento da Europa afirma o eu (a individuação)
recalcando o espírito comunitário, o nós. Se na Idade Média a
consciência individual ainda vivia em parte sob o manto da letargia
institucional (nós à custa do eu) com o movimento emancipatório que
ganhou forma no protestantismo começa-se a afirmar o eu (indivíduo) à
custa do nós (comunidade). (Este movimento, encontra, actualmente, o seu
extremo macabro no capitalismo liberal que reduz a pessoa a ego
mercantil e transforma a essência do ego numa metafísica de consumo
deixando o ser humano cada vez mais só no deserto do seu egoísmo.)
Com os descobrimentos, enquanto na
Europa os países se ocupavam consigo mesmos, Portugal já adulto (numa
Europa ainda adolescente) assume em plenitude a mundivisão católica e
burguesa, aliando-a ao desejo do novo e do “saber de experiência feito”.
Portugal precoce realiza o ideário europeu que florescia então nos
jardins da Lusitânia. A Europa alcança, através das viagens portuguesas
(descobrimentos), um novo panorama do mundo. Este em vez de afinar os
espíritos do sentir universal deu lugar à afirmação dos egoísmos
nacionais e ao instinto colonizador. Em vez do sentimento do nós
católico e universal temperado pelo outro polo, o protestantismo, apenas
este encontra expressão na afirmação particular seja a nível estrutural
seja a nível individual. A Europa afirma-se na divisão, o norte contra o
sul, o politeísmo contra o monoteísmo mitigado. O mundo, à imagem da
Europa, afirma-se então na divisão e no contraste em vez de integrar os
polos contrários como pretendia o eclectismo complementar da alma
portuguesa expresso pela ínclita geração. O despertar dos
individualismos nacionais leva à afirmação do particular sobre o comum.
Impõe-se a ganância à curiosidade, projecta-se a puberdade contra a
maturidade. Os deuses do norte vingam-se contra os do sul. O politeísmo
intelectual e político, então iniciado, tudo justifica, restabelece a
mentalidade bárbara, não reconhece pai nem mãe, chega-lhe o bordel.
Chegamos a um ponto de puberdade
negadora duma tradição que lhe deu o ser e que é levianamente negada por
uma sua parte. Esta não está consciente de que a negação provém da
acentuação exagerada do outro polo que constitui a sua afirmação, o seu
ideário. Entretanto o espírito emancipatório acentuou-se de tal modo que
reprimiu o aspecto comunitário, só quer machos, a feminidade/maternidade
constitui obstáculo ou é sufocada pelas estruturas vigentes, demasiado
masculinas. Quer-se uma sociedade sem comunidade, querem-se filhos sem
mãe. O ressentimento que hoje se expressa contra instituições,
especialmente contra a EU, contra a Igreja católica, é o mais visível
sintoma dum individualismo exacerbado que não conhece pai. O politeísmo
da opinião não suporta a procura da verdade no sentido da unidade,
circula em torno de si mesmo sem conhecer o sentido linear ascendente da
evolução natural, individual e cultural.
A crise actual é uma crise cultural e
moral duma civilização que perdeu o seu ideário; é o resultado da
acentuação do eu contra o nós, do objecto contra o sujeito. Socialismo e
capitalismo sofrem do mesmo vírus epocal. Todo o mundo sofre em
consequência da crise espiritual europeia que vendeu a alma ao Mamon
para continuar a afirmar o seu polo individualista. O capitalismo
exagerado machista foi-se afirmando à custa da comunidade até ao extremo
de hoje se afirmar contra ela, não tendo escrúpulos em destruir os
próprios Estados.
Os países lusófonos, em vez de
assumirem a nova mudança de consciência individual e histórica deixam-se
destruir, sem tecto metafísico, seguindo sem reflexão própria os novos
deuses e cultos que, de maneira anónima, em nome da emancipação se
afirmam contra uma comunidade que albergue todos na complementaridade. A
lusofonia, para assumir a bandeirância do progresso, tal como o Portugal
de outrora, terá de descobrir-se a si mesma e de consciencializar-se e
assumir o tecto metafísico que dê consistência à sua acção.
