REVISTA TRIPLOV
de Artes, Religiões e Ciências


Nova Série | 2012 | Número 23-24

 
 

 

 

JOÃO SILVA DE SOUSA

Os Filipes de Espanha,

reis de Portugal

                                                                  
 

EDITOR | TRIPLOV

 
ISSN 2182-147X  
Contacto: revista@triplov.com  
Dir. Maria Estela Guedes  
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1.   D. Filipe I, O Prudente

(1527-1556- [1580-1598])

 

Nasceu em Valladolid, a 21 de Maio de 1527 e faleceu a 13 de Setembro de 1598, no mosteiro de El Escorial, onde jaz. Foi rei de Espanha, desde 1556, e de Portugal, a partir de 1580 e era filho do Imperador da Casa de Áustria, Carlos V de Habsburgo que veio a ser Carlos I, rei de Espanha, e de D. Isabel de Portugal, filha de D. Manuel I de Portugal, e de D. Maria de Castela. Como filho primogénito, foi jurado sucessor e herdeiro dos reinos que integravam a Monarquia Hispânica, nas Cortes de Madrid, que tomaram lugar em 19 de Abril de 1528. Assumiu a coroa espanhola em 1556, depois da abdicação do pai em 1555, fixando a capital em Madrid, em 1558, herdando um vasto império colonial, uma difícil situação financeira e inimigos poderosos: Inglaterra, França e Holanda. Em Espanha, Filipe prosseguiu a política de seus bisavós, Fernando de Aragão e Isabel de Castela, os chamados Reis Católicos, tendo ele próprio sido um fervoroso crente e adepto do Catolicismo, lutando toda a vida contra os dissidentes e hereges, mantendo a Santa Inquisição. Foi drástico na supressão da heresia luterana, sobretudo em Valhadolid e Sevilha. Durante o seu reinado, ocorreu uma sangrenta rebelião levada a cabo pelos Mouros, no antigo reino de Granada, de 1567 a 1570, que terminou com a acção do líder militar João de Áustria, bastardo de Carlos V de Habsburgo. Os infiéis, vencidos, foram deportados para outras partes da Espanha. Filipe governou um vasto território integrado por Aragão, Castela, Catalunha, Navarra, Galiza e Valência, Rossilhão, Franco-Condado, Países Baixos, Ilhas Canárias, Maiorca, Sardenha, Córsega, Sicília, Milão, Nápoles, além de territórios ultramarinos na África (Orão, Tunis, Melila…), na América (várias terras firmes e ilhas) e na Ásia, as Filipinas. Em termos de política externa, a sua mais significativa vitória tomou lugar contra os Turcos Otomanos, na Batalha de Lepanto, na Grécia, em 7 de Outubro de 1571, com uma esquadra da Liga Santa (República de Veneza, Reino de Espanha, Cavaleiros de Malta e Estados Pontifícios), também sob o comando de João da Áustria. Foi ainda rei-consorte de Inglaterra (1554-1558), por casamento com Maria I, a Sangrenta (ferocíssima Católica também). Foi regente de Espanha desde 1543 e tornou-se, em 1555, rei de Espanha, conde de Artois, da Borgonha e de Charolais (França Central) por 42 anos. A partir de 1552, já se havia tornado rei como Filipe I de Nápoles, Sicília e Sardenha; rei apenas titular de Jerusalém e duque de Milão. Em 1555, foi também rei dos Países Baixos; em 1556 conde de Holanda, da Zelândia, de Ostrevant (em França); foi ainda duque de Gueldres (um ducado dos Países Baixos) e, a partir de 1580, será ainda rei de Portugal, como Filipe I. Um dos segredos de Carlos de Habsburgo para manter uma Espanha unida fora seguida por seu filho e consistiu em manter o respeito pela jurisdição dos conselhos governativos (tribunais, mesas, administrações patrimoniais…), privilégios, liberdades, isenções e cortes próprias e fueros que, já vindas de trás, manteve no País (o Estatuto de Tomar). Casou com D. Maria Manuela [1527-1545], filha de D. João III e de D. Catarina de Áustria, irmã de Carlos I. Aquando da morte de D. Sebastião, em 1578, e após o turbulento período que decorreu depois do falecimento do cardeal-rei D. Henrique e do afastamento de D. António, Prior do Crato, subiu ao trono de Portugal, sob o nome de Filipe I. A Coroa Imperial veio a ser herdada por seu tio, Fernando, irmão do pai.

