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REVISTA TRIPLOV
de Artes, Religiões e Ciências
Nova Série | Número 25-26 | Março-Abril |
2012
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ADELTO GONÇALVES
O Brasil pré-ditadura em ‘Vasto Mundo’ |
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VASTO MUNDO,
de Alaor Barbosa. Brasília: Annabel Lee Projecto Editorial, 708 págs.,
R$ 80,00, 2001.
E-mail: annabel@gmail.com Site: projectoeditorial.com.br |
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EDITOR |
TRIPLOV |
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ISSN 2182-147X |
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Contacto: revista@triplov.com |
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Dir. Maria Estela Guedes |
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I |
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Usar a ficção para reconstituir a realidade com outras
palavras e outros nomes – até para não ferir suscetibilidades – é o
desafio que muitos escritores têm imposto a si mesmos – mas nem sempre
todos se saem bem, o que é natural, pois tudo depende do talento de cada
um. Não é o caso do autor deste livro, Alaor Barbosa. Romancista,
contista e estudioso da literatura brasileira, Barbosa escreveu Vasto
Mundo, volumoso romance de 704 páginas, como uma forma de procurar
entender a trajetória de sua própria vida, a partir da transfiguração da
realidade. E se saiu muito bem.
Se provavelmente não conseguiu explicá-la ou justificá-la
para si mesmo – até porque esta é uma tarefa impossível, reservada
apenas aos deuses, se é que estes ainda existem –, pelo menos deixa-nos
um legado de um Brasil que, mal ou bem, existiu até 1964 e que foi
destruído – com a interrupção do destino que havia sido traçado para
muitas vidas – em nome de ideais que, hoje, vistos à distância de quase
meio século, não valiam a pena ser defendidos.
Nem do lado daqueles que exercitaram os piores sentimentos
da espécie humana, torturando, mutilando e matando seus semelhantes, nem
daqueles que lutaram por uma quimera, a de um mundo mais justo e mais
bem dividido, que, no fundo, não passaria de um regime em que uns poucos
mandariam muito (e igualmente viveriam bem) e muitos viveriam numa
habitação coletiva ou, se tivessem sorte e amigos influentes, num
apartamento de um pardieiro subsidiado pelo Estado.
Hoje, depois de tanto sofrimento e desilusão, conclui-se que
nada daquilo valia a pena. Até porque muitos dos perseguidos daqueles
tempos, em meio aos aproveitadores de plantão e aos oportunistas de
todas as ocasiões, continuam ainda por aí a meter os pés pelas mãos,
como a mostrar que, do outro lado, também não havia santos. E que, se
tivessem vencido a tal “guerra suja”, também não nos teriam dado um
mundo melhor. Até porque não se sabe o que essa gente seria capaz de
fazer se também tivesse tido nas mãos um poder sem limites. Essa é a
tragédia do nosso tempo que nunca haveremos de entender, ainda que
venhamos a escrever romances ou tratados de mil páginas.
II
Com título inspirado em conhecido poema de Carlos Drummond
de Andrade (1902-1987), este romance é autobiográfico, baseado
fundamentalmente na vida do próprio autor e sua família. Rafael Noronha,
o jovem incompreendido e idealista – que, pelo sonho de se tornar um
literato reconhecido nacional e até mundialmente, decide cedo deixar sua
cidade natal para tentar conquistar uma posição no Rio de Janeiro, então
Meca de todo literato brasileiro – é um alter ego explícito, e
Imbaúbas, inspirada na Morrinhos natal do autor, surge como um lugar
mítico, tal como o
Condado de
Yoknapatawpha, a cidade imaginária de William Faulkner (1897-1962), ou a
Macondo, de Gabriel García Márquez (1927), ou ainda a Santa María, de
Juan Carlos Onetti (1909-1994).
A partir daí, reconstrói a história do Brasil de 1956, no
começo do governo do governo de Juscelino Kubitschek, até três ou quatro
meses depois do golpe militar de 1º de abril de 1964, que tanto
infelicitou a Nação. É nesse período que o jovem Rafael Noronha trata de
deixar a cidade mítica e a proteção da família para tentar um lugar no
Rio de Janeiro e lutar por um emprego, ao mesmo tempo em que procura se
infiltrar na sociedade cultural da época, aproximando-se de jornalistas
e escritores que faziam o suplemento cultural do Diário da Guanabara,
obviamente um disfarce do verdadeiro e hoje extinto Jornal do Brasil.
Ao viver no Rio de Janeiro, acompanha todos os fatos
marcantes daqueles anos, inclusive, a visita de Fidel Castro ao Rio de
Janeiro, a 6 de maio de 1959. Àquele tempo, cinco meses depois de ter
chegado ao poder em Cuba, o jovem comandante ainda não havia aderido ao
marxismo-leninismo, o que faria só um ano depois, e carregava a aura de
rebelde romântico que havia mandado para el paredón los grandes
ladrones de dinero público.
Outros nomes daquele tempo aparecem, muitos disfarçados aqui
e ali, embora não seja difícil ao leitor habituado com a época e o Rio
de Janeiro dos anos 50 decifrá-los, o que faz deste um roman à clef,
tal como Ilusões Perdidas, de Honoré de Balzac (1799-1850), que,
aliás, é citado no livro e é também ambientado numa redação de jornal.
Sem contar que seu protagonista é igualmente um jovem interiorano,
talentoso e cheio de ilusões e ambições sobre a vida, que sonha com o
brilho do mundo das letras, assim como o Artur Corvelo de A Capital,
de Eça de Queiroz (1845-1900).