Outrora, enquanto os povos da Europa
combatiam pela definição de suas identidades políticas, Portugal, que já
tinha encontrado a sua identidade nacional, pôde dedicar-se à tarefa
original de levar ao mundo o espírito europeu. A bandeirância que fez
nascer Portugal é a mesma que o torna adulto e o leva à expansão. A
revolução axilar do renascimento que explode por um lado no
protestantismo na procura duma individualidade que se expressa no
capitalismo e no espírito cívico, afirma, por outro lado, o seu carácter
global (católico – aspecto comunitário) na continuidade espiritual da
escola de Sagres.
Hoje encontramo-nos numa época
axiomática da História na qual a crise não é só de ordem
estrutural/mental mas espiritual. Os fundamentos que deram origem à
grande árvore da civilização ocidental são descurados e as suas raízes
sistematicamente amputadas. Em vez de nos preocuparmos com o que deu
vida a esta árvore, serramos nela o próprio ramo em que nos encontramos.
Depois da insónia desta crise surgirá porém o sonho que renovará o
mundo; até lá os ventos da contradição continuarão a destruir pontos
altos da nossa civilização.
Ao ressentimento dos deuses
germânicos, com o seu espírito capitalista, sucede-se agora o
ressentimento socialista aliado à derrocada dum capitalismo liberal
injusto que, como um polvo, procura abrir os seus tentáculos num
globalismo aniquilador de nações. Junta-se a feiura do turbo-capitalismo
à fealdade do comunismo materialista na tarefa de reduzirem as
estruturas de Estado a seus veículos de ideologia trituradora da pessoa.
O mito da Europa como vaca degenera-a
agora em touro de cobrição. Como um touro de olhos fechados sai do curro
ocidental para dominar o mundo, destruindo a cultura que lhe deu o ser,
não respeitando os ecossistemas culturais. É verdade que as
“constelações postnacionais” de que fala o filósofo alemão Habermas já
não podem resolver os seus problemas sozinhas pressupondo isto o
abandono de individualismos nacionais e culturais mas sob o tecto
metafísico civilizacional que lhes deu o ser.
Se o desejo de individuação, no
renascimento, deu lugar à “monolatria” protestante, o modernismo volta
ao politeísmo anterior à civilização. Deixou-se de considerar o mundo
como um conjunto de ecossistemas sociais com as suas leis e ordem
inerente para os transformar em biótopos individualistas em que as
divindades se sobrepõem umas às outras tornando notórias as fracturas a
nível ideário, estrutural e pessoal. A nível ideário e cultural
assiste-se à batalha do politeísmo contra o monoteísmo. Se o conflito
surgido do renascimento (dois modelos de vida sob o mesmo teto
metafísico) era expressão da força dum sistema e duma vivência, a crise
a que assistimos hoje revela-se decadente (sem sentido, destroem-se
modelos à margem dum ideário colectivo que justifique tal actuação). O
saber deu lugar à opinião fundada em castelos no ar. A nação deu lugar a
estados à mercê de mercenários que em nome duma europa mal-entendida se
afirmam. Estes, para se sentirem mais à vontade mandaram a cultura
ocidental para rua sem qualquer guarda-chuva espiritual. Resultado:
chuva ácida nos biótopos naturais e nos ecossistemas culturais.
O capitalismo e o socialismo, dois
filhos pródigos do cristianismo, depois de terem provocado grandes
buracos no ecossistema espiritual ocidental, parecem, não querer voltar
à velha casa paterna onde, juntos, a poderiam renovar, engrandecer e
projectar. Preferem seguir o poder da monocultura masculina islâmica e a
desorientação do politeísmo oriental. Nestas, o indivíduo encontra-se
indefeso, à chuva, e sem privacidade com a própria divindade.
Desprotegido e desalojado dos ecossistemas sociais, fica mais disponível
para o mercado e aberto a ideologias baratas e a uma oligarquia anónima
mundial.