O Cardeal D. Henrique havia convidado todos quantos se julgassem com direito a suceder-lhe na coroa a exporem por escrito as razões que invocassem. Um dos que se apresentaram fora Filipe II de Espanha que se dirigiu, de imediato, às cortes de Almeirim, fazendo valer a sua causa e enviando aí um seu procurador, Henrique, o duque de Osuna. Outros que se achavam com direitos à sucessão, eram: Manuel Felisberto, duque de Sabóia, como filho da irmã imediata de D. Isabel, filha primogénita de D. Manuel I, o Venturoso; D. Beatriz; Rainúncio, duque de Parma, como filho da filha mais velha com descendência do Infante D. Duarte, duque de Guimarães e único filho varão com descendência sobrevivente de D. Manuel; D. Catarina, duquesa de Bragança pelo casamento, irmã mais nova da mãe de D. Manuel, D. Beatriz, duquesa de Viseu e de Beja, Senhora de Serpa e Moura; e, finalmente, D. António, prior do Crato, filho bastardo do infante D. Luís, também este, filho de D. Manuel I. Na assembleia, clero e nobreza aclamaram Filipe II de Espanha como Filipe I de Portugal. O povo pretendia um português no trono. Quando morreu o Cardeal, a 31 de Janeiro de 1580, nas Cortes de Almeirim, fixara-se a instituição de uma Junta de cinco governadores na regência: o arcebispo de Lisboa, D. Jorge de Almeida, D. João Telo, D. Francisco de Sá Meneses, D. Diogo Lopes de Sousa e D. João de Mascarenhas. Um forte sentimento nacionalista opôs-se a Filipe que enviou uma frota comandada por D. Álvaro de Bazám e um exército comandado pelo duque de Alba, a fim de vencerem a resistência que apoiava D. António, Prior do Crato, sobretudo aclamado nos Açores, na Ilhas Terceira e de S. Miguel e, em Cabo Verde, na Ilha do Fogo. Havia também um outro bem preparado para o efeito: a duquesa de Bragança. Contudo, esta, se bem que igualmente apoiada por muitos nobres e clérigos, actuou com perspicaz prudência e mostrou-se pouco desejosa de sacrificar uma Casa opulenta, talvez mesmo por ter em consideração as desgraças de 1483, que culminaram com a morte de D. Fernando, 3.º Duque, às ordens de D. João II. Sabe-se que algumas figuras da nobreza nacional eram favoráveis a Filipe II de Espanha, a saber D. Jorge de Noronha, D. Diogo de Castro, o marquês de Vila Real, D. Miguel Luís de Menezes, Rui Lourenço de Távora, D. Manuel de Meneses entre outros. Também no Clero Filipe II contava com grandes nomes: o bispo de Leiria, D. António Pinheiro, o bispo de Viseu, D. Miguel de Castro, o provincial dos Dominicanos, Fr. António de Sousa... Pensa-se que muitas destas figuras tenham sido subornadas de alguma forma pelo rei de Espanha, que sabia dos temores dos mais ricos em perder a posição privilegiada na corte. O Reino manifestava assim uma avareza que renunciava à independência, a favor de bens materiais e títulos de poder. Em 15 de Abril de 1581, as cortes reunidas em Tomar declararam Filipe II de Espanha rei de Portugal. Entrou, então em Lisboa, a 25 de Julho, deixando, em Madrid, à frente dos negócios do Reino, o cardeal de Granvelle, homem de larga experiência que adquirira na Flandres, e grande conhecedor dos assuntos do Atlântico. Filipe jurou, em Portugal, guardar e conservar todos os foros, privilégios, usos e liberdades que o seu novo Reino tinha por concessão dos seus antecessores. Ficou a residir em Lisboa, onde permaneceu dois anos, e, à morte de seu filho, Diogo, o herdeiro da Coroa, foi jurado seu sucessor, o príncipe das Astúrias, Filipe que viria a ser III de Espanha e II de Portugal, nas cortes de Lisboa, de 1582. No ano seguinte, regressa a Espanha (o que em muito complexificou e tornou demorada a promulgação de leis e a assinatura de outros documentos) – onde conta com dois grandes homens de sua confiança e puridade, o Duque de Alba e o que veio a ser o seu “ministro da Fazenda”, Francisco de los Cobos -, ficando como governador em Portugal, seu sobrinho, o cardeal-arquiduque Alberto de Áustria que veio a ser inquisidor-mor de Portugal, em 1586. Este tinha de reunir-se com o Conselho de Estado todas as semanas e com três dos seus membros – espécie de ministério – todos os dias. Foram conselheiros deste, homens nascidos em Portugal: Jorge de Almeida, Pedro de Alcazoba e Miguel de Moura. D. António, pior do Crato, entretanto, pedira apoio aos Franceses e Ingleses e