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A natureza fala
e refala, os ouvidos escutam e não ouvem, só ouvem aqueles que têm
ouvidos para tanto. Que nem são tantos, porque estamos agora saturados
dos monóxidos e dos urânios enriquecidos que se esparramam pelas calhas
do mundo, dos machados e serras que, se cortam o sândalo, não percebem o
perfume que recebem em troca, talvez pelo massacre a que se viciaram,
das putrefações que correm como vísceras expostas pelo lodaçal que
enojou os rios, pela voz do vento outrora suave, que emana agora suas
amargas pestilências. A natureza fala e refala com sua voz de plástico,
não mais a sonoridade dos ventos cantantes da antiga mocidade, polui os
olhos e a alma, esta que desfalece em múltiplos heterônimos para não ser
sequer ninguém, embaçando o rosto anuviado pelas nuvens de enxofre,
vazando na pele como emanações que vagueiam pelos canais dos linfáticos,
das artérias entorpecidas pelo polímero veneno. A natureza fala e refala
pelo sangue escuro que viceja a céu aberto deste mundo-aldeia que
descobre água em Marte e apodrece os rios de nosso viver, outrora
serenos e compassados pelo murmurar que era quase uma sonata, talvez um
prelúdio, quase um não sei quê de nítido e cristalino que se perdeu nas
orlas do tempo. A natureza fala e refala sua percepção da falsidade de
todos nós, que idealizamos discursos e passeatas, forma sutil de
compromisso descompromissado, estamos plantando gemidos ao invés de
vozes alertas para o canto das árvores e a luminosidade do sol escondido
por trás das nuvens artificiais, que as fábricas emanam por suas
chaminés-falos, em priapismo constante para a ironia dos céus e as asas
negras dos pássaros. Mesmo quando os pássaros são brancos. Agora sim,
vivemos em cavernas e presídios, muros que nos protegem e ao mesmo tempo
nos aprisionam, devastamos matas e invadimos os descampados que se
formam, até que venha a clorofílica nostalgia, então plantamos uma
árvore, escrevemos um verso ou dançamos um bolero, ficamos presos à
imagem falsa da reconquista, da penitência pelos pecados cometidos. Mas
é inútil tudo, aqui não correrão mais o leite e o mel de nossa ingênua
alegria, o coração da terra entrou em taquicardia e, um pouco lá na
frente, talvez desfaleça em arritmia irreversível e não ouviremos mais
nada, sequer nossos passos na areia escaldante de um sol atormentado
pela pestilência de nossas próprias mãos
De
nossas mãos, sim, que ainda dilaceram o corpo da mãe-terra que
aparentemente (só aparentemente) se deixa promiscuir com nossas mazelas
de um progresso que não chega, ou se chega será sempre com a dubiedade
do que serve e do que surrupia, do que descobre e do que transgride, do
que torna fatal nosso futuro corrompido pela flagelação de nosso próprio
corpo e nosso próprio espírito.
Que
assim não seja. |