Enquanto o espírito europeu
envelhece, no Brasil e nos países da lusofonia, a antiga vontade poderia
erguer-se. A lusofonia surge como lugar duma nova missão no mundo. Nela
se podem congregar os anseios do velho Portugal com as ânsias das novas
gerações. Como parte do legado, visto da perspectiva portuguesa temos o
espírito universal católico, e os escritos de Camões, de António Lopes
Vieira, de Fernando Pessoa, etc. Não chega apostar apenas em
ideologias, estas passam como os ventos entre a alta e a baixa pressão,
é preciso ter-se presente o eixo que tudo suporta e dá continuidade a
quem conta com o futuro; para os lusófonos, este eixo é o cristianismo
com a sua perspectiva mística do triálogo. A filosofia e a
espiritualidade cristãs terão de, num processo de aculturação e
inculturação, se tornar num verdadeiro tecto metafísico do mundo da
lusofonia. Neste sentido será necessário manter o modelo católico
calibrado com o espírito protestante. A bandeirância outrora assumida
por Portugal na Europa espera por ser assumida e renovada por todos os
países da lusofonia. A nova bandeirância já não será de carácter
expansionista para o exterior mas para o interior, da quantidade para a
qualidade num espírito integrativo e de complementação num processo de
integração de espírito e matéria, de ecologia e tecnologia. A força em
toda a natureza vem de dentro para fora muito embora seguindo o
chamamento da luz; o mesmo se diga dos ecossistemas culturais e dos seus
biótopos humanos. Não podemos continuar a cultivar árvores repelindo a
floresta.
No passado dominou o princípio
dialéctico (um sistema de pensamento redutor elaborado na
contradição/dissecação) como princípio de pensamento e da realidade que
se reflecte na nossa maneira de organizar a sociedade e a vida
individual numa espécie de dicotomia entre indivíduo e sociedade,
superior/inferior, sujeito/objecto. O novo pensar será trinitário
equacionando o problema dos contrastes num triângulo circular
ascendente. Numa cadeia de relações infinitas dum contínuo tornar-se,
num processo espiral ascendente que transcende o espaço e o tempo na
dinâmica da união que se não limita a um estado momentâneo mas se
expressa na sua dinâmica relacional, numa nova Realidade que engloba o
real aparente despetreficando-o para um estado fluido, para lá do
momento e das amarras da definição que são o espaço e o tempo. A relação
torna-se então processo pessoal e não estado, deixando de ser
objectivável no todo e no particular. A Realidade desinforma-se para se
consciencializar do ser in do processo in-formar. Então a relação
torna-se pessoal, é tornar-se, essência relacional; o in (do in-formar
antes e depois da forma numa dinâmica de pai-filho-paráclito) da
a-perspectividade resolve a aparente contradição matéria-espírito,
indivíduo-sociedade, eu-tu, na dimensão da vivência superadora da
alternativa através do paráclito. O indivíduo passa a ser pessoa e a
sociedade a ser comunidade. Nós só exercitamos a perspectiva funcional
da relação e por isso petralizamo-la numa ou noutra identidade. Em Jesus
cristo exclui-se a exclusão mútua de matéria e de espírito. Nele (JC)
torna-se visível uma unidade dinâmica do tornar-se da petrificação (J) e
do fluido (C); a relação duma com a outra possibilita-se num processo de
mudança concretizado na relação pura (o paráclito). Aqui dá-se já não um
progresso quantitativo (estados), negador do anterior ou afirmador do
posterior, mas uma dinâmica da relação pessoal (de ipseidade) em que o
outro participa do espírito comum a toda a realidade em relação. A base
constante é a divindade subjacente a tudo, a todos comum, num processo
universal sem funções dado a relação ser pessoal num eterno tornar-se
(“eu sou o tornar-se”, dizia Deus a Moisés) para lá do acontecer. A
oposição dialéctica do eu/tu, eu/objecto resolve-se na realidade
trinitária dum eu-tu-nós. Passamos a não ter apenas o diálogo como o
contrário do monólogo, como relaç1bo entre objectos, mas o triálogo como
integrador do diálogo, do monólogo e do “objecto” num processo de
sujeito-sujeito. A dialéctica passa a ser integrada como momento do
processo e a não ser vista como realidade ou espelho da mesma. Isto tem
como consequência uma outra forma de vida e de estar superadora duma
pedagogia, duma política e duma economia meramente objectivadora.
