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REVISTA TRIPLOV
de Artes, Religiões e Ciências
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I
Se há quase quinze anos este crítico fez uma recensão um tanto
quanto pesada e, até certo ponto, deselegante do romance A
Casa da Cabeça de Cavalo, de Teolinda Gersão, publicada no
caderno AT Especial do diário A Tribuna, de
Santos-SP, em 23 de março de 1997, o que lhe valeu merecidamente
uma correção velada do então orientador de sua tese de
doutoramento em Literatura Portuguesa na Universidade de São
Paulo (USP), professor Massaud Moisés, desta vez, não há o que
contestar em A Cidade de Ulisses (Porto, Sextante
Editora, 2011), a última incursão da autora no gênero que
assinala também os 30 anos de sua carreira literária. |
ADELTO
GONÇALVES
Um
hino de amor a Lisboa |
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A CIDADE DE
ULISSES, de Teolinda Gersão. Porto: Sextante Editora, 208 págs.,
2011. |
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EDITOR |
TRIPLOV |
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ISSN 2182-147X |
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Contacto: revista@triplov.com |
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Dir. Maria Estela Guedes |
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É um romance bem acabado,
com um fio condutor que prende a atenção do leitor – uma história que
termina bem, como já bem observou Inés Pedrosa na Revista Ler, de
Lisboa, fato surpreendente nestes tempos apocalípticos. E que tem como
pano de fundo a história de uma Lisboa mítica, que teria sido fundada
por Ulisses, e da de hoje.
Para que este crítico não
fique tão mal com seus leitores, é de lembrar que naquela resenha de
1997 assinalava que a A Casa da Cabeça de Cavalo não era uma
experiência inteiramente falhada, ou seja, tinha o seu valor, a começar
pelo título, uma metáfora do tempo, pois a cabeça de cavalo de bronze
teria a capacidade sobrenatural de ganhar vida na imaginação dos
moradores e agregados que viviam na morada, fazendo-os retroceder e
avançar no tempo de suas vidas. É aqui que reside o fulcro do romance:
morrer talvez seja apenas a perda da memória, “o apagar das luzes em
volta”, como diz a autora. E escrever uma maneira de se enganar a morte,
de preservar a memória.
Se este articulista
discordou da concessão do Prêmio de Romance e Novela da Associação
Portuguesa de Escritores (APE) de 1996 para A Casa da Cabeça de
Cavalo, não esteve sozinho, mas apenas acompanhou o movimento de
vários críticos portugueses da época, que entendiam que o galardão mais
bem teria ficado se tivesse sido atribuído a Alexandre Pinheiro Torres
(1921-1999), por A Quarta Invasão Francesa, ou a Urbano Tavares
Rodrigues, por A Hora da Incerteza, ou a Francisco José Viegas,
por Um Céu Demasiado Azul. Lido e relido, porém, A Cidade de
Ulisses, se este articulista não faz aqui um mea culpa, quer
ser um dos primeiros a bradar que este romance merece um prêmio tão
importante quanto aquele ou, quem sabe, a autora o Prêmio Camões pelo
conjunto de sua obra.
Seja como for, apesar da oposição de alguns críticos, a verdade é que
A Casa da Cabeça de Cavalo tem tido uma trajetória brilhante,
alcançando boa recepção entre o público-leitor – que, afinal, é o que
interessa. Além disso, foi finalista do Prêmio Europeu de Romance
Aristeion e ainda teve uma versão teatral que conquistou o Grande Prêmio
do Festival Internacional de Teatro de Bucareste, em 2005. Não é pouco.
Para azar dos críticos. |
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II |
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É de assinalar que, em
seu sexto romance – entre os dois citados, há A Árvore das Palavras
(Lisboa, Publicações Dom Quixote, 1997) –, Teolinda Gersão volta ao tema
da perda da memória, pois a mãe do protagonista, o artista plástico
Paulo Vaz, passa a sofrer precocemente, aos 52 anos de idade, de mal de
Alzheimer, quem sabe, uma fuga inconsciente de uma situação
claustrofóbica – o marido, 16 anos mais velho, era um ex-militar afeito
ao salazarismo e àquela concepção de mundo rígida do velho regime que
levava para a casa e para o trato com os familiares.
Em poucas e resumidas
palavras, o romance trata do encontro de um homem com uma mulher em
Lisboa. A história de ambos, que é também uma história de amor por uma
cidade, leva o leitor a percorrer múltiplos caminhos, entre os mitos e a
História, a realidade e o desejo, a literatura e as artes plásticas, o
passado e o presente, as relações entre homens e mulheres, a crise
civilizacional e a necessidade de repensar o mundo.
Ou melhor, é a história
de um homem e duas mulheres – uma que fica para trás, depois de anos de
convivência, e de outra, que abre uma nova fase na vida desse homem.
Deixar Cecília e partir para Sara. Até porque, como diz o protagonista,
neste romance escrito por uma autora sob uma perspectiva masculina, o
amor não dura. “Um dia acordamos e o encanto desfez-se. O mundo
voltou a ser o que era. Ou seja, mais ou menos nada. É isso o que
encontramos, Cecília. O amor é uma ficção com que escondemos por algum
tempo o vazio, dentro e fora de nós. Essa é uma experiência que nunca
tiveste, mas vais conhecer um dia, inevitavelmente: o vazio. O nada”.
