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Januária, a Castelã
No meu castelo há muitas janelas,
No salão
São arcos planos
Dos quais avisto
Os campos de avelã;
Nos corredores
São frestas
Por onde passam
Pedaços de sedas coloridas;
Nos quartos
São quadros de madeira
De onde observo
Rebanhos de lã;
Em alguns aposentos
São rosáceas circulares,
De vidro, que fazem do céu
Um mosaico
Para a estrela Aldebarã.
Todas abrem e fecham
Num jogo de luz,
Sombras,
Molduras,
Ornatos,
Delas formo idéias,
Contatos.
Algumas se abrem para os pátios
internos
Onde há fontes,
Pombas,
Tufos de papiro.
Outras se fecham de repente,
Na escuridão do sótão
Onde exausta
Procuro inutilmente uma frincha,
Um vão.
Meu nome é Januária
Que vem de “janua”,
“Januella”,
Louca castelã,
Corro com os bolsos cheios de
chaves
Que trancam e revelam
Os segredos das janelas.
Armadura
Meu senhor chegou da batalha
Vestindo armadura
Sobre a cota de malha.
Fiel escudeira,
Ajudei-o a tirar o elmo,
As luvas,
A parte das costas
Os sapatos de ferro.
As placas rangiam,
Flexíveis, descobrindo as coxas.
Bendita armadura
Que defendeu teu corpo
Do ataque das flechas!
Teu corpo
Coberto de suor
E filetes de sangue
Que limpo com linho
E aromas.
../
Deita,
Terminou a luta,
Espia pela torre:
O luar é teia de aço,
Armadura de prata
Que cobre
Nossos peitos,
Nossos braços.
Banquete
Ao toque de trombetas
Entremos no salão:
Senhor e dama.
Preparei cada detalhe do
banquete:
Sob minhas ordens
Barris rolaram,
Pilões amassaram,
Chamas crepitaram.
Elevou-se no ar
O perfume de cevada,
Canela
E noz-moscada.
Do lago vieram
As enguias
E o cisne;
Do pomar,
As maçãs;
Da floresta,
O javali.
O leite
Virou carne branca
E cremosa.
O hidromel está ardido,
Flor de cacto
Nascido no poço.
../
A gelatina verde
É de salsa,
Coberta de ouro;
O pudim de sândalo
É vermelho como cerveja.
A mesa foi coberta de linho,
Ao centro, o barco de prata
Segura um guardanapo,
Vela sem vento.
O vinho será servido
E tua taça não terá fim.
Os menestréis contarão
O começo do mundo,
Os feitos de Troia,
O valor da amizade.
Comemoremos juntos
Na mesma travessa,
Com a mesma fatia de pão,
Verás então como sou dedicada a
ti,
Meu senhor.
Moda I
Visto-me como uma fada:
Os cabelos escondidos
Sob um chapéu
Em forma de chifre,
Véu,
Cauda,
Toda azul
E apaixonada.
Moda II
Coloco sobre a cabeça
Asas de borboleta;
O ouro do brocado
Denuncia meu amor desesperado,
Nas mãos,
Seguro rosas amarelas.
Moda III
O manto cinza,
De cânhamo,
Cobre meu corpo com aspereza;
Rústico com a pobreza,
Combina com pés descalços,
Lágrimas
E tristeza.
Falcoeiro
Sobre o punho do falcoeiro
Ouço o bater das asas
Dos girafaltes
E gaviões empoleirados.
Nas gaiolas de madeira
Debatem-se a águia do imperador
E o falcão peregrino,
Todos nesse destino
De escravidão e dor.
A correia impede a fuga,
O capuz com penacho
Cega e acalma
Quem enxerga
Um pequeno ponto
Do cume dos penhascos.
Amanhã, na caça
Pela floresta real
Cada um levará
Seu valioso animal.
Falcoeiro,
Não serei uma ave de rapina
Na triste sina
De teu jugo?
Mas com tua habilidade
E a recompensa que me dás,
Faço teu jogo.
Brasão
Leve ao arauto
Nossas divisas
Para que ele crie um brasão
E registre no armorial.
O de minha família
É gironado
Em vermelho e azul;
O da tua
Tem campo verde
Com um pássaro de prata.
Ficará belo,
Partido ao meio,
Pássaro esquartelado!
Colocaremos o brasão
Nas bandeiras de veludo,
Nos aneis,
Nas rosáceas,
Nas espadas,
Nos selos,
No flanco sinistro dos escudos.
No calor da batalha
Será teu emblema,
Tua honra,
Tua glória,
E o tema
Do meu luto.
Cerco
O inimigo cercou o meu castelo,
Estudou cada ponto fraco,
Impediu a entrada de alimento,
Envenenou a água.
Ouço o ranger das carroças
Cheias de armas:
Catapultas gigantes,
Aríetes,
Canhões.
Flechas incendiárias
Cruzam os ares,
Vigas são queimadas,
Distendem-se s braços dos
arqueiros.
Defensora deste castelo,
Resistirei acendendo velas
Na capela escura
E se me levarem
O senhor pagará o resgate
Digno de uma rainha.
Vejo ao longe
O brilho das armaduras,
É ele,
O meu senhor
Trazendo reforço,
Mais um pouco
E o inimigo
Será encurralado no fosso. |
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RAQUEL Maria Carvalho NAVEIRA (BRASIL)
RAQUEL NAVEIRA nasceu em Campo Grande, Mato
Grosso do Sul, no dia 23 de setembro de 1957. Formou-se em Direito e
Letras pela UCDB/MS, onde exerceu o magistério superior, desde 1987 até
2006, quando se aposentou. Doutora em Língua e Literatura Francesas pela
Universidade de Nancy, França. Mestre em Comunicação e Letras pela
Universidade Presbiteriana Mackenzie/SP. Trabalhou por nove anos como
revisora da Editora UCDB. Apresentadora do programa literário “Prosa e
Verso” pela TV UCDB e do “Flores e Livros” pela UPTV e pela ORKUTTV.
Professora do Curso de Letras da Faculdade Anchieta, de São Bernardo do
Campo/SP, desde julho de 2008 a março de 2011 e da Faculdade HOTEC, como
professora de Comunicação Aplicada. Pertence à Academia
Sul-Mato-Grossense de Letras e ao PEN CLUBE DO BRASIL. Diretora da União
Brasileira de Escritores/Seção SP. É palestrante, dá cursos e oficinas
na Casa das Rosas. Escreveu vários livros, entre eles: ABADIA (poemas,
editora Imago,1996) e CASA DE TECLA (poemas, editora Escrituras, 1999),
finalistas do Prêmio Jabuti de Poesia, da CBL. Os mais recentes são o
livro de ensaios LITERATURA E DROGAS-E OUTROS ENSAIOS (Nova Razão
Cultural, 2007) e o de crônicas CAMINHOS DE BICICLETA (Miró,
2010)raquelnaveira@oi.com.br
raquelnaveira@gmail.com
www.raquelnaveira.com.br |