Uma nova filosofia de vivência e de
Estado pressuporá a união da filosofia com a mística, uma aplicação
prática da filosofia trinitária.
A Hora da lusofonia está a chegar,
precisam-se faróis por todo o espaço lusófono. Para isso terá de
coadjuvar-se modernidade e tradição, maternidade e filiação, o indivíduo
passar a ser pessoa e a sociedade a ser comunidade. “O espírito do mundo
desce ao Brasil e abandona a América iankye. A China cairá brevemente
com a sua crise demográfica e é preciso preparar a Lusa- áfrica pela
mobilização do Brasil”, confessava-me o amigo… |
|
Preparar uma “ínclita
geração” como impulsionadora da lusofonia |
|
Portugal foi a primeira nação
europeia a estar completa; numa união íntima de terra-povo -cultura,
exercitou, logo de início, a sua vontade na resistência à força leonina,
à lança muçulmana e nas labutas com o mar. Deste esforço viu brotar no
seu seio a flor da alma europeia: o saber de experiência feito; espírito
este gerado durante séculos no seio das ordens e expresso no lema “ora
et labora”. A doxia aliada à praxia, especialmente na ordem beneditina e
dos templários (depois Ordem de Cristo),gerou Portugal e frutificou nos
Descobrimentos. Hoje, quando se fala em Portugal, Brasil, Angola, etc.,
estão-nos subjacentes os ecossistemas sociais do grande biossistema
cultural que é a Lusofonia. O Brasil poderia assumir hoje, a nível de
Lusofonia, a missão que Portugal assumira em relação à Europa nos tempos
da sua juventude. Outrora as cidades organizaram-se em torno das
catedrais; hoje em torno das grandes culturas.
Sem esquecermos a lei orgânica e o
valor dos diferentes ecossistemas sociais, é de assinalar que já não nos
encontramos na fase das consolidações nacionais mas na fase dos
agrupamentos regionais/culturais. À superfície a crise mostra que nos
encontramos não só na fase de especulação e de desregulação dos mercados
financeiros, mas sobretudo num processo de desregulação das cabeças e
das nações, numa intenção de tornar civilizações e povos subservientes a
interesses anónimos. Estamos em plena mudança.
Este fenómeno será difícil de ser
sentido por países que, através da colonização externa, foram impedidos
de realizar a colonização interna e se encontram hoje, debruçados sobre
si, num estado de independências e sociedades frágeis. Este processo
prolongou-se na na Europa durante 1.500 anos.
Naturalmente que hoje como ontem os
países fortes impedem uma formação natural de ecossistemas
sociais/nacionais, opondo-se à colonização interna em nome de interesses
económicos e a pretexto hipócrita do humanismo (intervenções) como se
fez directamente na Líbia e se faz de maneira discreta em todo o norte
de África. O que acontece nestes países a nível político/militar
realiza-se nos países surgentes a nível económico contra a ecologia e
ecossistemas cada vez mais violados. Começa-se por violar a natureza,
depois o pensamento e finalmente as consciências.
Também as sociedades não europeias
seguirão a evolução natural de formações nacionais para “constelações
postnacionais”, reunindo-se em grupos de interesses à semelhança da EU,
NATO, Liga Árabe, etc. Na fase de desenvolvimento em que nos
encontramos, o lugar do futuro já não se deixará circunscrever a
territórios nacionais; passará das cercas nacionais para as cercas
culturais de diferentes territórios. Para isso, à semelhança do que
acontece no direito internacional em que direito internacional quebra
direito nacional, também no caso do espaço lusófono serão necessários
acordos que possibilitem a imposição dos interesses dum valor maior (o
espaço lusófono) sobre o interesse privado nacional. Esta visão não
parece ainda ser aceite socialmente mas corresponderá a um organigrama
ideal que se imporá com o desenvolvimento do tempo e da consciência
social. A sua realização pressuporá uma ideia aberta de Estado de
Direito, subjugada por uma política pragmatista de factos consumados que
se imporá, tal como tem acontecido com a União Europeia, através do
esvaziamento imperceptível das soberanias nacionais em favor dum bem
maior que é a formação, a longo prazo, duma confederação europeia. Esta
missão tem sido assumida pelos tecnocratas e regentes das diferentes
nações.
