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REVISTA TRIPLOV
de Artes, Religiões e Ciências
Nova Série | 2011 | Número 22
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Se ignora o caráter
da cópula, assim como o tempo que necessitou para frutificar.
Mas um frio domingo do mês de março correspondente ao ano 2011,
prodígio do novo milénio, no lugar do globo chamado Villazalama,
terra de abundantes pastos situada entre Valdepero e Husillos,
começaram à nascer cavalos com tronco humano, braços e cabeça de
homem ou, visto de outro modo, homens com lombo, rabo e patas de
cavalo. A combinação genética tinha logrado uma espécie nova: os
centauros, realidade superadora da fantasia humana que os criou,
aqueles filhos de Ixión e da nuvem Néfele, Hera fingida. Sua
presença deu pé à perguntas carentes de resposta lógica. Animais
ou pessoas: a dúvida inundou as ruas, chegou nas escrivaninhas
das universidades, aos claustros de professores; e dali ao
intelecto dos filósofos. As leis vigentes resultaram inúteis
para regular a convivência do novo e o velho; mero papel molhado
e tinta atenuada. Desde os púlpitos os belicosos sacerdotes
lançaram anátemas que se ouviam nos cenáculos dos governantes.
Os parlamentos trataram o assunto em sessões esgotantes, e
acabaram aprovando a elaboração do pão de cevada e a venda de
alfafa nas quitandas. Apareceram no mercado gabãos-xairel antes
inimagináveis, e os negócios de construção e equipamento
enriqueceram aos ousados. |
PEDRO SEVYLLA DE JUANA
De homens e centauros |
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EDITOR |
TRIPLOV |
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ISSN 2182-147X |
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Contacto: revista@triplov.com |
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Dir. Maria Estela Guedes |
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Aos meus netos Judith, Óscar e Sergio,
infantes que já distinguem aos
centauros dos homens |
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O homem
seguiu o caminho aberto, e seu natural abusivo quis confinar aos
quadrúpedes racionais. Não pôde. Asas brotaram aos de maior alçada, aos
mais ágeis. Não eram grande coisa; dois apêndices lombares emplumados
que lhes permitiam elevar-se pelo ares e desaparecer. Aos seis meses se
demonstraram transitórios; ainda assim, durante o meio ano que durava a
metamorfose, os centauros se expandiam formando novas colónias. De modo
que a espécie recém-nascida se distribuiu pelos quatro pontos cardeais
povoando a terra. Os monstros nasciam domados e nada acrescentou o homem
nesse sentido. A cabeça humana regia seus atos de besta, humanando as
consequências; e a nobreza da besta parecia neutralizar os sentimentos
egoístas do homem. De maneira que os novos indivíduos exibiam condutas
íntegras acrescentadas a extraordinárias faculdades. Temores e acusações
iam perdendo intensidade, até que a rotina quis retornar ao seu.
Púlpitos, tribunas e outros palanques reticentes acabaram tolerando aos
mestiços. Se adaptaram os usos e as ferramentas às necessidades
anatómicas dos híbridos, e em pouco tempo aos novos seres lhes resultou
desnecessário demonstrar uma superioridade evidente. Foram penetrando
nas formações castrenses, na representação social e na judicatura. Em
breve ocuparam postos de relevo nas empresas e nos ministérios; e
ajudando os uns aos outros, até os pior dotados alcançaram bom acomodo.
Transcorridos cinquenta anos, os centauros dominavam as variadas
pirâmides do poder, e puderam abandonar a dissimulação herdada das
pessoas. A raça humana, afastada dos centros de decisão, se viu
confinada no ambiente dos trabalhos manuais repetitivos, levando a cabo
tarefas sujas ou tediosas.
Pelos
meus conhecimentos da antiga cultura, eu fui um dos destinados a apurar
os velhos livros impressos sobre papel, única fonte de sabedoria
permitida às pessoas, a quem nos está vedado o ingente acervo
electrónico. Devia censurar qualquer assomo, por subtil que fora, dos
chamados valores humanistas. Antigos impressores, também forçados,
editavam novos livros imitando a estampa dos velhos. Os leitores humanos
iam abandonando as reivindicações de espécie.
Eu
conduzia uma conspiração calada, e para servir aos propósitos rebeldes,
todos os livros corrigidos por mim escondem estas linhas em extensos
parágrafos insubstanciais.
Os centauros, receosos e
inteligentes, descobriram meu ardil. As leis castigam com a morte aos
traidores; amanhã dar-me-ão coices em círculo.
PSdeJ |
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Pedro Sevylla de Juana nasceu em plena agricultura de
secano, lá onde se juntam A Terra de Campos e O Cerrato, Valdepero,
província de Palencia em Espanha; e a economia dos recursos à espera de
tempos piores ajustou o seu comportamento. Com a intenção de entender os
mistérios da existência, aprendeu a ler aos três anos e chegou aos
livros aos onze. Para explicar as suas razões, aos doze iniciou-se na
escritura. cumpriu já os sessenta e cinco, e está tão longe do que quis
ser, que pode o ver inteiro. No entanto, transita a etapa de maior
liberdade e ousadia; obrigam-lhe muito poucas responsabilidades e
sujeita temores e esperanças. Viveu em Palencia, Valladolid, Barcelona e
Madrid; passando temporadas em Genebra, Estoril, Tánger, Paris e
Ámsterdão. Publicitário, conferenciante, tradutor, articulista, poeta,
ensayista e narrador; publicou vinte livros e colabora com diversas
revistas da Europa e América, tanto em língua espanhola como portuguesa.
Trabalhos seus integram seis antologías internacionais. Reside em El
Escorial, dedicado por inteiro às suas paixões mais arraigadas: viver,
ler e escrever.
www.sevylla.com |
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© Maria Estela Guedes
estela@triplov.com
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