|
|
|
REVISTA TRIPLOV
de Artes, Religiões e Ciências
Nova Série | 2011 | Número 10
|
|
Joseph Beuys [1921-1986]
Leite negro da madrugada nós te bebemos de noite
nós te bebemos ao meio-dia a morte é um dos mestres da Alemanha
nós te bebemos de noite e de manhã nós bebemos bebemos
a morte é um dos mestres da Alemanha seu olho é azul
acerta-te com uma bala de chumbo acerta-te em cheio
um homem mora na casa teu cabelo de ouro Margarete
ele atiça seus mastins sobre nós e sonha a morte é um dos mestres da
Alemanha
eu cabelo de ouro Margarete
teu cabelo de cinzas Sulamita
Fuga da Morte, Paul Celan |
|
|
DIREÇÃO |
|
Maria Estela Guedes |
|
Índice de Autores |
|
Série Anterior |
|
Nova
Série | Página Principal |
|
SÍTIOS ALIADOS |
|
TriploII - Blog do TriploV |
|
TriploV |
|
Agulha Hispânica |
|
Bule,
O |
|
Contrário do Tempo, O |
|
Domador de Sonhos |
|
Filo-Cafés |
|
Jornal de Poesia |
|
|
|
SÓNIA PINA
Joseph
Beuys:
A Arte como Compressa |
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
Para Theodor W.
Adorno -”Nach Auschwitz ein Gedicht zu schreiben ist barbarisch”-,
é bárbaro escrever um poema depois de Auschwitz. Adorno evoca aqui a
experiência traumática, provocada pelo horror da descoberta dos despojos
do Holocausto e de uma crueldade humana sem limites, o que, por sua vez,
marcou inexoravelmente a arte alemã.
Decorrente da impossibilidade simbólica de
encontrar sentido para a sensação de absurdo existencial que se
instalou, a vacuidade e a morte nutrirão a criação poética, filosófica,
literária e plástica, como mostra o poema de Paul Celan,”Todesfuge” ou
“Fuga da Morte” de 1945. Uma história traumática imprimirá a sua marca
na arte alemã, a qual se designará de ‘arte pós-guerra’.
“(…)
um estado de morte assolou a Alemanha, acertando-lhe em cheio e
fatalmente.”
A obra de Joseph
Beuys é significativa nesta linha de análise, na medida em que, cada uma
das suas peças configura uma estrutura simbólica complexa que incorpora
as suas noções utópicas de sociedade e de educação, estando a sua
trajectória artística associada a um projecto pedagógico, social e
político, onde os mitos desempenham um papel fulcral (Rosenthal:
2004-2005).
O seu perfil multifacetado conduziu a várias
tentativas de definição da sua personalidade artística. Thierry de Duve
questiona, será “o xamã, o pedagogo, o terapeuta, o pastor, ou o
revolucionário? Ou ainda, serão o monarca ou o vagabundo, o rei ou o
louco, a vítima e o redentor, os avatares bicéfalos do artista?” (Duve:
s.d., p. 9-24).
É neste derradeiro passo para a afirmação da
unidade, na sequência de um último e lento processo de redenção, que
reside a sua ruína e a sua grandeza. Encontrando-se na sua experiência
pessoal, traços recorrentes de uma melancólica sobrevivência e a
incorporação de uma missão salvífica que constitui o
pathos da sua
práxis artística.
Ora, segundo este
autor, a obra de Joseph Beuys corporiza a dupla faceta, tal duas faces
de Janus: a melancólica e a
acção terapeutica e/ou imbuída de profundo proselitismo. Transparece no
seu trabalho uma bipolaridade que se manifestará na sua combatividade
política, na sua pedagogia alacre, no seu optimismo revolucionário. A um
tempo surge a figura do supliciado, do xamã, do terapeuta, e uma intíma
proximidade à morte, eventualmente resultado da empatia que este nutrirá
por todos(as) as vítimas da humanidade[1].
