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RODOLFO ALONSO
tinha apenas dezesseis anos quando
conheceu e integrou o grupo em torno da revista Poesía Buenos Aires.
Nesse tempo, ainda em 1951, era leitor de Lorca e Neruda, mas admirava
principalmente a poesia de César Vallejo. A partir deste encontro com a
vanguarda modernista portenha, desenvolveu uma intensa atividade
criadora e intelectual, transitando entre a poesia, a tradução e o
ensaio.
É autor, entre outros, dos livros
de poesia Salud o nada (1954), Buenos vientos (1956), Gran Bebé (1960),
Hablar claro (1964), Relaciones (1968), Hago el amor (com prólogo de
Carlos Drummond de Andrade, 1969), Señora Vida (1979), Sol o sombra
(1981), Alrededores (1983), Jazmín del país (1988), Música concreta
(1994), El arte de callar (2003) e Poemas pendientes (2010).E dos
ensaios Poesía: lengua viva (1982), Defensa de la Poesía (1997) e La voz
sin amo (2006). Primeiro tradutor de Fernando Pessoa
na América Latina (1961). Traduziu a muitos outros autores do francés,
italiano, português e galego, entre eles Cesare Pavese, Gillo Dorfles,
Giuseppe Ungaretti, Paul Éluard, Marguerite Duras, Eugenio Montale,
Carlos Drummond de Andrade, Jacques Prévert, Dino Campana, Antonin
Artaud, Guillaume Apollinaire, Pier Paolo Pasolini, Charles Baudelaire,
Murilo Mendes, Antonin Artaud, Manuel Bandeira, Rosalía de Castro, Paul
Valéry, Olavo Bilac, Stéphane Mallarmé, André Breton, Lêdo Ivo, etc.
Tem sido publicado na Argentina,
Bélgica, Colombia, España, México, Venezuela, Francia, Brasil, Italia,
Cuba, Chile.
Premio Nacional de Poesía (1997),
próximo a Juan Gelman; Orden “Alejo Zuloaga” de la Universidad de
Carabobo (Venezuela, 2002); Gran Premio de Honor de la Fundación
Argentina para la Poesía (2004); Palmas Académicas de la Academia
Brasileña de Letras (2005); Premio Único de Ensayo Inédito de la Ciudad
de Buenos Aires (2005); Premio Festival Internacional de Poesía de
Medellín (Colombia, 2006). |
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VIVALDO LIMA TRINDADE –
A poesia do senhor já foi definida mais de uma vez como uma poesia do
silêncio. O que move o senhor a escrever hoje é o mesmo que o movia
quando iniciou sua obra poética?
RODOLFO ALONSO –
Em grande parte, sim. Nunca me propus a
escrever poesia. É como dizer que meus poemas nunca foram fruto de um
projeto, de uma predeterminação, sendo melhor entendida como
acontecimentos dos quais eu era o mediador. Na verdade, bastante ansioso
e inseguro. A poesia me ocorre, me acontece. Antes e agora. Claro que,
com os anos, esse instrumento, que é o mesmo, teve que amadurecer em
algo. E, especialmente na prosa, e também na fala, a insegurança e a
ansiedade começaram agora a mostrar-se em grande parte manipuláveis.
Porém nunca de todo, claro. E a poesia segue soprando onde quer, como
bem disse Murilo Mendes. E quando quer, eu acrescento. Às vezes ocorrem
largos intervalos de silêncio e, muito poucas vezes, preparo vários
poemas ao mesmo tempo. Eu me deixo levar.
LT –
Poderia falar do que a revista Poesía
Buenos Aires significou para o senhor e
para a cultura de seu país?
RA –
Hoje, me resulta árduo separar os domínios
pessoal e público. É que eu me aproximei milagrosamente da Poesia
Buenos Aires, superando minha inata timidez, uma noite antes de
completar meus 17 anos. Vindo a me converter, sem ter me proposto, em
seu membro mais jovem. E essa lendária revista Argentina de vanguarda,
absolutamente independente, cuja trinta publicações, entre 1950 e 1960,
só foram possíveis graças a seu verdadeiro inspirador e artífice, Raúl
Gustavo Aguirre, foi para mim, em plena adolescência, uma autêntica
experiência de vida e linguagem. E para a poesia moderna portenha, um
marco, que, também sem haver sido proposto, sem compromissos e sem
dogmas, veio a instalar indubitavelmente um antes e um depois. Tanto no
que fez à minha própria experiência profissional, como à sua mais ampla
significação cultural e estética, sinto que posso reiterar seu alcance
em duas palavras: fraternidade e exigência. Todos temos o direito a
experimentá-la, porém a poesia é uma coisa séria. A mais séria, eu
diria.