estes ainda enviaram, em 1587, o almirante Sir Francis Drake que, em 1589, derrotava a Invencível Armada espanhola, saqueando a Corunha e Peniche e atacando Lisboa, mas sem consequência alguma. Filipe voltou a reunir um poderoso exército, cujo comando confiou ao general, duque de Alba; ao marquês de Santa Cruz deu o comando duma esquadra, e o primeiro conservou-se próximo da fronteira de Badajoz. O duque de Alba, Fernando Alvarez de Toledo y Pimentel, marchou sobre Setúbal. Conquistando facilmente o Alentejo, atravessou para Cascais na esquadra do marquês de Santa Cruz, marchou sobre Lisboa, derrotou o prior do Crato na batalha de Alcântara, a 4 de Agosto de 1580, perseguiu-o até à província do Minho, e preparou, enfim, o Reino para receber a visita do seu novo soberano. Filipe II continuava a senhorear Portugal e, quando o Prior do Crato foi derrotado na dita batalha de Alcântara, em 25 de Agosto de 1580, os Terceirenses, na batalha de Salga, a 25 de Julho de 1581 e os Micaelenses, em Vila Franca do Campo, a 24 de Julho de 1582, convenceu-se de que nem lugar a esperança havia já. O Prior veio a falecer em 1595 e o País foi, totalmente, deixado à sorte nas mãos dos Espanhóis seus indiscutíveis soberanos. Esta União Ibérica não significava, contudo, perda de identidade. Vinte e cinco capítulos assinados pelo rei nas referidas Cortes de Tomar garantiam ao nosso território a sua autonomia, embora a política externa passasse a ser comum a Portugal e Espanha. Inimigos desta tinham de ser considerados inimigos de Portugal. O principal ponto era de ordem jurídica interna: as inovações em matéria legal teriam obrigatoriamente de resultar de decisões tomadas em cortes, reunidas em Portugal e em que apenas Portugueses participassem. Também a língua e a moeda eram as nossas e o Reino não podia ser retalhado em favor de famílias espanholas. Quer dizer, as terras em Portugal só poderiam ser doadas, vendidas ou legadas a Portugueses. Como inovação vantajosa para o País, registava-se a supressão de barreiras alfandegárias na fronteira, algo muito positivo em relação às exportações de trigo de Castela. Regressara a Portugal a prosperidade. O Fisco apresentava-se, de novo, bastante equilibrado e o Império ia-se conservando sem perturbações. A política levada a termo por Filipe II de Espanha passava por cima da saudade que eventualmente os Portugueses tivessem dos tempos da sua independência. Menos popular, todavia, terá sido a nossa participação na Invencível Armada contra a Inglaterra: 31 dos 146 navios principais, incluindo vários galeões maiores, eram portugueses. A grande maioria não regressou ao País, o que redundou num duro e pesado golpe na marinha de guerra nacional. Até que viesse a morrer, Filipe II de Espanha ordenou que o  cardeal-arquiduque seu sobrinho fosse para Madrid e deu preferência a um governo colectivo, tendo, então, escolhido um Conselho de Regência, presidido pelo arcebispo de Lisboa, D. Miguel de Castro. Faleceu em 1609. Casou: 1.º aos 16 anos, em Salamanca, em 15 de Novembro de 1543, com a infanta de Portugal D. Maria Manuela, filha de D. Catarina de Áustria e de D. João III. 2.º viúvo aos 18 anos, em 1551, casou com a prima, Maria Tudor, rainha de Inglaterra, filha de Henrique VIII, e de Catarina de Aragão, mulher deste. Maria I vem a falecer em 1558; 3.º viúvo, de novo, e na sequência do tratado de Cateau-Cambrésis, em 1559, que pôs fim a cerca de 40 anos de guerra entre o imperador e a França, e com o objectivo de o selar, matrimoniou-se com Isabel de Valois - a rainha da paz, como ficara, por aquele facto conhecida -, filha de Henrique II de França e de Catarina de Médicis, a qual morreu em 1568; 4.º Ana Maria da Áustria ou de Habsburgo, sua sobrinha, filha do imperador Maximiano II e da infanta D. Maria da Áustria (1528-1603), a irmã mais velha de Filipe. Foi deste último matrimónio que nasceu o seu sucessor, que viria a ser Filipe III de Espanha, II de Portugal. Estando em Madrid, Filipe I de Portugal e II de Espanha foi atingido por uma grave doença, pedindo que o levassem para o Escorial, a fim de vir a falecer aí. A morte sobreveio a 13 de Setembro de 1594. Dispôs que o ataúde que havia de ter o caixão de chumbo com o seu corpo, fosse de madeira de angelim, proveniente da nau portuguesa Cinco Chagas.

