Quando parteiras e mulheres indígenas questionam programas de
esterilização, quando pajés e curandeiros se reúnem nas matas e
montanhas, ou quando líderes interceptam estradas ou hidrelétricas na
defesa de suas terras, o fazem para defenderem suas tradições e
meio-ambiente. Isso é voz!... A voz da biodiversidade indígena.
Quando indígenas criam grupos de dança, músicas, grupo de teatro, coral
infantil, quando promovem imprensa escrita na Internet, promovem a
literatura indígena (oral ou escrita), o fazem no objetivo pleno de
difundir informações e comunicações que não conseguem, devido à
desvalorização dessa cultura milenar, que por questões históricas,
éticas, precisa finalmente ser reconhecida e respeitada na prática e
porque não também, ser atendida por uma política compensatória, através
de ações afirmativas, implantadas nas políticas públicas. A Lei 11.645
que orienta ao ensino étnico nas escolas é um caminho que precisa ser
mais fortalecido pelas Secretarias de Educação e Cultura.
Todas essas variantes fazem parte da cultura indígena e estão
interligadas numa única cosmologia: o território ancestral, o espaço
ético, mítico, místico, mágico e sagrado da ancestralidade fortalecidos
pelos anciãos e anciãs e perpetuados pelos jovens, através da educação
informal e natural, reforçados pela educação formal, daí a importância
também da Universidade Indígena, dos Círculos dos Saberes, para atender
a uma educação diferenciada. Essa visão indígena é uma grande
contribuição de vida para a sociedade brasileira que precisa ser
estimulada para um respeito à diversidade cultural, onde a cultura
indígena seja também um expoente.
Nossas ervas medicinais, nossa cerâmica marajoara de origem indígena,
nossos alimentos tradicionais, nosso guaraná, cupuaçu, nossos lugares
sagrados, nossas terras, nossos cemitérios, nossas cantigas, histórias e
lendas, nossas orações, nossos cânticos sagrados, nossa caça, nossa
pesca, nossa educação, saúde e agricultura são as nossas vidas. Essa
cosmologia pode ser difundida na sociedade de informação, fortalecida
pelas Redes de Comunicação Indígena, pelas rádios comunitárias, pela
internet através dos sites, pelos canais de televisão, e mesmo pelas
Conferências ou Seminários indígenas, olho a olho ou virtuais, mas não
mais precários, mas de uma forma digna, tecnológica, científica,
educativa e sistemática, apoiada pelo GOVERNO. Assim abrimos espaços nas
Feiras de Livros, a exemplo da FNLIJ, FLIFLORESTA, FLIMT, entre outras
que estamos percorrendo. É uma vitória.
É
um desafio que deve ser ultrapassado através da conscientização, da
capacitação, da formação técnica, da criação de bancos de dados
indígenas para garantir todo acervo histórico, garantindo suas patentes,
conhecimentos e propriedade intelectual. A cultura tradicional também
sofre evoluções com o modernismo e tecnologias. Essas tecnologias devem
ser usadas como ferramentas para a defesa dos direitos indígenas.
Desenvolvimento para povos indígenas deve ser um processo que coaduna
cultura tradicional e novas tecnologias e novas esperanças. Povos
indígenas devem se espelhar neste modelo de desafio, como foi na FLIMT,
Feira do Livro Indígena de Mato Grosso.
Por esses conhecimentos tradicionais vou contar uma história aqui:
“O primeiro
choro foi anunciado na região leste do Brasil, justo do lado do sol, na
terra dos Tamoios, em 29 de setembro de 1950_ no dia do protetor dos
Potyguara_ povo catequizado pela igreja há mais de cinco séculos: Era
dia de São Miguel. Foi um grito sufocado de quem não queria vir, mas com
o esforço dos guerreiros e guerreiras cosmológicos que ajudaram no parto
tradicional, eu nasci de minha mãe, uma linda mulher, uma sacerdotisa
das águas. Nasci carioca de avós e família indígenas desaldeados vivendo
literalmente nas ruas e depois num agrupamento indígena, no Morro da
Providência, atrás da Central do Brasil, depois descendo para a Rua
General Pedra nº 263, numa comunidade de imigrantes da 2ª Guerra
mundial, misturados com as prostitutas da Região do Mangue.