LT –
E como se deu sua aproximação com os escritores brasileiros?
RA –
Com
toda naturalidade. E, ao mesmo tempo, milagrosamente. Minha própria
infância bilíngüe, de portenho filho de galegos, implica em uma
consangüinidade quase orgânica com a língua portuguesa. Minha própria
condição de primeiro filho de imigrantes nascido em Buenos Aires me pôs
diante, não apenas de uma situação teórica, mas, também, de uma
necessidade fisiológica de me voltar não apenas para o solo argentino,
mas também para o latino-americano e, em conseqüência, me concedeu,
assim, desde muito criança, uma profunda e intuitiva afinidade com o
Brasil, depois, mais da metade da América Latina, que não tem deixado de
seduzir-me desde então. Assim devo a contribuição, sem dúvida, ao meu
velho e querido amigo Milton de Lima Sousa, que fora para nós desde
sempre um membro a mais da Poesía Buenos Aires. E que nessa
revista começara a publicar minhas primeiras traduções de Carlos
Drummond de Andrade e de Murilo Mendes, com os quais, já por aqueles
tempos, e como disse superando uma timidez inata, havia começado a
manter um intercâmbio epistolar, insolitamente generoso por parte deles
e para mim tão apaixonante quanto fecundo e enriquecedor.
LT –
Mais do que no futebol, Brasil e Argentina parecem virados de costas um
para outro também no terreno da cultura, excetuando-se nomes muitíssimo
consagrados mundialmente. Qual, na sua opinião, era o ponto de
identificação entre as vanguardas modernistas do século passado na
América Latina?
RA –
É verdade, por infortúnio, em grande
medida. À balcanização, que entretanto mantém incomunicáveis os países
hispano-americanos entre si e só pode favorecer aos poderes e interesses
alheios, se agregam a injustiça e, injustificavelmente, a distância, que
todavia se mantém entre quem aqui fala castelhano e o Brasil, que, como
disse, é praticamente a metade de nosso continente. Modestamente, sem
trégua, e com os modestos meios a meu alcance, tenho aqui tratado sempre
de ajudar para que se quebre essa barreira inócua. Porém, voltando à sua
pergunta, digamos que esses contatos tampouco foram o suficientemente
fluidos ente os movimentos latino-americanos de vanguarda no século
passado. Houve, sim, porém esporádicos, e na medida em que teriam sido
necessários. Destaquemos, ao mesmo tempo, que o termo “modernista”, em
meios hispano-americanos, representa exatamente a antípoda do que foi o
grande movimento modernista brasileiro. Nossas vanguardas reagiram aqui
contra a retórica “modernista” como vossos modernistas reagiram aí
contra o que as precedeu. E, por infortúnio, que eu saiba, não houve
naquele momento demasiados canais de comunicação entre os movimentos
renovadores de ambas as línguas. Diferentemente do que foi a acolhida
posterior como, por exemplo, em meu caso e no de alguns companheiros,
porém não somente ali, é claro.
LT – Crê que haja muita diferença entre modernistas e pós-modernos?
Aliás, seria possível definir quais as tendências da poesia argentina
contemporânea?
RA –
Mais que diferença. Tenho a intuição que,
desde a metade do século passado, e cada vez de maneira mais crescente,
estamos vivendo sem nos darmos conta, imersos não em uma mudança, mas
sim em uma mutação. A sociedade de consumo vem a somar-se,
potencializada pela incessante renovação tecnológica dos meios de
sedução de massa, ao que Guy Débord batizou como sociedade do espetáculo,
e o resultado é uma “civilização” onde a linguagem tem deixado, é claro,
de ser o centro, e cujo objetivo principal é a formação de consumidores
acríticos, cuja ansiedade principal é o ato da compra, por outro lado
fonte inevitável de nova ansiedade. Uma de suas mais deletérias
conseqüências é a perda espontânea da capacidade criadora da linguagem
por parte do povo, da comunidade. E, em conseqüência, um retrocesso, se
é que não uma deformação do que se entendia por poesia.
