Se nos pedem um
poema, num qualquer dia de Abril
a nós que moramos
entre o exílio e o reino
que é como quem
diz entre a hora do lobo e a hora
do cigarro, devemos
responder: “Sim senhor. Vá com Deus.
Lá o terá, em tempo”.
Ou, entrando na verdade – entrando
na grande manhã –
dizer logo que não
que ultimamente os
meses nos aborrecem
que há um som
inquietante à hora de deitar
em suma, estamos a
Sul
da tal alegria, do
tal raminho de hortelã
como quando em
criança isso bastava ao velho olhar
de um dia a outro
dia: segunda, sexta-feira…
Mas descrevamos os
meses, descrevamo-los
como mapa deslindado
ou então como simples hipótese
(ou seja, maravilha
abandonada, imagem temerosa
que o acaso nos
ofertou, coisa feita de somenos
ou de somais
realidade legítima ou sinistra): descrevamos
Janeiro, lugar onde
há um rasto de sangue numa pedra
ou Fevereiro, o
tempo em que a voz disse coisas inúteis
e Março, paraíso dos
calendários e dos planetas que rodam
no céu de Abril
quando a cinza cobre os campos e as fontes.
Olhemos Maio, pátio
lajeado onde a chuva já não tamborila
a não ser que uma
certa mão faça deter as horas
e olhemos ainda
Junho, e façamos uma pausa
para pensar, por
fora do poema, em coisas como uma sala vazia
um rumor de passos
atravessando o antigo corredor
e a lembrança dos
outros países de mistério
para sempre
desaparecidos. E Julho, com os seus vultos imprecisos
com nuvens e ventos
e outra quinquilharia poética, que
no entanto prende as
horas de realidade ou de abandono
dos minutos de
Agosto, lugar verdadeiramente ausente
- que nisto não há
simulações, apesar do que se possa conceber
e a cada ondear do
poema corresponde uma recordação
ou uma tristeza ou
uma
perda de coisa ou
pessoa, de imagem ou reflexo
(esse Agosto das
flores mortas sobre rostos de pedra) –
E então chega
Setembro, a antecâmara dos finos silêncios
quando uma linha
traçada num papel pode representar o adeus
e já se anuncia
Outubro, guindaste sobre uma ponte derrocada
para que o Natal se
apresente com as amplas figuras do mundo
e os ventos tornados
brisas de angústia e de lembrança desaparecida.
E antes ficou
Novembro, com plantas que se estendem sobre os corpos
com dias de
aniversário que os anos foram devorando, com
algumas velas no
mar, alguns animais passeando entre as árvores.
O Novembro dos seres
e dos não seres imateriais e algo solenes
por vezes com vinho
novo dentro e fora do que se escreveu
e os olhos em
amêndoa e plantas exóticas pelos cantos.
Os meses têm o seu
minuto e o seu perfil
chegam sem que a
gente se dê conta e então é tarde demais
eles oscilam por
vezes como se o cansaço os apertasse
entre designações
ora vagas ora luminosas (como a chama duma vela)
e mal nos distraímos
é de novo madrugada.
E eis que já
partiram, com seu logro e sua bondade
como vagabundos ao
luar, olhando os horizontes exactos
naturalmente
reconhecidos, amados com sua eternidade
ou ironia.
(Por Luís
Vintém/Eduarda Dionísio, para a revista “Abril em Maio” - Lisboa) |