Eu tinha muita
fome e logo me alimentei de meu próprio dedo polegar esquerdo, e ainda
me lembro da cicatriz de tanto que o chupava e o mordia. Nasci
precisamente um ser humano dessa vez, ou melhor, uma ser humana,
coincidentemente ou não, do gênero feminino, pobre, de origem indígena
de avós indígenas nordestinos, imigrantes no Rio de Janeiro. Nasci um
lindo bebê, apesar de tão magrinho!
Interessante é
que minha avó era analfabeta e desenhava o seu nome quando pediam e,
muito mal marcava com tinta roxa, os documentos com o dedo polegar. Meus
pais mal completaram o curso primário. Tios e tias eram analfabetos. Foi
o caos!
Já nasci
predestinada a pertencer a uma estatística esmagadora de pobres e
excluídos social e economicamente no mundo.
O que seria a
pobreza, eu sempre me perguntava? Já que ninguém me respondia, então
comecei a dar vida a meus pés, aos meus próprios olhos, a visão, as
janelas da alma!
O olhar
foi minha grande arma contra o espírito obsessor de tudo aquilo que
queria se impor de forma estranha à minha frente. Criei meu próprio muro
e do lado de cá, comecei cedo a eleger e me relacionar com o bem, com a
paz e a justiça. E elegi esses dons como bandeiras por toda uma
existência. E elegi também a palavra como minha arma, aquela que se
atira ao vento, que flutua e ecoa nos ouvidos e espíritos humanos.
Foi precisamente
o “olhar” minha primeira ação política que definiu e ainda
define meu estar no planeta Terra... Meus olhos saltitavam e iam atrás
das palavras!
Nossa Casa Ancestral
Em que corpo
estás?
Estás no ar, no
sol, na luz
Estás no
infinito
Estás nos
séculos
Tão poucos
séculos, diante da nossa eternidade
E quando nos
veremos?
Sinto-te sempre
Na música, no
sol, nas águas
No calor, no
frio, nos ventos
Em cada estado,
país ou continente
Sinto-te sempre
meu amor
Apesar do que
fizeram conosco!
Mostra-me o caminho
Mostra-me em
sonhos
Em cânticos, a
nossa libertação.
Intocável é a nossa Casa
Nossos filhos
cresceram, morreram e renasceram.
Tornaram a
morrer
Nossos filhos
indígenas
Quase estão
cegos pelo que aconteceu naquele dia
Muitos não
reconhecem mais a sua mãe
Até as costas
lhe deram
Pouco restou das
cerimônias
Somente a dança
com fé.
E não reconhecem
mais a filha do pajé
Lembra-te das cerimônias sagradas
Quando
banhávamos nus?
E que nossos
corpos penetravam as profundezas do Planeta Terra?
Mergulhávamos e
trazíamos
Dezenas de
crianças
Filhas Dela!
Mas meu amor
Dá--me tuas
fortes mãos
Leva-me em tuas
grandes asas sagradas
E dá-me força e
poder
Porque o
implacável Criador
Manda-me voltar
séculos e séculos
E a ele levar a
sagrada Raiz da Lagoa Akujutibiró
A sagrada Raiz?
Está coberta de
lama endurecida
Pelo peso da opressão dos séculos
E minhas mãos
indígenas de mulher
Ainda estão
frágeis e sangram
E se ferem nos
espinhos dos pântanos!
Tento me esconder na barriga da Mãe-Terra
E esquecer
nossos filhos
Mas vejo Tupã
chorar
Vejo nossos
filhos sofrerem
Então... O
espírito do mar
Uma grande
névoa azulada
Envolve-me,
seduz-me, encanta-me
E levanta-me na
chama guerreira
E faz-me falar,
cantar e gritar...
Até que um dia
Os nossos
filhos mortos, nascidos, e renascidos
Possam relembrar do olhar, docemente,
Da luz
envolvente
E da tinta de
jenipapo
Cravada pelo
Grande Espírito em nossa cara.