 
  2. D. Filipe II, O Piedoso [1578-1598-1622]
 

Filho de Filipe II de Espanha, I de Portugal e da quarta mulher deste, D. Ana de Áustria, - filha de Maximiano II, imperador da Áustria e da imperatriz Maria de Áustria, neta do imperador Carlos V e da imperatriz Isabel de Portugal, filha de D. Manuel I, - Filipe II nasceu na alcáçova de Madrid, a 14 de Abril de 1578. À morte da mãe teria três anos de idade, pelo que foi entregue a uma meia-irmã da rainha, D. Isabel Clara Eugénia. Havia sido jurado herdeiro do trono de Portugal nas Cortes de Lisboa de 1582. Sucedeu a seu pai em 1598, a 13 de Setembro, como Filipe II, rei de Nápoles, da Sicília, rei titular de Jerusalém, da Sardenha, de Portugal. Foi ainda duque de Milão, conde de Artois, da Borgonha e de Charolais. Aclamado rei de Portugal a 23 dos mesmos mês e ano, evidenciou, como seu pai, uma sólida cultura e uma forte inclinação para o desporto, no entanto, totalmente desinteressado dos negócios do “Estado” - neste campo, a verdadeira antítese do régio progenitor. Além do castelhano e latim, Filipe II de Portugal aprendeu também o italiano e o francês; ainda: História, Filosofia, Cosmografia, Navegação e Fortificações. Dentro das áreas desportivas, salientavam-se a caça, a equitação e a esgrima. No que respeita a outras matérias e práticas, a dança, a música e a pintura. Não governando por si só - nunca fez, aliás – entregou o Poder nas mãos de favoritos. D. Cristóvão de Moura foi seu reposteiro-mor, a quem, o soberano permitiu a demonstração das qualidades de governação, quando se ausentou de Portugal. Como tivesse deixado no Reino um seu valido, o duque de Lerma, que se sobrepunha ao primeiro, o facto levou a que os Portugueses exteriorizassem um relativo mal-estar, deixando o Conselho de Portugal de assistir às cerimónias em que intervinham os Conselhos castelhanos. Refira-se que, nesta época, era comum pela Europa a existência de um Primeiro-ministro que, com grande facilidade, ia tomando conta da governação em exclusividade, dando tempo a que o seu soberano se dedicasse a outras actividades que nada tinham de importante para o País, excepto a assinatura de documentos da Chancelaria e a representação do “Estado” em cerimónias mais importantes quer no Reino fosse fora dele. Ainda é de referir que, com a complexificação das cada vez mais variadas tarefas administrativas, não poderiam as mesmas ser entregues, sem um forte aconselhamento a um rei com fraca preparação. Com ele, têm início os chamados «Áustrias Menores»: Filipe III, Filipe IV, seu filho, e Carlos II, o neto), os quais não puderam manter o poderio internacional alcançado por seus predecessores, Filipe I, Carlos V e Felipe II (I de Portugal), dando-se início à perda de territórios: as Províncias Unidas em 1621 (reconhecido oficialmente em 1648), Portugal e as suas colónias em 1640 (reconhecido em 1668), e em 1659 o Rossilhão e outras praças nos Países Baixos.

