REVISTA TRIPLOV
de Artes, Religiões e Ciências


Nova Série | 2011 | Número 22

 

 

 

RAQUEL NAVEIRA

Senhora

De Senhora, Temas Originais Editora, Portugal  

 

Senhora do Castelo

                  “...Deus dominava minha vontade, fazendo-a conforme ao seu Amor, qual roda obediente ao mando do motor.”                                                                                Dante Alighieri

EDITOR | TRIPLOV

 
ISSN 2182-147X  
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  Januária, a Castelã 

No meu castelo há muitas janelas,

No salão

São arcos planos

Dos quais avisto

Os campos de avelã;

Nos corredores

São frestas

Por onde passam

Pedaços de sedas coloridas;

Nos quartos

São quadros de madeira

De onde observo

Rebanhos de lã;

Em alguns aposentos

São rosáceas circulares,

De vidro, que fazem do céu

Um mosaico

Para a estrela Aldebarã.

 

Todas abrem e fecham

Num jogo de luz,

Sombras,

Molduras,

Ornatos,

Delas formo idéias,

Contatos.

 

Algumas se abrem para os pátios internos

Onde há fontes,

Pombas,

Tufos de papiro.

 

Outras se fecham de repente,

Na escuridão do sótão

Onde exausta

Procuro inutilmente uma frincha,

Um vão.

 

Meu nome é Januária

Que vem de “janua”,

“Januella”,

Louca castelã,

Corro com os bolsos cheios de chaves

Que trancam e revelam

Os segredos das janelas.

 

 

Armadura 

Meu senhor chegou da batalha

Vestindo armadura

Sobre a cota de malha.

Fiel escudeira,

Ajudei-o a tirar o elmo,

As luvas,

A parte das costas

Os sapatos de ferro.

As placas rangiam,

Flexíveis, descobrindo as coxas.

 

Bendita armadura

Que defendeu teu corpo

Do ataque das flechas!

 

Teu corpo

Coberto de suor

E filetes de sangue

Que limpo com linho

E aromas.

 

../

Deita,

Terminou a luta,

Espia pela torre:

O luar é teia de aço,

Armadura de prata

Que cobre

Nossos peitos,

Nossos braços.

 

 

Banquete 

Ao toque de trombetas

Entremos no salão:

Senhor e dama.

 

Preparei cada detalhe do banquete:

Sob minhas ordens

Barris rolaram,

Pilões amassaram,

Chamas crepitaram.

 

Elevou-se no ar

O perfume de cevada,

Canela

E noz-moscada.

 

Do lago vieram

As enguias

E o cisne;

Do pomar,

As maçãs;

Da floresta,

O javali.

 

O leite

Virou carne branca

E cremosa.

 

O hidromel está ardido,

Flor de cacto

Nascido no poço.

 

 

../

A gelatina verde

É de salsa,

Coberta de ouro;

O pudim de sândalo

É vermelho como cerveja.

 

A mesa foi coberta de linho,

Ao centro, o barco de prata

Segura um guardanapo,

Vela sem vento.

 

O vinho será servido

E tua taça não terá fim.

 

Os menestréis contarão

O começo do mundo,

Os feitos de Troia,

O valor da amizade.

 

Comemoremos juntos

Na mesma travessa,

Com a mesma fatia de pão,

Verás então como sou dedicada a ti,

Meu senhor.

 

 

Moda I 

Visto-me como uma fada:

Os cabelos escondidos

Sob um chapéu

Em forma de chifre,

Véu,

Cauda,

Toda azul

E apaixonada.

 

Moda II 

Coloco sobre a cabeça

Asas de borboleta;

O ouro do brocado

Denuncia meu amor desesperado,

Nas mãos,

Seguro rosas amarelas.

 

 

Moda III 

O manto cinza,

De cânhamo,

Cobre meu corpo com aspereza;

Rústico com a pobreza,

Combina com pés descalços,

Lágrimas

E tristeza.

 

 

Falcoeiro 

Sobre o punho do falcoeiro

Ouço o bater das asas

Dos girafaltes

E gaviões empoleirados.

 

Nas gaiolas de madeira

Debatem-se a águia do imperador

E o falcão peregrino,

Todos nesse destino

De escravidão e dor.

 

A correia impede a fuga,

O capuz com penacho

Cega e acalma

Quem enxerga

Um pequeno ponto

Do cume dos penhascos.

 

Amanhã, na caça

Pela floresta real

Cada um levará

Seu valioso animal.

 

Falcoeiro,

Não serei uma ave de rapina

Na triste sina

De teu jugo?

Mas com tua habilidade

E a recompensa que me dás,

Faço teu jogo.

 

 

Brasão 

Leve ao arauto

Nossas divisas

Para que ele crie um brasão

E registre no armorial.

 

O de minha família

É gironado

Em vermelho e azul;

O da tua

Tem campo verde

Com um pássaro de prata.

 

Ficará belo,

Partido ao meio,

Pássaro esquartelado!

 

Colocaremos o brasão

Nas bandeiras de veludo,

Nos aneis,

Nas rosáceas,

Nas espadas,

Nos selos,

No flanco sinistro dos escudos.

No calor da batalha

Será teu emblema,

Tua honra,

Tua glória,

E o tema

Do meu luto. 

 

 

Cerco 

O inimigo cercou o meu castelo,

Estudou cada ponto fraco,

Impediu a entrada de alimento,

Envenenou a água.

 

Ouço o ranger das carroças

Cheias de armas:

Catapultas gigantes,

Aríetes,

Canhões.

 

Flechas incendiárias

Cruzam os ares,

Vigas são queimadas,

Distendem-se s braços dos arqueiros.

 

Defensora deste castelo,

Resistirei acendendo velas

Na capela escura

E se me levarem

O senhor pagará o resgate

Digno de uma rainha.

 

Vejo ao longe

O brilho das armaduras,

É ele,

O meu senhor

Trazendo reforço,

Mais um pouco

E o inimigo

Será encurralado no fosso.

   
 

 

 

 

 

RAQUEL Maria Carvalho NAVEIRA (BRASIL)
RAQUEL NAVEIRA nasceu em Campo Grande, Mato Grosso do Sul, no dia 23 de setembro de 1957. Formou-se em Direito e Letras pela UCDB/MS, onde exerceu o magistério superior, desde 1987 até 2006, quando se aposentou. Doutora em Língua e Literatura Francesas pela Universidade de Nancy, França. Mestre em Comunicação e Letras pela Universidade Presbiteriana Mackenzie/SP. Trabalhou por nove anos como revisora da Editora UCDB. Apresentadora do  programa literário “Prosa e Verso” pela TV UCDB e do “Flores e Livros” pela UPTV e pela ORKUTTV. Professora do Curso de Letras da Faculdade Anchieta, de São Bernardo do Campo/SP, desde julho de 2008 a março de 2011 e da Faculdade HOTEC, como professora de Comunicação Aplicada. Pertence à Academia Sul-Mato-Grossense de Letras e ao PEN CLUBE DO BRASIL. Diretora da União Brasileira de Escritores/Seção SP. É palestrante, dá cursos e oficinas na Casa das Rosas. Escreveu vários livros, entre eles: ABADIA (poemas, editora Imago,1996) e CASA DE TECLA (poemas, editora Escrituras, 1999), finalistas do Prêmio Jabuti de Poesia, da CBL. Os mais recentes são o livro de ensaios LITERATURA E DROGAS-E OUTROS ENSAIOS (Nova Razão Cultural, 2007) e o de crônicas CAMINHOS DE BICICLETA (Miró, 2010)raquelnaveira@oi.com.br
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