***
Apesar de ter
nascido com várias identidades, a melhor que eu gostava, era a de ser
interplanetária, mas quando eu olhava minha avó, uma mulher de traços
fortes, olhos rasgados, pele ressecada pelo sol nordestino e oceânico
indígenas, suas lágrimas, eu me preocupava. Seus seios e ventres eram
proeminentes, eu percebia nitidamente, o sofrer daquela mulher. Eu não
sabia o que era o sofrer. Eu viajava nas suas lágrimas que às vezes
vinha com o alcoolismo escamoteado. Eu me indignava!
As minhas
primeiras perguntas da minha vida foram precisamente essas: O que era a
pobreza? Porque chorava minha avó?
Quando eu tinha
seis anos, minha avó me deu uma pedra de cor verde alface clara, de uns
20 cm, quase que transparente.
À tardinha vovó
contava histórias e, eu e minhas pequenas mãos manuseávamos aquela pedra
como que algo magnético, mágico, poético e porque não dizer cosmológico.
Meu olhar fixava naquela pedra e meus ouvidos nas histórias de minha avó
Maria de Lourdes de Souza. Essa pedra era a extensão cosmológica de
nossa cultura indígena, o lado que não se podia tocar, era a história, o
lado imemorial, o transcendental, o espiritual possivelmente, a essência
de nossas vidas. Isso nos pertencia verdadeiramente? Representava a
cultura de nossa família? Representava a cultura e extensão cultural de
um povo colonizado, catequizado? Seria o que a líder e pajé Potyguara
Maria de Fátima Potyguara, assim como os velhos e velhas, chamavam de
“mesinha” (cultura de mesinha)? Certamente que sim!
Essa extensão
celular de uma cultura generalizada era parte do todo. Minha pequena
vida e pequena história faziam parte de um contexto social, político e
econômico. Tinha origem, tinha nome, tinha etnia. Então eu existia.
A cultura
indígena, na minha família ia além daquilo que podemos ver, ia
inclusive, além da representação territorial, e que me perdoe a ciência
antropológica. Um povo, mesmo fora dessa representação territorial, é
capaz de manter-se vivo e fazer perdurar sua cosmovisão, por mais
esfacelada que ela esteja. Manter-se firme e verdadeiro à sua
ascendência é fidelidade e dignidade contra o espírito da destruição.
Nos anos de 2000
surge no cenário indígena a jovem Dra. Lúcia Fernanda Jófej, da etnia
Kaigang do Sul do Brasil, uma das primeiras advogadas indígenas no
Brasil, extremamente inteligente, grande oradora_ que simbolicamente
acalentei em meu colo com definições teóricas sobre propriedade
intelectual dos povos indígenas, era filha de minha amiga e líder
indígena Andila Inácio que muito eu admirava. Ao ouvir dessa jovem
mulher indígena de garra, me lembrei de tudo que havia vivido com minha
avó e família indígenas depauperadas pela neocolonização do algodão na
Paraíba. Esse era o berço de minha doce avó e madrinha. Realmente uma
líder formadora de opiniões. São histórias que o/as jovens não entendem
e mal podem aceitar ou reconhecer. São histórias que não foram contadas
e nem são permitidas essa contação. São coisas de gente muito velha, e
de velhos e velhas que não têm espaço nem vozes nesse país, ainda. Eu
sou fruto desse processo.
Na Conferência
do Enlace Continental de Mujeres Indígenas, no Canadá, no território dos
Mohaks, em junho de 2007, as mulheres jovens e anciãs transformavam o
IMEMORAL de nossas vidas em teses e declarações, planos de ações
políticas para a defesa da cultura indígena em todo o mundo. Indígenas e
indigenistas brasileiros ainda precisam perceber essa imemoriabilidade
não contada, não expressa no óbvio, nas aldeias e na cultura. Muitas das
vezes, história a ser contada pode não ser um requisito necessário. O
obscurantismo, o segredo não revelados podem ser os caminhos da
perpetuação da ética. Há muito mais além do que os olhos possam
perceber.