Em Madrid, eleita capital da Hispânia por Filipe I de Portugal, II de Espanha, pai de Filipe II, III de Espanha, o duque de Lerma, Francisco Gómez de Sandoval e Rojas, aio de jovem monarca – o homem mais poderoso da Espanha de então -, (Marquês de Cea e de Denia), inaugurou o seu governo absolutista de vinte anos que durou, mais precisamente, de 1598 a 1618, tendo, inclusivamente, conseguido, passar a Corte de Madrid para Valladolid, em 1601, seguido pelo filho, o duque de Uceda, Cristobal de Sandoval e Rojas que esteve no poder entre 1618 e 1621. Visando a substituição de todos os conselheiros e outros homens influentes do reinado anterior, Lerma nomeou um novo governador e vice-rei para Portugal – um dos confidentes mais próximos e estadistas mais competentes de Filipe I de Portugal, Cristóvão de Moura, membro do conselho de “Estado”, camareiro-mor e prestigiado com a elevação a marquês de Castelo Rodrigo, uma personalidade que foi positivamente notada na conquista de Portugal para a causa Espanhola. D. Cristóvão governou por dois períodos: 1600 a 1603 e 1608 a 1612. Foi a melhor garantia da nossa autonomia, tendo lutado pela manutenção dos privilégios e imunidades concedidos e reconhecidos por Filipe I. Em Madrid, os dois ministros, pai e filho, intentaram centralizar a administração, reduziram a autonomia de Portugal, Catalunha, Aragão e Navarra, entre outras unidades políticas que constituíam a monarquia espanhola. Lerma procurou, todavia, favorecer Portugal e cimentar a união com medidas de importância. Tratou do desenvolvimento da Marinha, aboliu os portos secos e as alfândegas; abriu os portos de Portugal ao comércio inglês e, por algum tempo, também os teve abertos ao comércio holandês, o que pouco durou, situação essa que, todavia, só veio prejudicar o nosso País. Em 1600, o monarca enviava a Portugal uma comissão de três membros, todos Castelhanos, com ordens de fiscalizar a Casa da Índia e as finanças em geral. Em 1602, foram indigitados ministros castelhanos para o Conselho de Portugal e para o Conselho da Fazenda, violando, manifestamente, os capítulos de 1581, jurados por Filipe I de Portugal. Em 1611, deu-se um violento aumento de impostos extraordinários (empréstimos ou empréstidos), a pagar pelos comerciantes e pela classe média, em geral e que de verba emprestada só tinham o nome. Medidas impopulares, trazem Filipe II a Portugal, após a queda do valido, muito embora o Conselho de Castela se tivesse oposto. Em 22 de Abril de 1619, partiu de Madrid, acompanhado pelo seu filho Filipe, Príncipe das Astúrias; a 10 de Maio, chegou a Olivença e a 29 de Junho, entrou solenemente em Lisboa. Em 14 de Julho seguinte, as Cortes juraram o Príncipe Filipe, filho primogénito do monarca, como sucessor deste e deu-se início às inerentes sessões com a assistência habitual dos três estados do Reino, pontificadas pelo soberano. Depois de presidir em Setúbal ao capítulo da Ordem de Avis, em Palmela ao de Santiago e, em Tomar, ao da Ordem de Cristo, o rei regressou a Madrid, a 4 de Dezembro de 1619. Na costa oriental de África, os Holandeses atacaram ferozmente Moçambique. No Oriente, forçaram a retirada dos Portugueses das Molucas em 1600, tomaram Ceilão em 1609 e expulsaram-nos do Japão em 1617, após termos tido aí, por cem anos, um shogunato. Os Franceses instalaram-se no Brasil, a saber, no Maranhão em 1612, onde criaram a França Equinocial e fundaram a cidade de São Luís. Em 1615, porém, foram derrotados por Jerónimo de Albuquerque. Motivado pela Inquisição e pelo fanatismo espanhol não perdoara aos Mouros a sua origem e assinou, em 1609, um édito de expulsão definitiva de Espanha dos descendentes daqueles, medida fatal para a Península, que perdeu perto de um milhão dos seus habitantes mais produtivos e arruinou a sua agricultura e indústria. Especialmente nos reinos de Valência e Aragão, as classes médias daquelas cidades ficaram arruinadas, e o descalabro atingiu, necessariamente, a aristocracia feudal, trazendo consigo consequências económicas desastrosas para Portugal e Espanha. Desde 1608, aliás, o rei Filipe II de Portugal assinara a divisão da administração da colónia brasileira em duas partes: no Sul das capitanias do Espírito Santo, Rio de Janeiro e São Vicente; no Norte, reuniram-se as demais. Em 1612, foi criado o Estado do Maranhão, subordinado directamente a Lisboa e separado do Estado do Brasil, em 1618. Ordenou, neste mesmo ano, a visitação do Santo Ofício ao Brasil e tomou parte da longa guerra territorial e religiosa dos Trinta Anos, iniciada, então, e em que participaria depois, com grande denodo e valentia, seu filho Fernando de Áustria, pilar do governo de seu irmão, que viria a ser, à morte do pai, Filipe III de Portugal. No reinado de Filipe II, publicaram-se as Ordenações do Reino, sobre o que se debruçou logo no começo do seu governo: as Ordenações Filipinas, como ficaram conhecidas, em muito pouco mudando as Manuelinas, e que estiveram em vigor até à publicação do chamado Código de Seabra (do Visconde de Seabra) de 1867. Apesar de as referidas Ordenações já se acharem concluídas em 1597, apenas vieram a ser publicadas seis anos depois, em 1603. Casou-se, por procuração, em Ferrara, na Itália, aos 21 anos de idade, a 13 de Novembro de 1598, na catedral de Valência, com D. Margarida de Áustria-Stíria ou de Habsburgo (Graetz, na Stíria, 25 de Dezembro de 1584 — Escorial, 3 de Outubro de 1611), com 14 anos, parente próxima, filha do Arquiduque Carlos de Áustria (1540-1590), e da arquiduquesa D. Maria da Baviera, aquele, o irmão do Imperador Maximiano II. O enlace tomou lugar em Valência, como ficou dito, a 18 de Abril do ano seguinte. Foi mãe de quatro filhas e de quatro filhos:

