REVISTA TRIPLOV
de Artes, Religiões e Ciências


Nova Série | 2011 | Número 19-20

 

 

 

JAYRO LUNA

ALMANDRADE:

Três poemas do Mínimo Visual

 

 
 

EDITOR | TRIPLOV

 
ISSN 2182-147X  
Dir. Maria Estela Guedes  
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Almandrade, «HomeMulher»

Almandrade, «Seios»

 

Comento aqui três poemas visuais de Almandrade, poeta visual brasileiro que vem se destacando pela sua produção de qualidade teórica e estética no âmbito da poesia de vanguarda.

O nome do poeta já conota toda uma estratégia poética. Antônio Luiz M. Andrade, cujas iniciais formam A.L.M.A., daí o compósito “Almandrade”. Mas esse é o país dos “andrades”: Mário de Andrade, Oswald de Andrade, Carlos Drummond de Andrade... Destaco que “Almandrade” lembra também o proparoxítono “Sousândrade”. Assim temos uma reunião de nomes de poetas marcados pela irreverência, pela ousadia e, principalmente, pela radicalidade da invenção.

Num verbete do site “Expoart”[1] li acerca de uma estratégia minimalista nos poemas que aqui comento. De fato, é possível perceber uma economia de meios nos poemas que apontam para um processo centrípeto de síntese que une significado e significante no código verbal de tal forma que os aspectos visuais do grafema se destacam como elemento significativo semântico e estético do poema.

O primeiro poema que comento é “HomeMulher”. O poema se forma da justaposição do “M” final de “Homem” com o “M” inicial de “Mulher”. O “M” é destacado no tamanho e na forma, constituindo-se duma linha fina que ocupa todo o espaço central do poema. De um lado fica o semema “Home” - significando casa, do inglês - do outro “ulher” que pode ser dividido em “ul / her”, parte de terminação sufixal do inglês (beautiful, wonderful, spoonful) e pronome. Os sememas dos extremos formam “home her”, o que confere um sutil domínio do feminino sobre o masculino, domínio que ainda se desdobra no âmbito dos grafemas/fonemas, uma vez que o “H” inicial de “Homem” não tem som nessa palavra, mas forma um dígrafo sonoro em “muLHer”, por sua vez, o “M”, grafema da união das duas palavras e que inicia a palavra “mulher” aparece duas vezes em “hoMeM” com forte significância sonora. Assim esse “homeMulher” não é apenas a união de “homem” e “mulher”, mas é também a feminilização do masculino, mais do que a “masculinização” do feminino. Lembramos aqui, do mito adâmico de caráter esotérico, gnóstico, que conferia ao ser humano primordial a condição de ser “homem” e “mulher” e que após a separação dos sexos surge a constante busca de um no outro.

O segundo poema que comento é “Seios”. Nesse poema o “i”, bem ao centro da palavra é destacado em tamanho tal que separa o espaço do poema em duas partes. De um lado “se”, de outro “os”. O “i” é o espaço entre os “seios”, estes, por sua vez, configurados pelas formas das linhas sinuosas e curvas das letras “s” e “o”. Os sememas “se” e “os” formam o início de uma frase condicional, interrompida: “se os...”. O condicional é o elemento que qualifica, por um lado, o poema. Os “seios” representam a concretização de possibilidades condicionais. Podem significar maternidade, mas por outro lado, sensualidade e desejo. O “i” cortando espaço e sendo formado por dois segmentos de reta, um menor e superior para representar o “pingo” e o outro, maior, para o corpo da letra, sugerem um zíper a ser aberto, para que se possa ver por sob a camada da palavra/roupa a coisa concreta que ela representa. Lembro que quando trabalhava de auxiliar de escritório um dos pequenos truques que fazia na máquina de calcular era digitar o número 50.135 e virando a máquina ao contrário se podia ler no mostrador a palavra “seios”, Almandrade faz aqui algo mais intenso e poético. Não inverteu a posição, mas destacou um elemento formal que estava ali na palavra, oculto, impregnado pela visão mecânica de leitura linear.