É este igualmente um romance de aprendizagem ou formação, um
bildungsroman, pois expõe de forma pormenorizada o processo de
desenvolvimento físico, moral, psicológico, estético, social ou político
de uma personagem, desde a sua infância ou adolescência até um estado de
maior maturidade. Essa maturidade chega com a noite em que os generais
derrubaram o poder constituído e impuseram ao país o poder das botas,
títeres que eram manobrados pelos idealizadores da chamada Guerra Fria
(1945-1991). Não que aquele fosse um regime exemplar, mas o que veio
depois passou da conta em termos de violação dos direitos civis e
humanos.
Depois de trabalhar algum tempo num grande diário do Rio de
Janeiro, o jovem Rafael, talvez por falta de outra oportunidade
profissional, acaba fazendo parte da redação de um jornal esquerdista,
ligado ao Partido Comunista Brasileiro, ainda que discordasse dos
comunistas ortodoxos e fizesse questão de preservar sua independência
intelectual. Obviamente, ameaçado de prisão e até de morte sumária,
prefere deixar o Rio de Janeiro em direção a Belo Horizonte, rumo ao
esquecimento, pensando se esconder em seu burgo natal, longe dos olhos
dos novos donos do poder e amparado pelas amizades da província. E,
assim, reconstituir a vida, seguindo outros caminhos.
III
Nascido em 1940 em Morrinhos, cidade localizada na região
Sul de Goiás, que ainda preserva parte de seu casario colonial, Alaor
Barbosa fez lá seus estudos primários e o antigo curso ginasial. Começou
o curso clássico em Goiânia e o concluiu no Rio de Janeiro. Fez o curso
de Direito em Petrópolis, de 1961 a 1963, mas o terminou em Goiânia, em
1966. Antes de concluir o curso, já advogava como solicitador-acadêmico.
Em 1984, já maduro na idade, passou em concurso público para procurador
autárquico federal do Instituto Nacional de Colonização e Reforma
Agrária (Incra), em Brasília. Em seguida, tornou-se consultor
legislativo do Senado Federal, cargo em que se aposentou em 1993. É
mestre em Literatura pela Universidade de Brasília (UnB).
Ainda adolescente, foi jornalista, tendo começado num
pequeno jornal semanal de Morrinhos, sem receber salário. Em seguida,
colaborou intensamente com jornais de Goiânia, apenas pelo prazer de ver
suas ideias em letra de forma. Dos 19 aos 24 anos, foi jornalista
profissional no Rio de Janeiro, tendo trabalhado no extinto Jornal do
Brasil. No Rio de Janeiro, escreveu textos para o Suplemento
Dominical do Jornal do Brasil, porta-voz das vanguardas da
época, os movimentos concretista e neoconcretista, e para o suplemento
literário do extinto Tribuna da Imprensa.
Na literatura, estreou-se bem cedo, em 1964, com o livro de
contos Cidade do tempo. Ainda em 1964, publicou A espantosa
realidade, em edição de autor, também livro de contos que teve
segunda edição em 1995 pela Editora da Universidade Federal de Goiânia.
Antes disso, já havia publicado contos em jornais cariocas, alguns dos
quais reunidos em Picumãs (Goiânia: Brasil Central, 1966; Rio de
Janeiro: Rio Fundo, 1996, 2ª ed.). No gênero contos, publicou Gente
de Imbaúbas (Goiânia: Oriente, 1971), Os rios da coragem
(Goiânia: Imery, 1983) e Contos e novelas reunidos (Brasília,
Projecto Editorial, 2006).
IV
Além de ensaios sobre a obra de Monteiro Lobato e Guimarães
Rosa, publicou os romances A morte de Cornélio Tabajara (Goiânia:
Fundação Cultural Pedro Ludovico Teixeira, 1997), que obteve o Prêmio
Cora Coralina de 1997, Memórias do nego-dado Bertolino d´Abadia
(Goiânia: AB, 1999), Uma lenda (Brasília: LGE, 2004) e Eu,
Peter Porfírio, o maioral (Lisboa: Dom Quixote, 2009), que recebeu
menção especial no Prêmio Leya de Literatura, de Portugal. Esta, porém,
não é uma lista completa das obras do autor, que, incluindo livros de
literatura infantil, chegam a duas dúzias.
Com Sinfonia Minas Gerais: introdução à vida e à
literatura de João Guimarães Rosa, de 2008, teve contra si a
incompreensão da filha do escritor, Vilma Guimarães Rosa, que entrou com
processo na Justiça para impedir sua distribuição sob a alegação de que
seu livro Relembramentos: João Guimarães Rosa, meu pai
(Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1983) havia sido plagiado. Não houve
plágio nenhum, como concluiu a perita do Juízo Carolina Mori Ferreira,
indicada para cuidar do caso.
Ao negar a existência de plágio, a perita afirmou: “Os
fragmentos de textos reproduzidos na obra de Alaor Barbosa, tanto os de
Vilma Guimarães Rosa quanto os de outros autores, são, todos eles,
identificados, isto é, são referenciadas a autoria e a fonte, de modo
nenhum possibilitando a que se pense tratar-se de textos de autoria da
ré do processo”. Para a perita, pelo contrário, “pode-se dizer até que
uma estimula a leitura da outra, para quem é desejoso de conhecer a vida
e a obra de João Guimarães Rosa”.
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Adelto Gonçalves é doutor em Literatura
Portuguesa pela Universidade de São Paulo e autor de Gonzaga, um Poeta
do Iluminismo (Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1999), Barcelona
Brasileira (Lisboa, Nova Arrancada, 1999; São Paulo, Publisher Brasil,
2002) e Bocage – o Perfil Perdido (Lisboa, Caminho, 2003). E-mail:
marilizadelto@uol.com.br |
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© Maria Estela Guedes
estela@triplov.com
PORTUGAL |
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