1 - Ana de Áustria (1601-1666)

2 - Maria (1603)

3 - Filipe IV (1605-1665), nascido em Valladolid, sucessor de seu pai (fora Filipe III, rei de Portugal, até 1 de Dezembro de 1640).

4 - Maria Ana (1606-1646)

5 - Carlos (1607-1632)

6 - Fernando (1609-1641)

7 - Margarida (1610-1617)

8 - Afonso (1611-1612)

Faleceu no Alcazar em Madrid, a 31 de Março de 1621 e a sua morte foi conhecida em Portugal a 6 de Abril seguinte. Foi sepultado no Real Mosteiro de S. Lourenço, no Escorial em Madrid.

 
  3. D. Filipe III, O Grande [1605-(1622-1640)-1665]
 

Filipe IV de Espanha, o Grande, nasceu em Valladolid, a 8 de Abril de 1605, filho de Filipe II de Portugal (III de Espanha) e de D. Margarida de Áustria, neto de Filipe I de Portugal e de D. Ana de Áustria, bisneto de Carlos V e da portuguesa D. Isabel, filha de D. Manuel I, o Venturoso, e de D. Maria, filha de Filipe I de Espanha. Como aia teve a condessa de Altamira, D. Mariana de Castro, viúva de D. Nuno Álvares Pereira de Melo, conde de Tentúgal, e, como ajudante (tenente da aia), Francisca de Córdova. Foi rei de Espanha, aclamado, com 16 anos, em 31 de Março de 1621, rei de Portugal, como D. Filipe III, até 1 de Dezembro de 1640. Foi, ainda, rei de Nápoles, da Sicília, rei titular de Jerusalém e rei da Sardenha; Príncipe das Astúrias, rei dos Países Baixos, duque de Milão, conde da Borgonha, de Charolais e de Artois, senhor de Biscaia e Molina. Reinou 44 anos. Filipe, já rei, confiou o governo a Baltasar Zúñiga, que conhecia bem como seu aio e que já se havia distinguido como embaixador de seu pai.