Em “Voz” - terceiro poema - o “o” é dimensionado para parecer um enorme balão ou ovo, dentro dele um balão de comics, de linhas retas (um quadrado) em que se lê/vê inscrito a letra “x” vazada. A voz assim se constrói pelos balões, é a fala representada nos quadrinhos. O “o” surge como uma janela, uma abertura dentro da significância da palavra, uma abertura para a visualidade e esta, por sua vez, materializa a representação da “voz” pelo balão. O contraste entre círculo (“o”) e quadrado do balão conota uma das mais teóricas discussões da geometria matemática e da esotérica: a curvatura do círculo. A fala “x” é o mistério, o enigma que no poema é a relação entre palavra e coisa, significante e significado, forma e conteúdo. Notemos ainda que a seqüência v/x/z sugerida na leitura do poema corresponde às três últimas letras do alfabeto português até tempos recentes quando as letras “k, w, y” foram consideradas como letras estrangeiras. O “x” que falta para dar significado à seqüência e formar uma palavra é o “o” imenso, cuja dimensão mais concretiza visualmente o sentido da palavra.

Almandrade consegue assim, economicamente, sinteticamente, revelar o que estava oculto, mas visível na palavra. Oculto porque não se via o que está lá para ser visto antes de ser lido. Num texto acerca da poesia de Wlademir Dias-Pino, Almandrade[2] escreve algo que também bem pode se referir aos seus próprios poemas:

“A mão do poeta inventa e relaciona imagens, mobiliza o pensamento de quem olha na busca de uma história, ou melhor, de uma pré-história das artes gráficas e sua poética. Uma performance da visualidade que viaja no tempo e exige de nós uma contemplação provocante.”.

Almandrade nos oferece com seus poemas uma “performance da visualidade” que exige sem dúvida do leitor uma atitude de “contemplação provocante”. A economia de meios se por lado indica uma poética minimalista, doutra parte é também uma síntese complexa de elementos, seus poemas são quase como pantáculos, chaves poéticas que o iniciado deve analisar sob vários ângulos e possibilidades de estratos: fônicos, semânticos, semióticos, lingüísticos, geométricos, etc. para poder no âmbito das relações dessas possibilidades ver a dimensão e o alcance simbólico ali contido.

Jayro Luna

   
 

 

Almandrade, «Voz»

 

 

 

Almandrade (Antônio Luiz M. Andrade, Brasil)
Artista plástico, arquiteto, mestre em desenho urbano e poeta.
Participou de várias mostras coletivas, entre elas: XII, XIII e XVI Bienal de São Paulo; "Em Busca da Essência" - mostra especial da XIX Bienal de São Paulo; IV Salão Nacional; Universo do Futebol (MAM/Rio); Feira Nacional (S.Paulo); II Salão Paulista, I Exposição Internacional de Escultura Efêmeras (Fortaleza); I Salão Baiano; II Salão Nacional; Menção honrosa no I Salão Estudantil em 1972. Integrou coletivas de poemas visuais, multimeios e projetos de instalações no Brasil e exterior. Um dos criadores do Grupo de Estudos de Linguagem da Bahia
que editou a revista "Semiótica" em 1974. Realizou cerca de treinta exposições individuais em Salvador, Recife, Rio de Janeiro, Brasília e São Paulo entre 1975 e 2011. É um dos principais nomes da poesia visual no Brasil.

   
 

JAYRO LUNA (Brasil)
Prof. Dr. de Literatura Portuguesa, Literatura Brasileira e Teoria Literária.
Doutorado e Mestrado pela FFLCH/USP.
Poeta Premiado do Concurso Projeto Nascente I e II (USP / Abril Cultural).
Criador do Conceito de Metamodernismo e da Teoria do Neo-Estruturalismo Semiótico.
orfeu_spam@jayrus.art.br
www.jayrus.art.br/index14.html

 

 

© Maria Estela Guedes
estela@triplov.com
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