As lágrimas de
minha avó e o olhar estagnado no ar formavam o resultado da violação aos
direitos humanos das mulheres indígenas, mais precisamente o resultado
da descriminação racial e social que burlava a memória ancestral, as
histórias, a espiritualidade indígena de uma família.
Enfim, parte
perdida, célula solta, desgarrada, discriminada internamente, não
reconhecida até pelo seu próprio povo, porque minha família não ficou
lá, nenhuma única voz para contar essa história. A existência dessa
família caiu no anonimato e no esquecimento, uma cruel realidade. Essa
parte pode estar perdida no contexto comunitário, territorial, mas não
está perdido no contexto cosmológico, imemorial e visionário. Assim tem
acontecido com muitas famílias indígenas “destribalizadas” por qualquer
tipo de problema.
Eu não poderia
deixar de falar desse conceito ao falar de minha vida. E foi exatamente
ali, naquela pedra verde alface que o mundo cosmológico se formou em
minha mente, através das histórias que a minha avó_ uma vendedora de
bananas_ contava, enquanto retirava lêndeas de meus cabelos negros e
lisos. Ás vezes eu sentava entre as pernas de minha mãe, e num calor e
carinho sobrehumanos, horas e horas as pobres lêndeas eram dilaceradas
entre as unhas dos dois polegares de mamãe. Eu quase dormia e entre uma
soneca e outra eu dava um pulo e um grito de incômodo, para não dizer da
dor da puxada de cabelo, quando mamãe arrancava aquele animalzinho
intruso e ele se recusava a sair. Os piolhos parecem que adoravam também
o carinho das mulheres por isso adorava aquele calorzinho capilar!Quem
não gosta de amor, carinho e histórias?
Depois vovó me
dava o café da tarde, beiju caseiro, inhame ou fruta-pão quentinho que
eu adorava!
Foi nesse
cenário que vivi a minha solitária infância, mas cheia de amor.
Por causa do
deslocamento total interno da família para o Rio e Janeiro, as mulheres
da minha casa não permitiam que eu brincasse com outras crianças e me
aprisionaram num quarto durante toda a minha infância, onde eu dormia
num baú doado pelos portugueses, imigrantes da 2ª guerra mundial. Eu
nunca me lamentei pela perda da infância, a infância normal de todas as
crianças. Eu agradeço a proteção e a forma cultural de educação
indígena. Foi por essa proteção que acabei nascendo uma anja um pouco
torta. Ninguém é perfeito não é? Amigas de minha família diziam que eu
era um anjo e eu me perguntava, porque um anjo. Eu era, segundo meu
olhar crítico, uma anja, se é que era mesmo. E também ficava imaginando
o mundo dos anjos que amigas de minha família não indígena se referiam.
Era o anjo Gabriel, anjo Rafael, Anjo Miguel, Anjo Uriel todos eles do
sexo masculino. E eu tinha que ser um anjo como diziam: “essa menina é
um anjo!” Viajando na pedra verde e na sincronicidade do tempo, hoje eu
me pergunto: E a anja Doroty, por exemplo? Uma indígena que muito
contribuiu com os Bakairi. E a anja Maninha Xukuru-Kariri, irmã do
espaço sideral, foi-se fisicamente e deixou mensagens para seu povo. E
as anjas Mães de todas e todos líderes de nosso país? E a anja especial
Mãe de Marçal Tupã-y entre outras.
Anja também foi
minha saudosa avó. Anja foi minha severa e adorável mãe, hoje rainha do
espaço. Com elas aprendi a ter dignidade, a combatividade, força e
coragem. Foi por causa delas que entrei para o movimento indígena desde
1976. Mas foi com sete anos, precisamente que me tornei uma pequena
escritora, porque eu precisava escrever as cartas que vovó ditava. E ao
lado disso, precisava ler as cartas que chegavam da Paraíba. Por essa
razão, me sinto paraibana, uma das milhares identidades que tenho.