Falecendo a 7 de Outubro de 1622, o jovem rei chamou o sobrinho deste, Gaspar Felipe de Guzmán, conde de Olivares e duque de Sanlúcar la Mayor, a quem estivera confiado desde os dez anos de idade, um maior de Espanha e na puridade de rei, como seu plenipotenciário, até depois de 1640. Este, dando-se conta do declínio do poder espanhol, como primeiro-ministro, tentou um vasto plano de reformas, visando o fortalecimento do País no estrangeiro e uma maior centralização interna. Envolvida em guerras, sobretudo na dos Trinta Anos (1618-1648), a Espanha teve momentos difíceis, para mais, com o reacender das hostilidades com as Províncias Unidas (Holanda), com a quebra das tréguas de 9 de Abril desse ano, que foi de imediato comunicada a Lisboa, situação não muito desvantajosa na Europa, onde Spínola mantinha o prestígio das armas do Reino. O ano de 1621 foi comummente tido como de charneira, com novas lutas e alianças na cena internacional, muito gravosas, sobretudo, para o Império Português. No Brasil, em 1621, favoreceu a divisão em dois Estados: o Estado do Brasil, com as capitanias ao sul do Rio Grande do Norte actual, e o Estado do Maranhão, do cabo de São Roque à Amazónia. Em 1623, Ormuz caiu em poder dos Persas auxiliados pelos ingleses; em 1624, os holandeses tomaram a Bahia; Macau e a Mina repeliram os Holandeses, e a Bahia foi reconquistada, em 1625, por uma forte esquadra que Olivares manda aprestar. A França, porém, aliou-se aos protestantes da Alemanha, à Dinamarca e à Holanda, e um dos planos dos aliados residiu no enfraquecimento da Espanha pelos repetidos assaltos às suas colónias pelas esquadras holandesas. Gaspar Felipe de Guzmán, conde de Olivares e depois duque, alargou os impostos aos diversos reinos. Olivares de tal forma oprimiu o povo que o fez revoltar-se. Os governadores do Reino, o Conde de Basto e D. Afonso Furtado de Mendonça, protestaram contra os tributos e vexações. As ordens do Duque tiveram executores em Diogo Soares, secretário do Conselho de Portugal em Madrid, e no seu parente, Miguel de Vasconcelos, nomeado escrivão de fazenda e secretário de “Estado” de Portugal, quando a Duquesa de Mântua, parente do rei, foi nomeada, em 1631, vice-rei de Portugal. A política europeia ficara marcada pela influência dos cardeais Mazarino e Richelieu, que haviam procurado quebrar a hegemonia de Espanha na Europa. Foi neste período que se reacendeu a guerra da Espanha com as Províncias Unidas, como o referimos acima. Apesar de todas as medidas de Filipe IV, o poderio da Holanda tornou-se cada vez maior, como o demonstra a criação da Companhia das Índias Ocidentais, em 1621. Não é de estranhar, portanto, o interesse dos Holandeses pelo Brasil, que levou à conquista da Bahia, em 1624 e de Pernambuco em 1630. Chega ao fim a paz de doze anos com a Holanda e nenhuma das partes quer ou tenta prolongá-la. De 1621 a 1630, os exércitos espanhóis combateram os Países Baixos com algum sucesso; no mar, porém, os Holandeses foram senhores. Um pouco mais tarde, os Ingleses apoderaram-se também da ilha da Jamaica. Vasconcelos tornou-se impopular aos Portugueses. Os impostos derramados foram cada vez maiores e muito mais gravosos. Olivares teve a triste ideia de obrigar os portadores de títulos de dívida pública a um empréstimo forçado, mandando que os tesoureiros das alfândegas retivessem um trimestre de juros aos portadores, a quem os pagavam. Em 1631, o duque decretou que todo o funcionário público passasse a pagar ao fisco, no momento da nomeação para o cargo, metade do seu salário anual, a chamada meia-anata. Pela mesma altura, estabeleceu-se o monopólio do “Estado” sobre o sal. Três anos mais tarde, espalhou-se a todo o País um novo imposto, o real de água, já antes existente em Lisboa, enquanto a sisa foi elevada de 25%. Em 1638 e 1639, fez-se o recrutamento militar de forças de cavalaria e infantaria até limites nunca antes atingidos. Com esta outra medida, pretendia enviar tropas portuguesas a combaterem em locais que não lhes interessavam. Em Évora ocorreram violentos tumultos. Foi a Revolta do Manuelinho, também referida como as "Alterações de Évora", um movimento de cunho popular ocorrido no Alentejo, questionava o aumento de impostos e as difíceis condições de vida da população provocadas pelo ministro de Filipe III. As revoltas contra o domínio castelhano tiveram como antecedentes, entre outros, o "Motim das Maçarocas", que eclodiu no Porto em 1628 contra o imposto do linho fiado, mas a Revolta do Manuelinho foi o antecedente mais importante da Guerra da Restauração da Independência. O movimento que se propagou a todo o Alentejo, ao Algarve, à cidade do Porto foi também visível em alguns pontos do Minho. Em 1640, Portugal restaurou a sua independência em relação ao imperium espanhol, através de um golpe