No caso da organização da
supra-estrutura “Espaço lusófono” pressupõe-se convenções
intergovernamentais altruístas e iniciativas de base com organizações e
programas supranacionais. Precisa-se duma ideia a longo prazo e duma
estratégia comum. Não seria inteligente, que os políticos portugueses,
demasiadamente fixados em Bruxelas, perdessem de vista, aquilo que lhe
deveria ser mais sagrado: o espaço lusófono e a defesa dos seus
interesses mesmo à custa de interesses regionais europeus. (Seguir o
exemplo duma Alemanha mais interessada em integrar no espaco da EU os
seus vizinhos próximos enquanto que os mediterrânicos se preocupam pouco
com os vizinhos do norte de África). Desperdiçar a força populacional e
estratégica dos países da CPLP (Comunidade dos Países de Língua
Portuguesa) com 8 países e com cerca de 250 milhões de cidadãos e
constitui um espaço linguístico-cultural extremamente rico e que ocupa o
5° lugar no mundo, seria miopia e um grande erro histórico, mesmo em
termos comerciais. (Em vez de se defender, o espaço lusófono encontra-se
à pilhagem do turbo-capitalismo internacional e de nacionalismos
estrangeiros fortes. ) Depois das tribos vieram as nações e agora
estamos na hora das culturas/civilizações. Cabe à CPLP, a Exemplo da
União Europeia fazer do Espaço lusófono um Estado federal ou confederal.
Tornar-se-ia em extensão no 2º maior do mundo, a seguir à Rússia e com a
China depois. A lei da evolução aponta nesta direcção.
O espaço lusófono, para assumir uma
missão civilizacional importante na História, à imagem do Portugal de
outrora, terá de tomar consciência de si e formular um ideal comum. Só
assim poderá assumir a bandeirância espiritual da civilização do século
XXI, tal como Portugal fez do século XIV ao XVI.
Outrora os países europeus
encontravam-se numa crise cultural achando-se divididos por guerras
militares e religiosas; hoje, a União Europeia, numa crise cultural
também, encontra-se de cabeça amarrada pela crise económico-financeira e
demasiadamente preocupada consigo mesma, esgotando-se, desorientada, em
guerras financeiras.
Por outro lado paira no ar um desejo
de mudança, sente-se a ânsia duma nova maneira de ser e de estar no
mundo: no sentido duma vivência mais intuitiva e integral, no sentido
duma ortopraxia mística. O espaço lusófono muito rico em ecossistemas
biológicos e culturais reúne os melhores pressupostos para dar expressão
ao novo sentir e “dar novos mundos ao mundo”. Para isso urge o cultivo
duma visão, duma vontade e dum ideário comum, embalados no berço da
lusofonia que é o conjunto de identidades culturais, ligadas pela língua
que vai de Portugal ao Brasil, do Brasil a Angola, a Moçambique, Cabo
Verde, Guiné-Bissau, Macau, São Tomé e Príncipe, Timor e às diversas
comunidades de língua portuguesa espalhadas pelo mundo.