Conheço na palma da minha mão, as linhas dos sofrimentos do exílio de
minha avó e peço respeito a essa identidade. Faço parte destas histórias
no sangue e nos fatos. Conheço a pobreza paraibana, a partir de dentro
de minha própria casa. Conheço a burguesia e o poder paraibanos dos anos
20 e 30, mesmo ainda no útero, porque eles foram os causadores de nossos
sofrimentos e angústias. São rastros que ficaram e a justiça nunca foi
feita. Só ignorada e invisibilizada. Aquele contingente de pessoas
imigrantes_ minha família_ poucos descendentes deixaram. Todos e todas
morreram pelos maus tratos da imigração. Eu e meu irmão somos os últimos
daquela geração sacrificada pela pobreza. E eu não tenho mais lágrimas,
elas secaram como o chão agreste, mas a cotovia canta e ecoa em
palavras... E a alma voa! “E não se seca a raiz de quem tem sementes
espalhadas para brotar”, escrevi isso há mais de vinte anos, no poema
“Oração pela Libertação dos Povos Indígenas”, um cântico.
A pobreza é a
maior violação dos direitos humanos, eu não sabia disso quando era
criança. As lágrimas de minha avó, assim como a vida de milhares de
mulheres indígenas do mundo, refletem esse tipo de violação. A pobreza
é o resultado das maiores competições, guerras e conflitos do planeta
Terra. As mulheres e crianças sofrem com a pobreza. A pobreza é um fator
determinante de violência a um ser humano.
É preciso
erradicar a pobreza no planeta Terra. É preciso dar voz aos calados, aos
excluídos. Centenas de tratados, convenções, declarações foram escritos
no contexto nacional e internacional, mas a
pobreza continua. O que está faltando? Será que não há um mito errôneo
com relação às mulheres. Vejamos:
Toda
mulher quer ser mulher, porque ser mulher é também contribuir com a
ética para o crescimento da Humanidade, principalmente quando ela busca
não perpetuar a cultura dominante e secular que impõe padrões
preconceituosos na criação dos filhos e filhas. Toda mulher quer ser
mulher por perceber a luta pela igualdade de gênero e quando ela
trabalha para isso na nova sociedade, no cotidiano de sua vida, nas
relações com o esposo, filhos, filhas, irmãos, irmãs, parentes e amigos.
Nos dez pontos que escrevi no Dia Internacional da Mulher, em março de
2006, no texto “Quer ser Mulher? Perguntou Deus!” (veja em:
http://grumin.blogspot.com) tive o objetivo de polemizar e chamar a
atenção da sociedade para diversas culturas e regimes sócio-político e
econômicos que impõem uma vida indigna às mulheres.Temos muitos avanços
na classe média ou nos grupos mais esclarecidos, quando mulheres já
possuem diversas posições no contexto social e quando seu status no lar
atinge patamares respeitáveis, salvo exceções como, por exemplo, em
relação aos assassinatos de mulheres jornalistas, artistas e outras
profissionais e com ascensão econômica. No entanto, as mulheres pobres e
as altamente miseráveis de todas as etnias sofrem ainda em conseqüência
da violência masculina e discriminação da própria sociedade. E esse fato
é um desafio para grupos de mulheres organizadas por seus direitos e um
desafio para os governantes no setor da Educação, Trabalho e Saúde,
tanto no Brasil quanto nos outros países.
Eu convoco
homens e mulheres_ cidadãos, cidadãs do mundo_ a refletirem das sobre a
idéia errônea de que as mulheres são exemplos de estereótipos de
santas, anjos ou demônios.
A mulher é
sagrada, sim! Porque ela dá a vida, assim como a natureza é sagrada por
prover vida. Mas a mitificação da mulher pelo homem causa estragos,
desvios comportamentais, pornografias, culturas dominantes, atos
selvagens contra o sexo feminino, como vemos nos outros países e
inclusive no Brasil.