Estando latente em Beuys uma certa recusa da História enquanto sintoma
civilizacional, daí o elemento crítico patente nas suas suas ‘aktions’,
sendo o seu objectivo empreender, pela acção artística, a redenção.
|
|
|
|
do phatos à “patologia”: |
|
Beuys em 1985 era
um homem doente, pois na sequência do acidente que sofreu na guerra, o
seu corpo tornou-se a inscrição singularizada da experiência colectiva
alemã. Mesmo não se sabendo da total veracidade desta estória, Beuys
relatou que, na guerra da Crimeia, sofreu um acidente grave, incidente
ao qual Delfim Dardo atribuiu a designação de “Episódio
Tártaro”[2].
Esta arqui-narrativa virá a desempenhar uma importância conceptual
central em toda a sua vida e obra.
De acordo com os registos biográficos disponíveis, antes de iniciar os
seus estudos em Medicina, Beuys é mobilizado pela Luftwaffe, primeiro
como radiotelegrafista e, mais tarde, como piloto bombardeiro ao serviço
da guerra. Quando em combate, o seu avião foi alcançado pelos antiaéreos
russos, mas terá conseguido chegar às linhas alemãs antes de cair. Ficou
gravemente ferido e o seu companheiro morreu. Moribundo, acabou por ser
encontrado por um grupo de tártaros nómadas que o levaram para o seu
acampamento, onde o untaram com gordura e o envolveram com uma manta de
feltro, alimentando-o com produtos lácteos e deixando-o imobilizado
durante vários dias em estado semiconsciente.
Esta história, ficcionada ou não, tem a importância de imprimir a marca
sacrificial em toda a sua obra artística. Sendo possível observar uma
densidade mística neste cruzamento entre experiência limite da morte e
da sobrevivência. Aspecto que se observa, nomeadamente, no tipo de
materiais que utiliza nas suas acções, como a gordura, o feltro entre
outros materiais de natureza instável e informe; convocando-se, no
processo e nos materiais, este
punctum salvífico autobiográfico.
Nesta perspectiva, esta gramática plástica
aglutina, por um lado, elementos decorrentes da sua experiência pessoal
da guerra ou a sua ferida pessoal e, por outro lado, o desejo simbólico
de (re)encontrar para a vida e para a Humanidade algum senso de
consistência, o que eventualmente reflectirá a sua grande
vertigem.
A dor versus sobrevivência converte-se
para Beuys numa experiência pessoal essencial que plasma a memória de um
país, cuja herança se manifesta pela luta de reconhecimento, pela
revivência da culpa e pela memória, estando desta forma presente na sua
obra a oscilação entre a ordem ou caos, o horror e a harmonia dos
opostos.
Ora, a sua obra plástica consubstancia-se nessa
dinâmica existencial, vindo a constituir-se veículo para o pensamento,
assumindo-se como forma ou meio de superar o abismo dos opostos e pôr em
marcha o seu objectivo último, o da revitalização dos espíritos e da
sociedade. Tendo vindo a ser designada por esse motivo de
Plástica Social, dado que, a
sua noção de arte se alarga a este desígnio maior, o de suturar a ferida
infligida pelos traumas da guerra e, analogamente, curar a alma enferma
do homem e de todo o Planeta Terra, em prol de, à guisa de Heidegger,
uma ek-sistência autêntica.
|
|
a arte e o pós-guerra |
|
Posteriormente à II Guerra Mundial alguns
artistas alemães partilham esta consciência, um pensamento de
reincidência simbólica no trauma, na ideia de que a arte servirá de
compressa para a cicatrização da ferida da guerra. Nesta perspectiva, a
análise que se poderá, e que aqui se pretende, fazer da arte pós-guerra
fará confluir a inscrição singular do artista no processo histórico que
marcou as consciências, incorporando a prática artística num desígnio
colectivo e maior. Neste quadro, não se prefigura ser tarefa fácil
desvincular totalmente certas gramáticas artísticas deste fenómeno da
consciência colectiva. De certa forma, e assim o é para Joseph Beuys, a
arte adquire um papel fundamental, um papel pedagógico, terapêutico e
transformador, na medida em que denota aspectos do situacionismo
político, social e ético.