(p.27).
É essa vida vivida que
Vaz – provavelmente uma homenagem a outro Vaz, igualmente
entranhadamente ligado a Lisboa, o Luís Vaz de Camões – recupera com a
memória, como se a resgatasse para Cecília, que a conheceria muito bem,
até porque fora não só sua cúmplice e companheira, mas, sobretudo, sua
ajudadora, responsável por instalações e projetos desenvolvidos pelo
pintor.
E o faz em forma de
diálogo/monólogo: “(...) A primeira vez que te vi foi numa sala de
aula, Cecília. Na altura eu era uma espécie de assistente de uma das
cadeiras do primeiro ano. No entanto nunca me senti teu professor,
vestir a pele do mestre não combinava comigo, até porque eu não queria
ser professor, queria já então ser artista a tempo inteiro” (p. 18).
Em contrapartida, mais
adiante, é a vez de Cecília recuperar o tempo passado (mas não perdido):
“(...) Mas no fundo não era Lisboa que procurávamos, era um ao outro
e a nós mesmos que procurávamos em Lisboa. Éramos viajantes, e é para si
próprios que os viajantes caminham. Querem saber quem são e onde moram.
E, como escreveu Novalis, vamos sempre finalmente para casa”. (p.
66).
Até que, um dia, depois
de muitos encontros e desencontros e separações temporárias, surge uma
terceira. Diz Vaz: “(...) Alguns meses depois conheci Sara, e
inesperadamente a minha vida mudou. (...) Fui sabendo, devagar (porque
ela falava pouco de si), que era juíza, tinha uma carreira feita a pulso
no meio de obstáculos, porque não era vulnerável a pressões e havia-as
de toda a ordem no seu quotidiano. A justiça em Portugal era um terreno
pantanoso. Divorciara-se havia quatro anos, tinha sido um processo
difícil, porque o ex-marido, advogado de renome, parecia querer
prolongá-lo e litigá-lo o mais possível e usava para isso todos os
artifícios, sempre a coberto da lei”. (pp. 166-167).
Como se vê, o estilo de Teolinda Gersão é um dos espetáculos deste
livro. O outro são as descrições que faz de uma Lisboa que conhece como
ninguém. Exaltada por tantos cantores, poetas e romancistas ao longo da
História, Lisboa ainda não tinha sido homenageada por um hino de amor de
sons tão delicados como os que se ouve ao longo deste romance. |
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III |
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Teolinda Gersão (1940)
nasceu em Coimbra, estudou Germanística e Anglística nas Universidades
de Coimbra,Tuebingen e Berlim e foi leitora de Português na Universidade
Técnica de Berlim, além de docente na Faculdade de Letras da
Universidade de Lisboa e, posteriormente, professora catedrática da
Universidade Nova de Lisboa, onde ensinou Literatura Alemã e Literatura
Comparada até 1995.A partir dessa data, passou a dedicar-se
exclusivamente à literatura.
Além da permanência de
três anos na Alemanha, viveu dois anos em São Paulo, época da qual há
reflexos em alguns textos de Os Guarda-Chuvas Cintilantes (1984),
diário ficcional. Também conheceu Moçambique, cuja capital, então
Lourenço Marques, é o lugar onde decorre o romance A Árvore das
Palavras. Foi ainda escritora residente na Universidade de Berkeley
em fevereiro e março de 2004.
É ainda autora de O
silêncio (romance, Prêmio Pen Club 1981), Paisagem com mulher e
mar ao fundo (romance), O cavalo de Sol (romance, Prêmio Pen
Club 1989), Os teclados (novela, Prêmio da Associação
Internacional dos Críticos Literários), Os anjos (novela),
Histórias de ver e andar (contos, Grande Prêmio do Conto Camilo
Castelo Branco 2002), O mensageiro e outras histórias com anjos
(contos) e A mulher que prendeu a chuva (contos, Prêmio Máxima de
Literatura 2008, Prêmio de Literatura da Fundação Inês de Castro 2008).
Está traduzida em onze
línguas. A versão teatral de A casa da cabeça de cavalo ganhou o
Grande Prêmio do Festival Internacional de Teatro de Bucareste, em 2005.
O conto “Um casaco de raposa vermelha” foi adaptado a peça radiofônica e
transmitido pela BBC e pela New York Public Radio, em 2008. |
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Adelto Gonçalves é doutor em Literatura
Portuguesa pela Universidade de São Paulo e autor de Gonzaga, um Poeta
do Iluminismo (Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1999), Barcelona
Brasileira (Lisboa, Nova Arrancada, 1999; São Paulo, Publisher Brasil,
2002) e Bocage – o Perfil Perdido (Lisboa, Caminho, 2003). E-mail:
marilizadelto@uol.com.br |
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© Maria Estela Guedes
estela@triplov.com
PORTUGAL |
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