Portugal, se quer ganhar rosto na
Europa, terá de se redescobrir luso com o seu típico espírito humanista
e universalista aprendido nos bancos godos e católicos da nação nascente
e depois alargado no contacto com os diversos povos do mundo. Não se
trata de sermos portugueses, religiosos ou ateus, trata-se de nos
encontrarmos com a nossa alma universal em todo o lugar presente num
processo metamórfico sob as cores do biótopo natural. A nação, e depois
o espaço postnacional lusófono, além dum ideal, precisa duma missão
histórica a cumprir, uma metafísica que lhe dê projecção e sentido. No
espaço lusófono tornar-se-á óbvio conhecer e espalhar nas escolas e nos
meios de comunicação o saber sobre escritores e pessoas que reúnem em si
a consciência e a memória do seu povo, numa dinâmica de intercâmbio e de
fomento da consciência do nós, do saber-nos “irmãos” brasileiros, irmãos
moçambicanos, etc…. |
|
Universidade da
Lusofonia para a Integração do Espaço lusófono – Antecipar o Futuro |
|
A consciência social, na sua dinâmica
de desenvolvimento foi evoluindo da organização de tribo para a
estrutura de estado/nação, encontrando-se hoje, no seu flanco mais
avançado, na era pós-nacional. Nesta era de mudanças globais rápidas, a
nível de supra-estruturas no sentido dum tecto comum, criam-se problemas
de aferimentos de identidades culturais não chegando, para os resolver,
uma ideologia apelativa ao progresso, ao dinheiro e relações de mercado,
como se estes possibilitassem a formação duma plataforma metafísica de
identificação comum. A velocidade do desenvolvimento é tão rápida que
torna inseguras pessoas, nações e culturas com outro ritmo ou estado de
desenvolvimento. Para corrigir o curso geral da sociedade global a
caminho da entropia, o espaço lusófono unido teria de tomar medidas de
fomento duma consciência de pertença a uma biosfera natural e cultural
comum, formada por “ecossistemas” étnicos de convergência numa relação
de complementaridade. O biossistema necessita do Sol tal como o
“biossistema” lusófono precisará dum ideário/vivência comum. Não é
razoável a implementação dum sistema artificial de conexões baseadas no
mero intercâmbio mercantil sem se ter em conta o substrato humano de
relacionamento alicerçado na dignidade da pessoa humana e consequente
comunidade.
Neste sentido, seria óbvio que os
países do espaço lusófono (CPLP) se unissem na definição dos pilares dum
tecto metafísico comum e para isso começassem por criar um modelo de
universidades de expressão conjunta que se tornassem em oficinas mentais
de todo o espaço lusófono. Os países da CPLP poderiam criar uma nova
escola de Sagres, para si e para o mundo, na continuação do espírito do
Infante D. Henriques.
Encontramo-nos num momento histórico
de acentuada erosão do sentido de solidariedade, de comunidade e de
dignidade humana. A sociedade do mercantilismo liberalista global
impõe-se de maneira tão vigorosa que as nações não podem resistir à sua
força, sendo levadas na sua avalancha. Isto só serve o grupo restrito
dos mais fortes. Com a crise da civilização ocidental – civilização
motora da História global desde os descobrimentos portugueses - todo o
mundo se encontra em crise. A crise é uma oportunidade, uma situação de
gravidez que prepara o momento de dar à luz um novo ser. Trata-se de
reconhecer não só os sinais dos tempos mas também as leis da evolução da
História.
A mundivisão árabe é dominada
sobretudo pelo princípio da subjugação e do medo, o mundo asiático pelo
fado individualista/ funcionalista, o mundo cristão, que constituiria a
mundivisão mais integral, aberta e humanista, encontra-se numa fase de
desnudação da pessoa no sentido do indivíduo, a caminho dum tipo de
homem chinês. O significado de pessoa e de comunidade são desvirtuados
no sentido do indivíduo e do colectivo. Neste sentido convergem o
comunismo materialista, o capitalismo liberal, o islão e uma certa
filosofia tradicional asiática. (De referir que capitalismo e comunismo
são filhos do cristianismo!)
A China e a Índia, se não se perderem
em lutas intestinas, parecem preparar-se para determinar o destino da
humanidade. Isto significará uma acentuação da degradação da pessoa para
mero indivíduo (cliente e súbdito). Esta era, dum politeísmo oportuno,
tem tanta força que ameaça arrastar, no seu movimento, não só nações,
mas até uma civilização que pretendia compatibilizar monoteísmo e
politeísmo, pessoa e sociedade.
Neste contexto seria a hora de o
espaço lusófono tentar salvaguardar o genuíno espírito humanista e
social que até a Europa e a América põem em perigo. Num mundo sem tecto
metafísico chove por todo o lado, em casa e na sociedade.
