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REVISTA TRIPLOV
de Artes, Religiões e Ciências
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Deslumbramento, clarão
súbito a nos envolver e a impregnar a nossa percepção de um só
elemento, um foco absoluto, um único e abrangente objeto: a
disposição inesperada de algumas linhas, ou o ritmo semicircular
de uma colagem, ou duas cores que juntas dialogam e se iluminam.
A sensação é de um inesperado tesouro de natureza desconhecida,
como se tivéssemos acesso a uma preciosidade antes oculta e que
temos dificuldade de reter. Recebemos, penetramos numa certa
dimensão e ela nos escapa; este tesouro nos preenche e não temos
como conservá-la. Não sabemos como retê-lo, pois não estamos
certos de sua essência. Novamente procuramos as formas que nos
abriram este portal do oculto em busca deste inesperado momento
em que estivemos verdadeiramente além de nós. Ou que pensamos,
em função do inabitual, termos estado fora de nós mesmos.
Transcendente momento. Alguma coisa se passa neste contato
fugidio e nós o desejamos novamente porque estivemos em contato
com a harmonia. E neste caso, não é significativo que a
classifiquemos. Nada é mais forte do que o contato com a
harmonia produzida pela linguagem, esta invenção humana, pois
ele corresponde ao poderoso desejo do ser humano, à história da
espécie, na sua vontade de absoluto. |
Jacob Klintowitz
Arte, Beleza e Síndrome de Down
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Prefácio à obra “Uma Visão
Inclusiva”, de Célio Turino, editado pelo Instituto Olga Kos. |
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EDITOR |
TRIPLOV |
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ISSN 2182-147X |
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Contacto: revista@triplov.com |
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Dir. Maria Estela Guedes |
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Enumero estas emoções e as suas palavras em razão do meu contato com as
obras plásticas produzidas pelos jovens com Síndrome de Dow, estimulados
na sua atividade pelo Instituto Olga Kos de Inclusão Social. É
inquestionável o impacto – eu o sei em mim - causado em razão da
originalidade de suas realizações.
Deslumbramento da própria cor. A natureza em si mesmo causa emoção.
Independente da classificação humana, da definição conceitual, a pura
existência, causa alegria e satisfação. É como estar em contato com a
Aurora Boreal. O por do sol é sempre comovente. Neste caso, estamos em
contato com o humano, não com a natureza em si mesmo, longe da
articulação lingüística. |
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A manifestação artística dos jovens com Síndrome de Dow está evidentemente inserida na linguagem, mas se
diferencia, em parte, especialmente na sua concepção, do hábito e da
convenção artística. Esta diferença ocorre na origem, na concepção da
obra. Enquanto na tradição artística o criador parte de premissas
históricas – escola artística, formação cultural, formação
técnica, história da arte, artistas pioneiros, história da
civilização, familiaridade com materiais técnicos, concepção
filosófica – na produção dos jovens com Síndrome de Dow a origem da obra, o estímulo, o processo
de fazer, tem como razão primeira a pura emoção. O desejo de expressão
preside o processo, desde o desejo inicial até o acabamento da obra. É,
talvez, neste encontro com a natureza da emoção que nós a associamos a
emoção diante da natureza. |
Paola Moutinho,
Sem título, Acrílico stela, 80x80cm,2009 |
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Paola Moutinho, Sem titulo, Acrilico spapel, 29x47cm,
2007 |
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Paola Moutinho, Sem título,Técnica mista, 29x47cm,2011 |
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Paola Moutinho, Lizandra Martins, Sem título, Acrilico
stela, 80x80cm, 2010 |
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Paola Moutinho, Flores, Acrilico spapel, 29x47cm, 2008 |
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Paola Moutinho, Artes marciais, Técnica mista, 29x47cm,
2010 |
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Lizandra Martins, Senna II, Acrilico spapel,
80x115cm,2009 |
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Lizandra Martins, Sem titulo, Tecnica mista, 29x47cm,
2007 |
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Lizandra Martins, Sem titulo, Acrilico spapel, 29x47cm,
2009 |
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Lizandra Martins, Flores, Acrilico spapel, 29x47cm, 2008 |
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Até o começo do século XX
não haveria qualquer dúvida de que o trabalho resultante desta
atividade, no caso, a pintura e a colagem, não seriam expressões
artísticas. Estas obras não teriam o material nobre, a escola
estilística, o assunto pertinente, a estrutura acadêmica do desenho e da
pintura ou da modelagem, a ordem da composição. Contudo é justamente
neste início do século que surge a extraordinária revolução das artes
visuais e são questionados os materiais nobres, o assunto pertinente, a
composição tradicional, a obediência à escola estilística, o desenho e a
pintura de formação acadêmica. Todos estes elementos foram parcialmente
substituídos pelo assunto confessional, pelo uso de materiais cotidianos
ou meramente industriais, múltiplos feitos a partir de moldes, pela
intensidade da emoção, pela valorização da recepção perceptiva e
afastamento do método dedutivo cartesiano. E pela instauração de uma
dúvida fundamental, o conceito de real.