organizado por aristocratas e pela classe média do País, descontentes com o domínio do reino vizinho. Foi da maior importância o papel dos Conjurados. Organizaram-se num grupo nacionalista, nascido clandestinamente durante o domínio do reino vizinho. Era constituído por quarenta homens, da nobreza portuguesa e outros mais, cujo objectivo era o de destituir Filipe III e proclamar um rei português. Aquele que ficou reconhecido como tendo sido o grande impulsionador da conspiração foi João Pinto Ribeiro. A 1 de Dezembro de 1640, Os Conjurados invadiram o palácio da Duquesa de Mântua, mataram Miguel de Vasconcelos e proclamaram rei D. João IV, aos gritos de "Liberdade". O povo e toda a nação portuguesa acorreu de imediato a apoiar a revolução - Restauração da Independência - , e, deste modo, Filipe III, IV de Espanha, que se encontrava já a braços com uma outra na Catalunha, não teve como retomar o poder em Portugal. Foi posta no trono outra dinastia, iniciada por D. João IV, o 8.º duque de Bragança. A tirania do governo do duque de Sanlúcar La Mayor foi um dos factores originários das revoltas na Catalunha e em Portugal.. O descontentamento dos Portugueses levou o duque a colocar à frente do governo de Portugal a referida vice-rei, viúva de Mântua, D. Margarida de Sabóia, neta de Filipe II e prima de Filipe IV, sendo secretário desta, Miguel de Vasconcelos. A 15 do mesmo mês de Dezembro, foi coroado D. João como rei de Portugal. Filipe IV, apesar do que dissemos, procurou ainda impedir a revolução, entrando numa guerra com Portugal que só terminou em 1668, reinava já D. Pedro II. Filipe III, IV de Espanha  casou, em Burgos, a 18 de Outubro de 1615 com Isabel de Bourbon (Fontainebleau, 22 de Novembro de 1603 — Madrid, 16 de Outubro de 1644), irmã de Luís XIII e de Maria de Médicis, tornando-se ambos, Príncipes das Astúrias. A entrega da princesa deu-se a 19 de Novembro de 1615, na ilha dos Faisões, sendo Isabel conduzida pelo Duque de Guise, enquanto os Espanhóis entregavam a Infanta Ana de Áustria para casar com Luís XIII. Tiveram seis filhas e dois filhos. Politicamente, assimilou a missão de rainha de Espanha. Contribuiu para a queda de Olivares em Janeiro de 1643. O rei casou-se, pela segunda vez, em Navalcarnero, no Outono de 1649, com sua sobrinha carnal (30 anos mais jovem), D. Mariana de Áustria (Viena, 24 de Dezembro de 1635 - Madrid, 16 de Maio de 1696), filha do Imperador da Casa de Áustria, Fernando III, e da Infanta Maria Ana de Áustria, sua irmã. Tinha sido noiva de seu filho, o infante Baltasar Carlos. Tiveram cinco filhos dos quais três varões. Mariana enviuvou aos 27 anos, sendo regente de 1665 a 1667 do filho Carlos II. Afastou D. João José de Áustria, surgindo, então, no palco político, um outro favorito: D. Fernando de Valenzuela, filho de um capitão e nascido em Nápoles, que governou até 1675 e de novo em 1677, sendo derrubado por D. João José, que o desterrou. Hostil à nora (Maria Luísa de Orleães), Mariana de Áustria teria contribuído para o 2° casamento do filho Carlos II com D. Mariana da Baviera. Em Portugal, foi, então, por esta altura, que se apelou às conhecidas “Cortes de Lamego” que teriam tomado lugar em 1143, nada mais do que uma invenção, forjada no Mosteiro de Alcobaça, no segundo quartel do século XVII, anunciando as regras da sucessão ao trono, então estabelecidas, na Câmara Máxima, após o Tratado de Zamora. Portugal e Inglaterra voltam a reafirmar a sua velha aliança, consumada, então, com o casamento da Infanta D. Catarina, filha de D. João IV, com Carlos II de Inglaterra, em 1660, doando os Portugueses, em dote, Bombaim e Tânger. Algumas batalhas de campo em que os Portugueses saíram vitoriosos, estenderam o reconhecimento por parte dos Espanhóis até ao Tratado de Lisboa, em 1668. O exército português cercou Badajoz. Foi aqui que a retaguarda do exército espanhol foi atacada pelos Portugueses, na batalha de Ameixial, a 5 km de Estremoz, liderados por Schomberg e pelo conde de Vila Flor. D. Luís de Haro obrigou-o a retirar-se, mas foi vencido em Elvas. D. João de Áustria apoderou-se de Évora e Alcácer do Sal que acaba por perder. O seu sucessor no comando, o conde de Caracene, foi vencido em Montes Claros (Vila Viçosa, 1665), pelo marquês de Marialva e por Shomberg, tendo ainda triunfado antes as armas portuguesas nas batalhas do Montijo (1644) e Linhas de Elvas (1659). Filipe III de Portugal e, desde 1640, apenas Filipe IV de Espanha, faleceu em Madrid, no Palácio Real, a 17 de Setembro de 1665 e jaz no Escorial.

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João Silva de Sousa (Portugal).
Prof. da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa.   Académico Correspondente  da Academia Portuguesa da História.

 

 

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