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A expressão “quinze minutos de fama” referia-se geralmente a uma pessoa
anônima que ganha notoriedade de maneira repentina, muitas vezes em
razão de algum escândalo de que participa voluntária ou
involuntariamente, de um programa de televisão ou algum fato de grande
cobertura na mídia. Hoje, não há como deixar de relacionar a expressão a
fenômenos da Internet. Afinal, poucos são aqueles que, gostando de
escrever e expressar seus sentimentos, ainda resistem à criação de um
blog, enquanto os mais afortunados preferem mesmo encomendar um site a
um webdesigner.
Mas há os verdadeiros anônimos, ou seja, aqueles que nunca freqüentarão
a Internet nem terão seus nomes localizados numa busca do Google, que
vivem uma vida cinzenta, ainda que, muitas vezes, tumultuadas em suas
relações com o semelhante. E que nunca terão o rosto estampado numa
coluna social, ainda que de uma gazetilha de bairro. Para arrancá-los do
limbo só mesmo o olhar arguto de um contista daqueles capazes de
registrar no papel um instante de vida, já que, geralmente, a trajetória
dessas pessoas comuns não sustentaria um romance ou uma novela mais
alentada.
É que o que fazem em Histórias invisíveis, com indisfarçável perícia,
Mônica Rebecca Ferrari Nunes e Marco Antonio Bin, professores
universitários por profissão e observadores do cotidiano por compulsão,
ao resgatar personagens do espaço urbano da cidade de São Paulo nos 12
contos reunidos neste livro. São contos que “procuram fazer visíveis
pequenas e grandes dores, o que se acha sem procurar, o que atropela uma
segurança não tão segura”, como diz na apresentação Jerusa Pires
Ferreira, professora do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e
Semiótica da Pontifícia universidade Católica (PUC), de São Paulo. E
que, muitas vezes, escondem ou disfarçam uma parte da verdade para
desafiar o leitor a descobri-la, ou seja, levá-lo a gastar mais alguns
instantes para imaginar o que teria sido a vida dos personagens além do
conto e, dessa forma, reescrevê-lo à sua maneira.
II
No conto “Elvira e Ribeiro” – aliás, os 12 contos levam por título os
nomes de seus personagens –, lê-se a história de um amor de encanecidos:
Elvira, 67 anos, portuguesa, viúva, vivia sozinha num pequeno
apartamento no centro de São Paulo, “sem crianças em porta-retratos, sem
bordados madeirenses sobre os móveis coloniais”. De Portugal, a vaidosa
Elvira guardava os discos de fado, fadista amadora que era.
Frequentadora da Biblioteca (Mário de Andrade, com certeza, ainda que
não explicitada), logo passou a fazer parte de um grupo de leituras. E
conheceu um amigo, também viúvo, o Ribeiro, 70 anos, que tinha um filho
que morava no interior e era dono de um cão vira-latas malhado, o Argo.
“A idade, em Elvira, nada lhe roubava a volúpia nem lhe corrompia a
beleza erótica, o feminino afeito às jóias trazidas dos tempos d´África,
aos sândalos e às cores quentes que usava”, escrevem. Por aqui se vê o
estilo dos autores que vai preparando o leitor para o final insólito.
Já em “José Anísio” o que o leitor vai encontrar é um perfil bem acabado
de um zelador de prédio, de idade aproximada de 60 anos, que
desempenhava o seu serviço havia pelo menos vinte anos, no mesmo
endereço, na Avenida São Luís, no tumultuado centro velho da megalópole.
Respeitado por sua discrição, gostava de circular pelos andares, ouvir
as queixas dos moradores, tomar as providências que lhe cabiam. Dividia
com o filho mais velho um cubículo no oitavo andar do prédio de que
cuidava, mas a família e seus outros cinco filhos viviam numa casa da
periferia, a que só de tempos em tempos voltava. Por isso, sonhava com a
aposentadoria e o dia em que não precisaria mais viver no coração da
grande cidade.
Em “Jonas e Valeriana”, acompanha-se o amor de uma atendente de balcão
de uma panificadora por um padeiro – não o proprietário, mas o humilde
fazedor de pães –, sua vida modesta de quem trabalhava doze horas por
dia, fazia viagem de uma hora e meia, tanto na ida como na volta do
emprego, chegando em casa por volta das oito da noite, “até seu cantinho
de três cômodos que dividia com duas amigas”.
O leitor, porém, está diante de um padeiro pouco usual, personagem
dostoievskiano, que aproveitava seus quinze minutos de descanso para
escrever cartas à mesa da cozinha. E de uma atendente de balcão que, em
vez de se imbecilizar diante de uma televisão, preferia passar as horas
de folga a ler livros de ficção. Valeriana nunca haveria de perguntar a
Jonas o que lhe dava tanto motivo para escrever, “e pensava no romance
que ele escreveria, os personagens, os lugares, a história, e sorria
timidamente ao imaginar-se descrita por Jonas...” O desfecho, mais uma
vez, surpreende o leitor, pois acompanha a desilusão de Valeriana,
diante da indiferença do companheiro de trabalho, que a levaria até a
largar o emprego. Mal saberia Valeriana que as cartas que Jonas
escrevia, como os sinos de John Donne (1572-1631), eram escritas para
ela.
Como se constata por aqui, estes são contos com fluência textual e
estilística muito próxima da oralidade que mostram retalhos da vida na
cidade grande, sem deixar de recorrer à ironia satírica, que, por isso
mesmo, lembram alguns textos de Machado de Assis (1839-1908), até mesmo
pela leveza do tom e pela sutileza. E, principalmente, por causa de seus
desfechos que mais insinuam do que informam ou explicitam, levando o
leitor a imaginar o que teriam sido aquelas vidas além daquele instante
registrado (congelado) na página.
III
Mônica Rebecca Ferrari Nunes é professora universitária, com doutorado e
mestrado em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP, além de pesquisadora do
Centro de Estudos da Oralidade (PUC-SP) e do Centro de Estudos de Música
e Mídia da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP).
Publicou O mito no rádio (São Paulo: Annablume, 1993), A memória na
mídia (São Paulo: Annablume/Fapesp, 2001), entre outros escritos
teóricos.
Marco Antonio Bin é escritor e professor universitário, com doutorado em
Ciências Sociais e mestrado em Comunicação e Semiótica, ambos pela
PUC-SP. Publicou a coletânea A paixão inútil (1997) e foi vencedor do
concurso de dramaturgia da Associação do Pessoal da Caixa Econômica
Federal (Apcef), em 1991, com a peça Chatila, entre outras premiações.
Mantém o blog de política, literatura e cinema
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