Lamento
seguir parecendo apocalíptico (no meio deste verdadeiro apocalipse da
banalidade que nos consome), porém me resulta impossível discernir
tendências no meio da enorme massa de textos que hoje se exibe. É como
dizer, precisamente, que a ausência absoluta de tendências, não somente
na poesia, se não praticamente em todas as artes hoje assoladas pelo
avassalador totalitarismo do mercado, me resulta em um alarmante sintoma
destes tempos. Foi um de nossos maiores poetas populares, Enrique Santos
Discépolo, quem já em 1935 pôde sinalizar, em seu indelével tango
Cambalache, que “tudo é igual... Nada é melhor...” e não
muito depois, aquele que Mário de Andrade batizou cabalmente como o “São
João Baptista do modernismo”, o grande Manuel Bandeira, um homem cuja
alta poesia está indissoluvelmente ligada com a linguagem do povo, podia
animar-se a afirmar isto: “Sem dúvida não custa nada escrever um pedaço
de poesia e depois distribuí-lo em linhas irregulares, obedecendo tão
somente as pautas do pensamento”.
Porém,
isso nunca foi verso livre. Se o fosse, qualquer pessoa poderia pôr em
verso até o último pronunciamento do Ministro da Fazenda. Essa enganosa
facilidade é causa da superpopulação de poetas que infecta agora nossas
letras. O modernismo teve isso de catastrófico: trazendo para nossa
língua o verso livre, deu a todo mundo a ilusão de que uma série de
linhas desiguais é poema. Resultado: hoje, qualquer sub-escrevente de
município, com um pouco de zelo, qualquer ninfeta desiludida com o
namorado, qualquer balzaquiana desorientada em seu ambiente familiar, se
julgam habilitados para competir com Joaquim Cardozo ou Cecília
Meireles. O que nós poderíamos adicionar então, agora?
LT –
E a atual produção em língua portuguesa, o senhor acompanha?
RA –
Dentro do panorama aludido em minha
resposta anterior, e com respeito à produção de poesia, percebo, ao
mesmo tempo, que têm países que, todavia não têm se afundado na regra
geral. Além do Brasil, é claro, com o qual mantenho uma ativa relação,
estão os países europeus, um deles é Portugal. Na medida do possível, e
com as dificuldades que todos conhecemos (já não há em Buenos Aires
aquelas livrarias especializadas em literatura estrangeiras) e graças a
certos amigos e a certas publicações, trato de seguir em contato com a
poesia e a literatura que se escreve em português. Quase no mesmo
instante que se deu início minha empatia com o Brasil, e por razões
muito similares, me descobri muito jovem traduzindo, também na Poesia
Buenos Aires, não apenas Pessoa, naqueles tempos praticamente
desconhecido, mas também outros poetas portugueses que estreavam, em
meio à noite salazarista, como António Ramos Rosa o Egito Gonçalves. E
depois Mário de Sá Carneiro, Adolfo Casais Monteiro, Sophia de Mello
Breyner Andresen, Carlos de Oliveira, Mario Cesariny. E até, faz muito
pouco tempo, foi algo fundamental para mim o encontro –em Buenos Aires–
com José Augusto Seabra, um humanista exigente e fraternal,
lamentavelmente falecido.
LT –
Dentro de uma perspectiva humanista, quais são os maiores desafios para
os intelectuais do século XXI?
RA –
Primeiro, é continuar sendo um
intelectual. Que, se forem capazes de refletir criticamente no meio
deste sedutor pesadelo de banalidade universal, vão se tornar
absolutamente imprescindíveis. Por outro lado, intuo que, não somente
aos supostos intelectuais, se não, na realidade, a qualquer homem
consciente de sua própria condição, será inevitável defrontar-se com os
gravíssimos problemas de sobrevivência. Os limites do famigerado
capitalismo selvagem globalizado já não serão orientados por
perspectivas de justiça econômica, política ou social, senão por razões
ecológicas elementares: o planeta não suportará. E as graves
conseqüências ecológicas não se limitarão à Natureza, ao nosso habitat,
mas já estão afetando – e desde muito tempo – à própria condição humana.
Uma autêntica perspectiva ecológica não só deverá seguir levando muito
em conta os danos ao planeta, se não, também, ao mesmo tempo, o custo
que tudo isto tem sido para nós, os seres humanos, enquanto espécie.
LT –
E a Internet, não seria um espaço de maior democratização, de maior
atuação política e intervenção artística?