Também, seja dito em nome
do verismo, a própria definição do que seja arte entrou em colapso, pois
as formas tornaram-se, muitas vezes, informes, e o objetivo final deixou
de ser a vivência estética substituída pela possibilidade de impacto.
Estes são os resultados iniciais de uma espécie de barbárie instituída
por uma civilização atordoada pela produção em massa, comunicação em
massa e pelo fascínio do espetáculo.
Não há, pois, em razão
deste processo de transição, motivo para questionar a produção destes
jovens e a sua eventual classificação. O que há, na verdade, é a
curiosidade de conhecer esta manifestação artística que tem a capacidade
de comover e que prescinde abertamente da mediação tradicional, seja a
da cultura visual, seja a do método de abordagem cartesiano.
O Instituto Olga Kos de
Inclusão social utiliza um sistema de estímulo e desenvolvimento
temático empírico. Ele oferece aos jovens um modelo artístico, a
linguagem de um artista vivo. Os jovens entram em contato intimo com a
obra deste artista modelar e convivem com as suas formas. Depois o
próprio artista-modelo faz uma oficina com os jovens e indica alguns
procedimentos, sugere temas, otimiza o uso de materiais e instrumentos.
O resultado objetivo
deste convívio com a obra de um artista e com o próprio artista como
mestre, é a ampliação do universo temático do jovem. No campo de sua
vivência emocional são acrescentados temas habituais das artes,
geometrias, combinações cromáticas, paisagens. O que estava no âmbito da
iconografia mais imediata, como a família e a casa, torna-se mais amplo
com a inclusão de temas abstratos. Tenho para mim que esta temática
abstrata, desligada da vida cotidiana, torna-se, nas mãos destes jovens,
temas cotidianos, até mesmo caseiros. Estes temas são incorporados ao
seu viver e tornam-se parte do seu repertório intimo. Mesmo na abstração
estes temas são essencialmente representativos e objetivos.
Estamos diante da
expressão pura. Aqui há uma manifestação direta da emoção e do
sentimento. E isto em um nível tão elevado que podemos nos perguntar se
é arte ou não é arte. Como se houvesse esta antinomia entre arte e
expressão. Fala-se tanto em arte e vida, em incorporação de elementos
“reais”, da própria vida, como nas colagens e na pop art. Mas estes
elementos da vida, da realidade, do cotidiano, só valem se forem
presididos pela racionalidade?
É possível observar uma
gradual transformação nesta manifestação dos jovens. Temática, a
variação dos assuntos cotidianos, casinha, casa, chaminé, arco Iris e,
posteriormente, formas da tradição abstrata. A transformação obedece ao
mesmo ritual que se acredita presidir a criação da linguagem e
estruturação das formas simbólicas: primeiro, o ponto!
É desta maneira, também,
que se concebe a criação do mundo: primeiro era um ponto...
O aumento do repertório
iconográfico, a oferta de modelos, o trabalho cooperativo, o diálogo com
o público, a valorização do fazer e o respeito a este fazer, como um
objeto qualificado, corresponde a uma ampliação da consciência. É
possível verificar como estas formas visuais se estruturam na direção de
mais organização, intencionalidade e significações. Mais organização e
clareza. Ao tornar objetivo o sentimento, ao dar à emoção a estrutura da
forma, o repertório ampliou-se e se tornou mais consciente, a forma
correspondente a uma emoção equivale ao símbolo. Mais estrutura, mais
organização, mais clareza, mais consciência. E, para nós, mais emoção,
pois estamos em contato com uma reveladora harmonia. |
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Jacob Klintowitz (Brasil, 1941).
Crítico de arte, jornalista, editor de arte, designer editorial.
Curador do Espaço Cultural Citi. Conselheiro do Instituto Lina Bo e
Pietro Maria Bardi. Conselheiro do Museu Judaico de São Paulo.
Vice-presidente do Instituto Anima de Sophia. Ganhou duas vezes o
“Prêmio Gonzaga Duque” da Associação Brasileira de Críticos de Arte,
pela atuação crítica. É autor de 110 livros sobre teoria de arte, arte
brasileira, ficção e livros de artista. Contato:
jklinto@uol.com.br. |
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© Maria Estela Guedes
estela@triplov.com
PORTUGAL |
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