Beuys representa,
segundo Thierry de Duve, a oscilação entre a força e a fraqueza, entre o
sentido eminente e o patético, pois, encarna a subjectividade redentora
do sentimento trágico da existência e de convocação ao sofrimento, ao
humanismo e ao homem
à venir[3].
Esta convergência dos opostos
representa, basicamente, os dois pólos semânticos que criam o nexo entre
o
macrocosmo e
microcosmo, derivando, por um lado, da força desintegradora e
apocalíptica que é o fluxo da omnipresença de um mal essencial na
humanidade e, por outro, da ideia simbólica de um definitivo colapso de
um mundo que pertence ao passado e que do caos se estrutura nas suas
esculturas. Esta dinâmica dos opostos está latente e é transversal à
narrativa de Beuys. A ideia de transformação e a dinâmica reintegradora
dos opostos são eixos analíticos centrais neste processo de configuração
da utopia da unidade cosmogónica.
A ideia de transformação vem a ser ademais um
conceito importante e transversal a toda a literatura e pensamento
alemães depois da II guerra mundial, a qual terá dado nome à revista
Die Wandlung [A Transformação], fundada em 1945. Sendo esta
concepção transversal ao fluxo criador que caracterizava a Alemanha
posterior ao III Reich,
especificamente, o horizonte de recuperar a ‘alma alemã’ depois da
selvajaria nazi e recomeçar de novo, sob a forma da introspecção do
indivíduo em prol do alcance de um outro patamar espiritual, o da
autêntica renovação. Neste contexto, Beuys retoma a cultura alemã,
anterior a Hitler e Bismark: a Goethezeit, ou a Era Goethe: a
designada geração Nullpunkt, ou Grau Zero, e/ou Grupo 47 [Gruppe
47]. Geração que
integrou a criação literária do Pós-guerra, como os Siegfried Lenz,
Günther Grass, Paul Celan e Uwe Johnson. Estando, inclusivamente,
documentada a grande proximidade entre Beuys e, o seu amigo, Henrich
Böll, que se inscreve na designada “literatura dos escombros” e que
reflecte justamente uma das grandes obsessões dos anos 50 e 60 na
Alemanha: o trauma pela experiência passada.
Neste sentido e de acordo com a posição de
alguns críticos de arte, Beuys acaba por reincidir nos pressupostos da
arte total, da Gesamtkunstwerk.
Numa altura
em que se desenvolviam outros movimentos artísticos que viriam a
inaugurar as tendências pós-estruturalistas e formalistas, como é o caso
paradigmático de Duchamp e dos dadaístas, Beuys vislumbrava-se
visionário, aspirando ainda a empreender o discurso infinito. Ao
contrário de Duchamp, Beuys rejeitava a pressuposto de que a arte é um
exercício de estilo, tendo a convicção que esta seria a única forma de
reencontrar a esperança. Para Duchamp a arte era ‘Zero’, para Beuys a
arte era vida, na senda do que irá marcar a atitude Fluxus.
Em 11 de Novembro
de 1964, Beuys apresenta uma acção à qual chama The Silence of Marcel
Duchamp is Overrated, onde exorta a sua desaprovação em relação à
“anti-arte”, criticando o ‘silêncio’ de Duchamp posterior a 1923[4].
Numa entrevista com Bernard Larmarche-Vadel, diz que Duchamp terá parado
exactamente no ponto em que poderia ter desenvolvido uma teoria baseada
no trabalho conseguido, e é essa a teoria que se encontra a desenvolver[5]:
a teoria da Escultura Social,
desmontando assim a aporia duchampiana.
|
|
a criatividade como “capital” |
|
Joseph Beuys é um artista com uma visão muito
própria, numa época particular em que em Nova Iorque surgem artistas
como Andy Warhol, do qual foi um grande amigo. Enquanto se vivenciava
uma época artística no resto do mundo ocidental que se pautava pelo
reflexo da desconstrução dos modelos e dos paradigmas da arte, Beuys
incorpora como projecto essa missão, tornando-se a criatividade o meio
para o conseguir.