RA –
Temo que não. Não me parece que a Internet
seja inócua, inclusa em si mesma. E, por outro lado, é evidente, está
inscrita no marco geral ao que alude minha resposta anterior. Neste
tema, aqui volto a coincidir com meu admirado e querido amigo Tomás
Maldonado, cujo o Crítica da razão informática (Paidós,
Barcelona, 1998), editado originalmente na Itália e onde praticamente
esgota o tema, acabo de reler: “estimo mais provável que um acesso
indiscriminado da informação pode conduzir-nos na realidade não a uma
forma mais avançada de democracia, se não apenas a uma forma mais
sofisticada de controle social e de homologação cultural”. Como bem é
dito, não é que eu me oponha aos benefícios que as novas tecnologias
podem apontar-nos, mas que nos recusemos a suspender, com respeito às
suas conseqüências, uma permanente atitude de avaliação crítica. Bom,
sei que gente bem intencionada imagina que uma sociedade altamente
informatizada poderia nos aproximar de uma maior democracia, mais
direcionada, mais profunda. Porém não deixa de inquietar-me por demais,
junto com Maldonado, que “Com o fim de publicitar tão cenário, as
grandes multinacionais da informática e da comunicação tem posto em
marcha uma muito eficiente maquinaria de consenso político-cultural e
comercial”. Para sintetizá-lo, com extrema clareza, em uma simples nota
ao pé da página: “Ou seja, como os proprietários dos meio condicionam as
mensagens”.
LT –
O senhor também se notabilizou enquanto tradutor. Qual poeta lhe
apresentou maiores dificuldades e qual mais lhe agradou?
RA –
Ainda que tenha intentado desde sempre,
coisa que por um lado me parece humanamente irrenunciável, a tradução de
uma grande poesia lograda em outra língua será sempre uma utopia. Como
bem disse Carlos Mastronardi: “Tudo é traduzível, exceto a linguagem”.
Eu somente posso encará-la com os poetas e as línguas frente aos quais
me sinto em empatia (francês, italiano, português). É dizer que, ainda
que me proponham, há textos aos quais tenho renunciado: Mallarmé e
Leopardi, por exemplo. E, entre os brasileiros, Mário de Andrade, cuja
muito peculiar personalidade lingüística é quase intransferível. Tenho
me sentido muito confortável na tradução de Pessoa e também de Drummond
de Andrade ou Murilo Mendes. E até com Olavo Bilac, inclusive, ao que
houve momentos onde temi frustrar-me frente às exigências
imprescindíveis de som e sentido. Entranhar-me em Manuel Bandeira,
somente em aparecia tão acessível, foi uma maneira de lê-lo melhor, mais
a fundo, por dentro. Coisa que, depois de tudo, é o que justifica todo
intento legítimo de tradução de poesia.
LT –
No ultimo ano o senhor ganhou muitos prêmios, tanto na Argentina quanto
no Brasil. Quais são seus planos para o futuro? Guarda alguma obra
inédita ou em curso?
RA –
Nunca me pareceu razoável que a dimensão
de uma obra se meça apenas pelas recompensa que se recebe. Se bem que
não se sabe o quanto de azar, de coincidência, pode haver nestas
questões. Para mim os prêmios somente admitem relevância quando foram
gerados espontaneamente, sem estratégia e sem astúcia. E de maneira
especial quando os colegas os produzem, escritores, que muitas vezes nem
se conhecem. Como bem reiterou Paul Valéry: “As maiores glórias
imagináveis em uma glória é a que permanecerá sempre ignorada daquele
que a obtém”. Ou, melhor ainda, “A glória deve obter-se como sub-produto”.
De forma mais modesta, porém mais precisa, também antecipou José Pedroni:
“A glória é um verso recordado.” O generoso, invalorável reconhecimento
de meu querido Brasil, tem sido uma das maiores emoções de minha vida:
um autêntico caso de amor correspondido. Por certo, um verdadeiro
escritor sempre tem de ter algo inédito, que não se anima a publicar.
Porém, eu necessito que os poemas, por exemplo, me digam eles mesmos, e
que me façam sentir se adotaram a forma de livro. E isso me faz
esperá-los, dar-lhes seu tempo. Em meu caso em particular, por outro
lado, existe uma certa quantidade de textos em prosa, muitas vezes de
circunstância ou de intervenção, que me pedem para não desaparecer com
as páginas de revista ou do periódico onde geralmente foram publicados.
Uma parte deles tem voltado a tomar recentemente forma de livros: A
voz sem amo é um, e República de vento outro, que já estão em
processo de edição. Encantaria-me, e às vezes me assusta, me paralisa,
que houvesse editores que continuassem publicando minha poesia completa,
da qual já apareceu milagrosamente um primeiro tomo, que reedita meus
seis primeiros livros, e cujo título: A favor do vento, imagino
também para todo o conjunto. Dá-me uma enorme alegria que antologias de
minha poesia continuem aparecendo em países queridos e irmãos: existem
duas em execução no México e no Chile, e outro projeto previsto na
Venezuela. Porém me agradaria também ser lido na pátria do meu sangue,
Espanha, e nas outras duas pátrias de meu espírito, Brasil e Itália.
Dirão os deuses. Eu me deixo levar. |