Vamos adorar
nossas mães apenas no sentido poético, amoroso, porque a exacerbada
veneração leva à mitificação maléfica, que na realidade é um desrespeito
à mulher. Mães querem ser amadas e respeitadas. Amo a minha mãe pelo que
sou, devo a ela respeito e ela está na minha memória, porque foi uma
grande iletrada mulher, mas possuía conceitos e lições de uma verdadeira
mulher.
Voltando à
questão do sentimento de infância e ao olhar com relação à pobreza, hoje
passados 60 anos da minha vida, ainda temos mais de 300 milhões de
indígenas no planeta terra, vivendo em 70 países que sofrem da
pobreza, mas mantêm-se culturalmente falando mais de seis mil línguas
diferentes. Os povos mantêm uma bagagem cultural imemorial e que não se
pode se medir em valores. Só na América Latina temos 50 milhões de
indígenas que convivem diariamente com a pobreza, o analfabetismo e
desinformação, sendo as mulheres indígenas mais vulneráveis. São as
mulheres as despossuídas de ferramentas e meios para manter a enorme
tarefa de transmitir a cultura às novas gerações, mantendo a identidade
e demonstrando à humanidade o papel altamente importante da manutenção
da identidade indígena.
Hum milhão de
indígenas vivem também nas cidades, mas ninguém perdeu sua
ancestralidade indígena e a consciência indígena tem crescido para o bem
da identidade. Queria que minha avó estivesse viva para ver esse
fenômeno histórico. Certamente suas lágrimas secariam de tanto sorriso
na face. É possível uma mudança a partir da escola. E mais... Podemos
orar por melhores condições de vida!
ORAÇÃO PELA LIBERTAÇÃO DOS POVOS INDÍGENAS
Dedicado a
Marçal Tupã-y, cacique guarani nhandewa assassinado em 1983
Parem de podar
as minhas folhas e tirar a minha enxada
Basta de afogar
as minhas crenças e torar minha raiz
Cessem de
arrancar os meus pulmões e sufocar minha razão
Chega de matar
minha cantigas e calar a minha voz.
Não se seca a
raiz de quem tem sementes
Espalhadas pela
terra pra brotar.
Não se apaga dos
avós _ rica memória
Veia ancestral:
rituais pra se lembrar
Não se aparam
largas asas
Que o céu é
liberdade
E a fé é
encontrá-la.
Rogai por nós,
meu pai - Xamã
Pra que o
espírito ruim da mata
Não provoque a
fraqueza, a miséria e a morte.
Rogai por nós _
terra nossa mãe
Pra que essas
roupas rotas
E esses homens
maus
Se acabem ao
toque dos maracás.
Afastai-nos das
desgraças, da cachaça e da discórdia,
Ajudai a unidade
entre as nações.
Alumiai homens,
mulheres e crianças,
Apagai entre os
fortes a inveja e a ingratidão.
Dai-nos a luz,
fé a vida nas pajelanças,
Evitai, ó Tupã,
a violência e a matança.
Num lugar
sagrado junto ao igarapé
Nas noites de
luas cheia , ó Marçal, chamai
Os espíritos das
rochas pra dançarmos o Toré.
Trazei-nos nas
festas da mandioca e pajés
Uma resistência
de vida
Após bebermos
nossa chicha com fé.
Rogai por nós,
ave-dos céus
Pra que venham
onças, caititus, siriemas e capivaras
Cingir rios
Juruena, São Francisco e Paraná.
Cingir até os
mares do Atlântico
Porque pacíficos
somos , no entanto.
Mostrai nosso
caminho feito boto
Alumiai pro
futuro nossa estrela
Ajudai a tocar
as flautas mágicas
Pra vos
cantar uma cantiga de oferenda
Ou dançar num
ritual Iamaká.
Rogai por nós,
Ave-Xamã
No Nordeste, no
ul toda a manhã
No Amazonas,
agreste ou no coração da cunhã.
Rogai por nós,
araras, pintados ou tatus
Vinde em nosso
encontro
Meu Deus _
Nhendiru!
Fazei feliz
nossa mintã
Que de barrigas
índias vão renascer.
Dai-nos cada dia
a esperança Porque só pedimos terra e paz
Pra nossas
pobres- Essas ricas crianças. |