Para Beuys, a criatividade é o ‘meio-ferramenta’
acessível a todos os homens, através da qual se operará a verdadeira
transformação da sociedade. A criatividade constituiria assim o
humus da transformação
social, com a vantagem de estar ao alcance de todos. Seria este o
verdadeiro ‘capital’ do Ser Humano e não o poder económico ou outro,
presumindo-se como valor em potencial existente em todos os seres
humanos, pois, todo o ser humano é potencialmente um artista.
Muitas das
críticas que se dirigem a Beuys, respectivamente ao seu conceito de arte
total e à eventual reincidência nos pressupostos da
Era Goethe, se parecem
dissolver mediante esta ‘democratização’
da arte. Esta ideia vem, aliás, e segundo Thierry De Duve[6],
trazer Joseph Beuys ao tempo da modernidade, visto que, a sua ideia da
criatividade como sinergia potenciadora da transformação opera o
contraponto necessário às ideias subjacentes ao conceito de arte total
decorrentes da herança Wagneriana, especificamente, a ideia de que a
arte é forma de ascensão à verdade. Assenta neste pressuposto a condição
democrática do génio criador, ideia essa patente especificamente em
trabalhos como Rose for Direct
Democracy [1973] (Fig.1) e, sobretudo, na peça
Capital Room[7]
[1970-1977].
|
|
|
Fig. 1 |
|
|
Capital Room
foi uma
instalação gigantesca que reunia todas as suas aulas públicas,
testemunhos das suas ideias, conversas e conferências, apresentando-se
na forma de painéis gigantes dispostos no espaço sob a forma de signos,
adquirindo estes elementos uma estrutura racional e relacional,
consistindo no geral num grande corpo doutrinal que enfatiza a ideia de
arte como pedagogia. A criatividade nesta qualidade de trazer à presença
o verdadeiro capital humano simboliza, à guisa de Marx, a relação
alegórica que se poderá traçar entre o artista e o proletariado.
Em Economic Values [1980], onde utilizou
os mais variados produtos como a gordura, a graxa, a parafina e outros
ingredientes quotidianos, Beuys vai dando maior consistência à sua
‘ideologia’, pois esta peça
traduz de forma paradigmática a posição de ruptura com a convenção que
atribui ao artista um estatuto e domínio privados, revelando o segredo
que é, contraditoriamente, a ausência do segredo. Esta é a verdade que
Beuys pretende ensinar.
Estas peças exemplificam a obra de Beuys, e são
construtos mentais que corporizam a filosofia do artista, na medida em
que resultam da inspiração das suas ideias estéticas e políticas. Nesta
perspectiva, e tal como o observa Thierry Du Duve, se desloca o
território elitista da arte para a acção social e política, com a
incumbência de dar forma ao seu grandioso projecto: o da ‘estetização’
da sociedade e o da fusão entre arte e vida - que é, por sua vez,
resultado das influências da Antroposofia de Rudolf Steiner e Shiller e
das quais resultou o seu conceito de ‘educação estética’, do homem como
via para a liberdade e via para a superação da degradação humana.
|
|
engenhos da transformação |
|
A
Plástica Social de Beuys oferece-nos uma visão da arte como
engrenagem de transformação, portal de passagem, agente regressivo, meio
de revitalização e cura, e, no geral, veículo para a superação dos
opostos, incorporando igualmente, uma função social, espiritual, ética,
política, pedagógica e terapêutica.
Estes objectos
transitivos dão forma ao seu pensamento, ou seja, são os veículos
físicos ou a matéria para o pensamento. Este posicionamento
artístico-ideológico dá ao seu projecto uma abrangência conceptual da
qual emerge o conceito de arte ampliada. Uma visão da arte que exala,
contraditoriamente, da rusticidade e da efemeridade das suas estruturas
arquitectónicas.
