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REVISTA TRIPLOV
de Artes, Religiões e Ciências
Nova Série | 2011 | Número 15
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Un système de référence S est situé dans
un paysage « réel » R d’états possibles, et la stabilité de chaque état
dépend de l’ensemble d’états possibles dont il fait partie, dans R, dans
la mesure où un état pour S est un attracteur, et que la co-présence des
attracteurs crée la possibilité pour S de parcourir ce paysage
topologique comme un ensemble d’itinéraires possibles de changements
d’états ;
Per Aage Brandt [*]
Mais reais, numa certa óptica, que o sensível, os
mathemata não são susceptíveis de alteração, de geração, ou de
corrupção.
G.-G. Granger [**]
(...) um conjunto de valores ordenados numa visão; por
outras palavras, uma paisagem.
Anne Cauquelin [***]
A nossa tarefa é a de seres inacabados: temos de nos
tornar naquilo para que fomos chamados.
José Augusto Mourão [****] |
EDITOR |
TRIPLOV |
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ISSN 2182-147X |
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Dir. Maria Estela Guedes |
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JOSÉ PINTO CASQUILHO
Paisagem e metamorfose: alegoria da borboleta
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Paisagem e metáfora
O
mais da vezes fala-se de paisagem para designar uma extensão geográfica
que a vista abrange - pode ser predominantemente silvestre, ou agrícola,
ou urbana, reduzir-se a um só destes tipos ou combinar dois ou os três.
Buscando a etimologia, o termo paisagem resulta de um agregado de pagus
- demarcação rural do império romano, correspondente a uma aldeia e
terras circundantes -, e remete ao radical indo-europeu pak, raíz de
pacto e de paz [1], e os pagãos, camponeses, enquadram-se assim numa
ordem administrativa territorial; por sua vez território refere-se a uma
região vinculada pelo verbo latino terrere, assustar, onde os conceito
de limite e de limiar marcam fronteira [v. 2]. Para os animais, o espaço
é um território, a extensão a domínios locais de grandes funções
metabólicas como a predação, e seguidamente uma colagem destes domínios
locais por intermédio de índices significantes [3], digamos semânticos,
de natureza sensorial.
A
paisagem reporta-se muitas vezes a uma descrição da Natureza, palavra
cuja etimologia deriva do verbo latino nasci, nascer, homólogo do verbo
grego physein, ser gerado [4]. A natureza da Natureza tem muito que se
lhe diga, desde realidade imanente a construção conceitual onde se pode
entender a paisagem como objeto cultural que faz a mediação do
entendimento e a percepção do território. A paisagem é cultural: na
China a expressão ‘dili’ designa a geografia mas antes era mais
propriamente reportada a uma geologia que se expressava como uma
geografia física acompanhada de uma geografia mitológica [5]. Afirmam-se
várias conexões: que a paisagem constitui uma metáfora das relações
entre cultura e natureza [6], ou que para a paisagem a metáfora permite
e solicita a passagem para uma visão moral da natureza [7]. O termo
metáfora é tão rico de possibilidades que para Aristoteles indicava toda
a figura retórica em geral; nas definições clássicas, o mais das vezes
a metáfora verbal estabelece um paralelo, uma analogia junta com uma
injunção poética, substituindo um termo próprio por um termo figurado. |
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Fig. 1 - Paisagem de montes alentejanos |
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Metonímia
Na figura da metonímia fala-se de
substituição de dois termos entre eles segundo uma relação de
contiguidade [8], como se fora uma metáfora imediata; um exemplo
clássico é: ‘o discurso da coroa’ - quem faz o discurso é quem tem a
posse nominal da coroa, mas assim remete-se para o vínculo institucional
que a tutela.
Da mesma forma podemos dizer que
paisagem remete para uma extensão geográfica vinculada por um pacto, na
esteira do termo latino, o que não tem a mesma conotação do termo inglês
‘landscape’, onde usando ‘scape’ como forma arcaica do verbo ‘to
escape’, a terra escapa, escapando também a esse conceito; também se diz
que o termo medieval inglês ‘landscipe’ era usado para designar um
território pertencente a um senhor ou habitado por um grupo particular
de gente [9]. Pode entender-se assim a paisagem como metonímia de uma
extensão visual da Natureza vinculada pela cultura que ganha plano de
expressão com a pintura renascentista. Com o desaparecimento do império
icónico medieval, organizado em torno do ícone de Cristo, surgiu o que
Victor Hugo denomibou uma ‘nova Babel’ [10].