O espaço cristão inclui uma visão
optimista do mundo, precisando naturalmente duma clivagem como demonstra
a sua crise. Os princípios da crise que dele surgiu contêm neles as
forças para a sua solução.
Os países lusófonos têm já dado
alguns passos no sentido duma maior interligação e co-responsabilização.
Uma solução de perspectiva nacional não proporciona uma iniciativa à
altura da exigência da época; esta precisa da complementação dum valor
maior, um ideal comum a realizar. O Brasil criou a Universidade Federal
da Integração Luso-Afro-Brasileira (Unilab) voltada para os países da
África. O próximo passo seria a criação duma Universidade Aberta da
Lusofonia para todo o espaço lusófono. Esta teria o fim de integração
cultural, social, política, económica sob a bandeira da língua e duma
mundivisão cristã aberta. O seu sentido seria fomentar uma cultura com
uma identidade comum, partido de sinergias já existentes nos países da
CPLP mas a ser alargadas a uma nova filosofia e consequente estratégia.
A parceria solidária basear-se-ia no
princípio da complementaridade (convénios de cooperação e intercâmbio
científico e de pessoal entre universidades, conhecimento e
aperfeiçoamento das línguas e culturas locais, aperfeiçoamento artístico
e iniciativas no sentido de celebração e vivência da festa comum).
|
|
Uma Maneira diferente
de estar no Mundo implica uma nova Estratégia ligada a uma Pedagogia
diferente |
|
Um projecto político-pedagógico do
espaço lusófono terá sempre como ponto fulcral fomentar sinergias
integradoras de polos extremos (masculinidade e feminidade). A língua
portuguesa / lusofonia é o ponto de ligações e relações cruzadas de
indivíduos, tribos, raças, civilizações, culturas e valores reunidos
numa atitude diferente perante si e o mundo e numa maneira própria de
estar e de ser a nível individual e social no e com o mundo. Neste
sentido, ao repensar-se a lusofonia, no âmbito da CPLP, contribuir-se-ia
para uma maneira diferente de estar no mundo; aquela maneira de ser que
a alma lusa realizou antes nas descobertas e continua hoje a realizar na
emigração colaborando para a emancipação integral. Esta maneira der
estar diferente (em sociedade e no mundo) interpretá-la-ia deste modo:
uma maneira de ser relacional, cum grano salis (com humor).
A religião, a ciência, a política, a
economia e a ideologia querem-se na sociedade e na vida apenas como
partes complementares e encaradas com espírito de humor. O mesmo se diga
quanto à energia masculina e feminina. A acentuação exagerada das forças
masculinas (virilidade) na sociedade e na pessoa conduziu-nos ao empasse
em que nos encontramos momentaneamente. Seria interessante, neste
contexto ocupar-nos, um pouco, com o espírito luso, um espírito mais mãe
que pai e que por isso se antecipou nas descobertas e se encontra
espalhado em migração pelo mundo. Aquela atitude de alma escondida no
coração dos marinheiros portugueses e que seguia nas naus/caravelas para
novas paragens, realizava-se na admiração e mistura com as mulheres das
novas paragens. Aqueles homens entregavam-se de coração e alma, sem
preconceito, nos braços delas, para nelas se perderem, e ressurgirem de
novo mais acrescentados no mestiço. Assim não só o Estado cumpria a
missão civilizacional de dar novos mundos ao mundo mas também a alma
lusa, a nível individual, cumpria o seu destino de se rever criando e
dando novos mundos ao mundo, nas novas raças, nas novas maneiras de
estar. A alma lusa, um estado hibrido de homem e mulher, reconhece-se
bem no mestiço. Nela se junta o indivíduo e o colectivo e nela se esvaem
os limites circundantes. A alma lusa não se deixa reduzir à definição.
Não faz a distinção clara entre poesia e prosa sabendo-se reunida na
prosa poética. Sim, a alma lusa é prosa poética num acontecer de prosa a
deslizar na poesia.