Beuys, através das
suas esculturas, dá forma à sua experiência singular do mundo imolado
pela guerra, e, a um tempo, convoca a experiência totalizadora da
narrativa. Este ideário parece pressupor uma verdade anterior à
vertigem, à queda do
Ocidente. Analogamente ao mito de
Hefestus[8],
Beuys parece anunciar o declínio do humano, da fractura original. A
fractura vem revelar, a um tempo, a possibilidade de re-ligação [religare]
ao transcendente e, contraditoriamente, a falha, permitindo ao homem a
capacidade de intermediar o logos.
Beuys,
profundamente influenciado pela história do pensamento alemão[9],
reflecte a preocupação sobre o estado do mundo em crise e apropria-se de
elementos oriundos das narrativas mitológicas, surgindo a mitologia como
generativa de uma ordem à priori.
Ao procurar revitalizar o sentido do humano, manifesta-se, sobretudo, na
sua obra gráfica e nas suas acções, uma associação expressiva às raízes
profundas dos mitos Teutónicos e ao Romantismo Clássico Alemão;
torna-se, nem cínico nem realista, mas certamente empoderado pelo
sentimento da sua própria grandeza ou da grandeza poética da
civilização.
|
|
A sua arte torna-se enfim o veículo do misticismo panteísta e
romântico. Por exemplo, na sua performance
I like America and
America likes me (Vd.
Anexo5) apresentada
na Galeria Block, em Nova Iorque, em 1974 (Fig. 2), é central o
coiote como significante mitológico da importância deste animal
na cultura ocidental americana. Nessa apresentação, manteve-se
em cativeiro junta-mente com um coiote dentro de um recinto no
interior da galeria, durante o período de cinco dias. O coiote
foi eleito por Beuys, o animal totémico, um símbolo da América,
um deus dos índios. O animal, neste contexto, tornou-se signo
mitológico ou ponto nevrálgico do conflito latente da identidade
ancestral americana. |
|
|
|
Neste caso, tal
como em outras acções, os animais assumem um estatuto mitológico,
representando a incorporação da perda de inocência. Por exemplo, na
acção
Eurásia[10],
apresentada em
1966, Beuys utiliza alguns materiais, objectos e animais: cruzes,
despertadores, termómetros e a lebre.
Esta foi uma das muitas acções
performativas que conduziu, em que se sugere o cruzamento das culturas
ocidental e oriental: a cruz representa a divisão entre o Oriente
bizantino e o Ocidente romano; a linha traçada no chão indica a
separação; a lebre representa a energia vital e espiritual, tal como o
coiote, e o seu sacrifício simboliza a ruptura das fronteiras
espirituais e os conflitos entre os territórios; representando-se,
igualmente, na prática sacrificial o ritual do renascimento,
sugerindo-se a morte da lebre como acção suprema e redentora.
Presentificando-se a ideia catalisadora de Joseph Beuys como
transformação: a passagem de um estado a outro. Tal como o seu conceito
é devedor desta ideia de transformação, os materiais utilizados são os
‘múltiplos’ do conceito. Os materiais pontuam a ideia e incorporam
também a sua característica essencial: a da transmutação.
|
|
|
Fig. 3 |
|
|
De carácter
informe e de natureza pobre e instável, os materiais que utiliza nas
esculturas têm uma nomenclatura mole e flácida, podendo, quando sujeitos
às sensações de calor ou frio, ter reacções diversas. Beuys utiliza o
Wärmecharakter, ou o caracter calor, como estratégia para a
metamorfose dos estados e assim se pressupor uma série de reflexões
sobre as ideias de indeterminação e de caos. O seu trabalho Fond
VII/2 [1967-1984] (Fig. 3) é disso, entre outros, ilustrativo[11]:
por meio do calor ou do frio, os materiais alteram a sua forma e é nessa
transmutação dos estados que se obtém o equilíbrio.
