REVISTA TRIPLOV
de Artes, Religiões e Ciências


Nova Série | 2012 | Número 23-24

 

O artista, as letras e a gestão cultural

Antonio Miranda fala das artes e da sua recente demissão da Biblioteca Nacional de Brasília, onde era diretor desde março de 2007

Antonio Miranda (Maranhão, 1940). Poeta, ensaísta, promotor cultural. Professor e ex-coordenador do Programa de Pós-graduação em Ciência da Informação do Departamento de Ciência da Informação e Documentação da Universidade de Brasília, Brasil, ministra aulas e cursos por todo o Brasil e países ibero-americanos. Também é consultor em planejamento e arquitetura de Bibliotecas e Centros de Documentação. Foi colaborador de revistas e suplementos literários de jornais como o Jornal do Brasil e o argentino La Nación, assim como da revista Imagen, na Venezuela. Doutor em Ciência da Comunicação (USP, 1987), com mestrado em Biblioteconomia na Loughborough University of Technology (Inglaterra, 1975), sua formação em Bibliotecologia é da Universidad Central de Venezuela (1970). Assumiu a direção da Biblioteca Nacional de Brasília desde sua criação, em março de 2007. Contra a sua vontade, e em um episódio que é vergonhoso para a cultura do país como um todo, foi exonerado do cargo. Sobre este tema e outros, tivemos uma breve conversa com Antonio Miranda.

 

ANTONIO MIRANDA

Entrevista de Floriano Martins

 

Especial para o Diário de Cuiabá                                                                  
 

EDITOR | TRIPLOV

 
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Floriano Martins: Uma vez mais regressas a Caracas para acompanhar montagem de uma peça de teatro tua. Conta um pouco da trajetória dessa peça e sua receptividade da parte do público venezuelano.

ANTONIO MIRANDA: Tu País está Feliz é um longo poema escrito no final da década de 60 do século passado, com o clima transformador (evito o chavão “revolucionário”) de 1968. Contou com as músicas de Xulio Formoso, um venezuelano nascido na Galiza, Espanha, e com a genialidade do diretor argentino Carlos Giménez, dando surgimento ao Grupo Rajatabla, agora Fundación Teatral Rajatabla, que recentemente completou 40 anos. Em seguida, foi montado pelo grupo CUATRO TABLAS, de Lima, Peru, que também está completando 40 anos… O grupo venezuelano viajou por muitos países das Américas e da Europa, ganhou prêmios, e vem remontando o espetáculo poético-musical de tempos em tempos. Esta última versão é a comemorativa do aniversário do grupo e pretende sair por cidades do país e por outras partes, como sempre faz. Tu país está feliz é um fenômeno mais que teatral, foi um movimento de renovação do teatro venezuelano, virou bordão político, alguns textos foram para livros escolares, sítios na web, ganhou prêmios, formou uma geração de atores. É fantástico, pois a obra é mais conhecida que o autor do texto original, ou seja, é mesmo uma obra coletiva, e de uma geração.

   
 
 

FM: O teatro foi a tua primeira paixão no universo das artes?

AM: Comecei com a poesia, andei pela poesia geometrizante do Concretismo para levar o poema para o cartaz, a parede, a pintura, a escultura… Mas logo achei que o teatro era o formato, calcado na tradição, para levar a poesia ao público. Relacionei-me com Ziembinsky e outros diretores. Mas fui-me embora do Rio de Janeiro para a Venezuela, para escapar da ditadura militar, em 1966, e lá comecei a escrever em castelhano… Por isto sou considerado um poeta venezuelano.

FM: Como incorporas em tua vida o gosto pela promoção cultural, aí incluindo a veia do colecionador?

AM: Sempre fui um colecionador… sobretudo de cartões postais… Tenho mais de 250 mil, muitos deles do Brasil, de 1880 a 2000. Agora coleciono livros de poesia, mais de 5 mil… Mas tenho muitos outros livros sobre tudo. Não sou um colecionador de livros raros ou de primeiras edições, como os bibliófilos. Coleciono conteúdo, boas edições… Acabo de orientar uma tese de doutorado sobre a Bibliofilia, na Universidade de Brasília… Mas não coleciono para mim, quero compartilhar tudo… Por isto criei o Portal de Poesia Iberoamericana (www.antoniomiranda.com.br), há 8 anos, para levar poesia ao público e a coleção é o principal suporte. Era um projeto aparentemente absurdo, mas já temos quase 1,5 milhões de visitas por ano.

FM: Como surge em tua vida a Biblioteca Nacional de Brasília?