Mas a paisagem como metonímia da
Natureza ultrapassa fronteiras que supostamente comportava: por exemplo,
o relevo revela uma energia geomorfológica subjacente e marca o ritmo e
a vivência dos sítios, e ainda há a beleza e o espírito do lugar que
transcendem isso tudo. Numa paisagem pode inferir-se a partir de formas
salientes formas pregnantes como a geologia, o clima, ou a(s) cultura(s).
Ecomosaico é um termo usado em
ecologia da paisagem [v. 11], e aparece como uma metonímia forte da
paisagem, não é um mosaico propriamente dito mas um mosaico de
fotografia aérea ou de imagem de satélite, um mosaico digital, que se
reporta à região geográfica descrita e ao qual se associam propriedades
e valores ecológicos e económicos. As paisagens mudam com o passar do
tempo, têm metamorfoses. Se quisermos reduzir ao seu aspecto mais
simples, relativo à extensão relativa e composição, uma paisagem pode
ser descrita sumariamente pelas dinâmicas de área silvestre (s), de área
agricultada (a) e de área urbanizada (u), representadas simbolicamente
pelo expressão de um gerador R=<{s,a,u}> onde silvestre indica
aparentado com selvagem, já não o selvagem original da sucessão
ecológica primária, excepto em hipotéticas regiões virginais; na
esmagadora maioria dos casos fala-se de uma sucessão secundária de matos
e arvoredos, ainda assim relativos à mesma raiz etimológica latina:
silva, floresta. |
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Borboleta
Um desenho pode ser entendido como
a forma visível de forças invisíveis [12]. Uma das classificações
possíveis de signos é nas três categorias [13]: naturais, que se
reportam sobre o mundo real através dum qualquer conhecimento prévio no
espírito do sujeito, convencionais, portanto relativos a um código, e
intencionais, aqueles que se negoceiam entre indivíduos e que se
inventam no processo de comunicação. Para Saussure, o símbolo
distingue-se do signo porque a relação entre simbolizante e simbolizado
é motivada [v. 14].
Ser signo é ser um termo numa
relação triádica específica e um signo só existe no interior do processo
de significação que o gera [15], e quando falamos aqui do conjunto
singular borboleta estamos obrigados a situá-lo no código em que tomou o
nome: o dos modelos matemáticos da morfogénese [v. 16], também conhecido
por teoria das catástrofes. A motivação é aquela que Thom enuncia como
objetivo da ciência: o objecto de toda a ciência é prever esta evolução
de formas e, se possível, explicá-la [17]. O borboleta é, num certo
sentido, ligado à teoria dos sistemas dinâmicos, o modelo mais simples
para explicar a ocorrência de três modos de equilíbrio estável, que
podem ser entendidos como coexistentes, ou como competitivos, num espaço
com 4 dimensões, análogo ao espaço-tempo euclideano; trata-se de um
modelo com uma só variável-resposta que se pode tomar como um índice
sintético, específico, do sistema considerado.
Se denotarmos então uma paisagem
pelo gerador R=<{s,a,u}> e utilizarmos o conjunto borboleta para ensaiar
uma cartografia dinâmica podemos percorrer subconjuntos possíveis de
equilíbrios estáveis que se apresentam no conjunto singular decomposto
como S’={{s},{a},{u},{s,a},{s,u},{a,u},{s,a,u}}, e ainda acrescentar o
conjunto vazio {}, se quisermos sair fora de S’. A existência e
profundidade dos equilíbrios estáveis marca a dominação das modalidades
e a cartografia dinâmica faz-se apondo uma trajectória sobre o esquema.
A figura 2 mostra uma secção do conjunto referido, onde se pode
perscrutar o desdobramento de estados estáveis (mínimos) e instáveis
(máximos e inflexões). O borboleta é o caso mais elaborado das
cuspóides - uma classe das designadas catástrofes elementares com uma
variável-resposta -, e é referido recentemente que, embora haja limites,
existem muitas aplicações potenciais destes modelos em economia,
sobretudo quando é considerada a sua versão mais lata de teoria das
singularidades [18]. |
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Alegoria
O conjunto borboleta enunciado como
modelo de dinâmica da paisagem comporta uma alegoria, uma metáfora
continuada, uma figura de retórica que tal como a uponoia consistia em
dizer uma coisa para fazer compreender uma outra - justificada pela
necessidade de transmitir de forma não literal, não transparente, uma
verdade [19] - no caso: a trama de todos os conceitos que entrosam o seu
significado, como conjunto singular da teoria dos sistemas dinâmicos
governados por uma função potencial, forma pregnante da qual derivam
formas salientes em vários planos de significação que suportam a
metamorfose da paisagem. |
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Fig. 2 -Secção característica do
conjunto borboleta [v. 20] |
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Referências
[*] Per Aage Brandt,
René Thom – Prégnances et catastrophes. Pour une phénoménologie
sémio-cognitive in Semiosis and Catastrophes – René Thom’s Semiotic
Heritage (Wolfgang Wilden & Per Aage Brandt (eds.) European Semiotics :
Language, Cognition, and Culture, vol. 10, p : 167-182, 2010.