A componente civilizacional lusa terá
que comportar sempre os diferentes pilares civilizacionais. Ultrapassa
barreiras étnicas, culturais e continentais. Em vez de cultivar um
ressentimento contra os seus invasores, sabe assimilar o saber das
civilizações invasoras guardando delas, na memória colectiva, o saber e
tecnologias (dos fenícios, egípcios, gregos, romanos, germanos, mouros…)
que lhe passaram pelo território. Por outro lado soube chamar a Sagres,
os melhores especialistas da altura em questões de navegação e
astronomia. Dos seus antepassados, as tribos lusitanas, soube guardar o
mito de que eram pacíficas, mas valentes e bons guerrilheiros quando
atacados. Este espírito esteve na base do desenvolvimento do processo de
miscigenação rácica e cultural concretizado no milagre brasileiro da
miscigenação. Esta componente civilizacional é hoje continuada
especialmente por portugueses e brasileiros espalhados pelo mundo. Onde
chegam integram-se como outrora os nossos antepassados integraram o que
lhe parecia estranho. Daí a sua experiência: “À terra onde fores ter faz
como vires fazer”. Assim, sem se imporem, levaram ao mundo, com espírito
templário simbolizado nas velas das suas caravelas ("cruz de goles"), a
missionação que foi o seu contributo civilizacional europeu para o
mundo. Portugal foi precoce ao assumir, outrora, a pesquisa científica e
tecnológico como política de Estado. Soube reunir o espírito cristão
(convergência da fé de Israel, filosofia grega e jurisprudência romana)
ao saber tecnológico colocado como tarefa e missão de Estado. Já no
início da lusitanidade, a corte atraia a si os sábios e técnicos do
mundo, dando-lhes trabalho; Esta tradição tem exemplo já no próprio D.
Dinis que se rodeava de literatos doutras regiões. Por outro lado, a
tolerância portuguesa atraia também cientistas judeus perseguidos na
Espanha. Numa estratégia de afirmação complementar soube integrar o
espírito tribal lusitano, godo, judaico latino e árabe, tornando-o
património do português e da nação, não se afirmando pela diferença mas
pela integração. Esta via constituiu a diferença lusa na sua maneira de
estar no mundo. Quem hoje teria melhores condições para liderar um tal
projecto de lusofonia seria, certamente, o Brasil. |
|
Também uma Universidade
Virtual da Lusofonia |
|
Uma outra via passaria pela criação
duma Universidade Virtual da Lusofonia em parceria (da CPLP) onde
professores das diferentes universidades do mundo lusófono, através da
internet, poderiam começar por ministrar disciplinas gratuitamente (“por
amor à camisola”, como se diz no mundo do futebol) ou orientassem
cursos. Criar-se-ia uma espécie de universidade popular de alto nível
onde professores e estudantes online frequentassem, intercomunicassem e
se pudesse credenciar os estudos feitos. Isto seria tecnicamente
possível e concorreria para a democratização dum ensino de alto nível
(um tipo de ensino mais maternal e menos masculino). Como exemplo de
funcionamento, a nível de professores e de alunos, a Universidade
Virtual da Lusofonia poderia orientar-se pela iniciativa do Professor
Dr. Sebastian Thrun, um projecto fantástico, que se serve de
Vídeo-conferências, foros, chat, etc.
O nosso caminho faz-se a caminhar, no
espírito da orto-praxia da velha escola de Sagres. O caminho feito pode
tornar-se num impulso para melhor se descobrir a própria singularidade e
para, no sentido da lusitanidade, cheguemos onde chegarmos, realizarmos
a missão individual e comum de transformar o "Cabo das tormentas" em
"Cabo da boa esperança". |
|
|
|
|
|
|
|
ANTÓNIO da Cunha Duarte JUSTO
. Nasceu em
Várzea-Arouca (Portugal). E-mail:
a.c.justo@t-online.de.
Professor de Língua e Cultura Portuguesas, professor de Ética, delegado da disciplina de português na Universidade de Kassel .
antoniocunhajusto@googlemail.com
WWW.antonio-justo.eu |
|
|
|
© Maria Estela Guedes
estela@triplov.com
PORTUGAL |
|
|
|
|
|
|