AM: Várias bibliotecas nacionais antes dela… Trabalhei na Biblioteca Nacional da Venezuela, na década de 70, onde dirigi o Centro Bibliográfico Venezolano. Fui assessor da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro (ainda não era uma Fundação) nos anos 80… Colaborei com alguns projetos na Biblioteca da Universidad de Puerto Rico, início da primeira década deste século (finalmente…) que faz as vezes de biblioteca nacional…, e fui convocado para montar a Biblioteca Nacional de Brasília, em 2007. A instituição fora criada pelo Tancredo Neves, em 1962, mas construída recentemente. Prédio de Niemeyer na Esplanada dos Ministérios, obra mal acabada… Mas conseguimos transformá-la numa instituição do século 21, no modelo de “biblioteca híbrida”, entre digital e física, com recursos do Ministério da Ciência e Tecnologia, e apoio do Ministério da Educação e do Ministério da Cultura, além da infraestrutura da Secretaria de Cultura do DF.

   
 
   
 

FM: E em que condições a Biblioteca Nacional de Brasília sai de tua vida?

AM: Humilhado. O novo Secretário de Cultura, no governo do PT, confirmou-me no cargo. Eu fora designado para a BNB pela UnB com apoio interministerial, cumpria um programa discutido pela Comissão Especial do Conjunto Cultural da República. Depois descobri que agora era um “cargo de confiança” e deixei claro que tinha um plano para cumprir, e começaram as divergências… Primeiro foi cancelado a II Bienal Internacional de Poesia de Brasília, depois nomearam um grupo para desenvolver um plano do livro e da leitura (uma de minhas especialidades), mas fiquei marginalizado… Houve pressão e fui elevado de Diretor da BNB a Subsecretário do Livro e da Leitura, à revelia. Assumi exigindo que restabelecessem o cargo de Diretor da Biblioteca Nacional de Brasília, uma instituição republicana. Pessoas sob minha coordenação mandavam e se diziam com a autoridade da Secretaria… Adiantei-me e consegui que fosse publicado o livro Biblioteca Nacional de Brasília: pesquisa e inovação (Thesaurus, 2011) com a chancela da UnB e da Universidad Complutense de Madri. Queria deixar registrado o que havíamos conquistado, com resultados de pesquisas, projetos em desenvolvimento, uma prestação de contas. Temíamos a “distritalização” da instituição, entendendo que Brasília é Distrito Federal por ser a Capital da República, além de dedicar-se à população local… Deve ter sido a gota d’água… O Secretário me convocou e anunciou que estava me exonerando para atender a um pedido meu!!! Ionesco não criaria uma cena tão absurda!!! E saiu anunciando que lamentava a minha saída…

FM: É vergonhoso, porém é a cara do Brasil. Algumas poucas notas na imprensa informam que a Biblioteca Nacional de Brasília não abriu ainda seu acervo ao público por dois motivos: a falta de recursos financeiros e o deslocamento de seu quadro funcional para atender a outras atividades. Este tem sido o ambiente real?

AM: De fato. O Ministério da Cultura repassou ao GDF 2,2 milhões para completar a infraestrutura que permitiria a catalogação de grande parte do acervo e sua disponibilização ao público, em 2011. Questões legais e burocráticas obrigaram a devolver o dinheiro. O novo Secretário tem criado dificuldades para reabrir o convênio com o MCT para termos os recursos com os mesmos objetivos, por questões “territoriais”, espaços de poder… E não injeta os recursos, e não é possível cumprir metas e cronogramas. Em breve a imprensa vai fazer a cobrança e a população prejudicada vai protestar. Por falta de condições para o processamento técnico do acervo, baixou a produtividade e passa boa parte do tempo em atividades burocráticas de um programa chamado FAC, que apoia atividades culturais, muitas meritórias, outras por apadrinhamentos, como só acontece nestas esferas do poder.

FM: Considerando impossibilidade de teu regresso, o que se pode imaginar é que a Biblioteca Nacional tende a transformar-se em uma instituição fantasma. Isto é possível?

AM: Virou uma repartição pública voltada para um público restrito, mas a conta não vai fechar e vem uma crise. O Governador anunciou planos ousados de inclusão digital, de transformação de Brasília em cidade digital, com metas ambiciosas de inclusão digital e capacitação informacional e a Biblioteca Nacional seria chave no processo. Não vai ser com eventos promocionais que vão chegar lá. Estamos na era da comunicação extensiva, das redes sociais, da criação coletiva e solidária, do acesso aberto à informação, da multiculturalidade e da multivocalidade e são necessárias mudanças de paradigmas: queimar etapas, evitar desperdícios e apostar na pesquisa e na inovação.


FM: Quais os teus planos atuais?

AM: Voltei à universidade para pesquisar e orientar alunos de doutorado. Vou ampliar e modernizar o Portal de Poesia Iberoamericana, iniciar a editora POEXÍLIO de livros especiais e de arte, participar mais de festivais internacionais de poesia, já que estou aposentado e recebo muitos convites. A vida que eu pedi a Zeus.

 

 

 

 

 

Floriano Martins (Ceará, 1957) é poeta, editor, ensaísta e tradutor. Dirige a Agulha Revista de Cultura (www.revista.agulha.nom.br) e colabora semanalmente com o DC Ilustrado com uma série de entrevistas que futuramente reunirá em livro intitulado Invenção do Brasil. Contato: arcflorianomartins@gmail.com.
 

 

 

© Maria Estela Guedes
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