[**] G.-G. Granger,
Matemáticas in Enciclopédia Einaudi, vol. 21: Método-Teoria/Modelo,
Lisboa: Imprensa Nacional Casa da Moeda, 1992, p: 104-140.
[***] Anne Cauquelin,
A Invenção da Paisagem, Edições 70 Lda, 2008, p: 14.
[****] José Augusto
Mourão, Quem vigia o vento não semeia. Lisboa : Pedra Angular, 2011, p:
148.
[1] Maria Lucia
Lepecki, A Mãe promíscua : sobre natureza e paisagem. Finisterra 37(74):
141-147, 2001.
[2]http://www.arte-coa.pt/index.php?Language=pt&Page=Saberes&SubPage=ComunicacaoELinguagemLingua
gem&Menu2=Legivel&Filtro=16
[3] Jean Petitot,
Local/global in Enciclopédia Einaudi, vol 4: Local/Global, Lisboa:
Imprensa Nacional Casa da Moeda, 1985, p: 11-71.
[4]Gianni Micheli,
Natureza in Enciclopédia Einaudi, vol. 18: Natureza,
Esotérico/exotérico, Lisboa: Imprensa Nacional Casa da Moeda, 1990, p:
11-54.
[5]
Sophie Clément, Pierre Clément e Shin Yong-hak, Architecture du paysage
en Extrême-Orient, Paris : École nationale supérieure des Beaux-Arts,
1987, 240 p.
[6] Viriato
Soromenho-Marques cit in Ramos, C; Vale, M; Moreno, L; Simões, J (2002).
Colóquio Paisagem, Finisterra 37(74):193-198.
[7] Anne Cauquelin,
idem.
[8] Umberto Eco,
Metáfora in Enciclopédia Einaudi, vol. 31: Signo, Lisboa: Imprensa
Nacional Casa da Moeda, 1994, p: 200-246.
[9] Ilidio do
Amaral, Àcerca de «Paisagem»: apontamentos para um debate. Finisterra,
2001, 36(72): 75-81.
[10] José Bragança
de Miranda, Alberto Carneiro e a dádiva da arte, in Alberto Carneiro –
Árvore Mandala para os Gravadores do Vale do Côa (coord. José Bragança
de Miranda), Lisboa: IGESPAR & CECL, 2009, p: 7-25.
[11] José Casquilho,
Ecomosaico: índices para o diagnóstico de proporções de composição,
Lisboa: Instituto Superior de Agronomia (tese doutoramento), 1999, 205
p.
[12] José Augusto
Mourão e José Pinto Casquilho, O desenho e a interpretação dos signos: o
Parque Biológico de Gaia, RCL (2010) 41: 79-87.
[13] Brandt, idem.
[14] José Augusto
Mourão e Maria Augusta Babo, Semiótica : Genealogias e Cartografias,
Coimbra: Minerva, 2007, p :72.
[15]http://www.arte-coa.pt/index.php?Language=pt&Page=Saberes&SubPage=ComunicacaoELinguagem
Linguagem&Menu2=Autores&Slide=82
[16]
René Thom, Modèles Mathématiques de la Morphogenèse (2 éd.), Christian
Bourgois Editeur, Paris, 1980, 315 p.
[17] René Thom
transcrito por K. Pomian, Catástrofes, in Enciclopédia Einaudi, vol. 29:
Tempo/temporalidade, Lisboa: Imprensa Nacional Casa da Moeda, 1993, p:
244.
[18] J. Barkley Rosser Jr., The rise and fall of catastrophe theory
applications in economics: Was the baby thrown out with the bathwater?
Journal of Economic Dynamic & Control 31 (2007) p: 3255-3280.
[19] G. P.
Caprettini, Alegoria in Enciclopédia Einaudi, vol. 31: Signo, Lisboa:
Imprensa Nacional Casa da Moeda, 1994, p: 247-277.
[20]
Jean Petitot-Cocorda, Physique du Sens – de la théorie des singularités
aux structures sémio-narratives, Paris : Éditions du Centre National de
la Recherche Scientifique, 1992, p: 173. |
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José Pinto
Casquilho.
Centro de Ecologia Aplicada Baeta Neves (CEABN/UTL),
Centro de Estudos de Comunicação e Linguagens
(CECL/UNL).
josecasquilho@gmail.com
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© Maria Estela Guedes
estela@triplov.com
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