In extremis, este carácter
informe remete para a ideia de que está em curso um processo de
transformação e de regressão à cena primeira ou Estado Primeiro da
matéria, ideia que vem a consubstanciar o seu
Arcaísmo Místico.
Em suma, as suas acções, peças ou esculturas exalam
uma latente e febril bipolaridade, que oscila entre a opacidade dos
materiais e a secreta aspiração à unidade e à verdade, designadamente,
as suas ampliadas concepções de transformação social, de renascimento e
de redenção, que revelam enfim, e de certa forma, a sua própria
irresolução interior.
A arte desempenha para Joseph Beuys, tal como a
forja para Hefestus, a função
de prótese para o coto da
Humanidade. No movimento Fluxus Europeu vem a ser pioneiro, pontificando
uma estética multidisciplinar que influenciou artistas por toda a Europa
e em Portugal, tendo, sem margem de dúvida, contaminado a trajectória de
Ernesto de Sousa após o seu encontro na
DoKumenta 5, em 1972, em
Kassel, Alemanha. Ponto a reificar num outro contexto.
A Escultura
Social de Beuys reflecte a relação sinestésica entre uma condição
existencial que caracterizou a sua vida e que se materializou na sua
obra, tal como a sua Plástica
Social dá corpo à forma como se tornou o proletário e o
avant-garde intratável, tal
como o apelidou Danto.
Lisboa, (revisto) 2008
|
|
|
|
Bibliografia geral:
Borer, Alain (1996), The
Essencial Joseph Beuys. London: Thames and Hudson
Bernárdez-Sanchís, Carmen (1998),
Joseph Beuys. Madrid : Nerea
Dardo, Delfim (2006), « Isomorfismos: Mathew Barney e a memória de
Beuys ». IN Dardo Magazine,
nº 1, pp. 80-91
Mark Rosenthal et al. (2005)
Joseph Beuys, Actions, Vitrines, Enviroments. IN The Menil
Collection. E.U.A : Houston
in Association with Tate Publishing
Duve, Thierry (2006). « Critical Reflections ».
IN Dardo Magazine, nº1,
pp. 28-47
Castro Flórez, Fernando (2006). « Una Resurrección de Esta Tumba
[palabras dispersas en torno a Beuys ».
IN Dardo Magazine, nº1,
pp. 48-59
Reis, Paulo (2006). «O Último Trágico Do Século XX».
IN Dardo Magazine, nº1,
pp. 60-69
Lisboa |08
|
|
|
|
Rosenthal, Mark
(2004-2005),
Joseph Beuys: Actions, Vitrines, Environments, presented at The
Menil Collection, Houston, October 8, 2004- January 2, 2005, Tate
Modern, London, February 4- May 2, 2005
|
|
|
|
[1]
Thierry de Duve (S.d.),
Joseph Beuys ou le dernier des prolétaires, in Consus à Fil
d’Or, Paris, Art Edition, pp. 9-24
[2]
Dardo, Delfim (2006),
Isomorfismos: Mathew Barney e a memória de Beuys, in Dardo
Magazine, nº 1, 2006,
pp. 80-91
[3]
Thierry de Duve (s.d.),
Joseph Beuys ou le dernier des prolétaires, in Consus à Fil
d’Or, Paris, Art Edition, p. 12.
[4]
Borer, Alain (1996), The Essential of Joseph Beuys, Thames
and Hudson, London, p. 11.
[5]
Lamarche-Vadel, B. (1984-198).
Joseph Beuys. Entretien avec
Bernard Lamarche-Vadel, Canal, nos. 58-59, Winter, p. 7.
[6]Thierry
de Duve (S.d.), Joseph Beuys
ou le dernier des prolétaires, in Consus à Fil d’Or, Paris, Art
Edition., pp. 9-24
[7]
Ranz., Joachim Verspohl (1984),
Joseph Beuys.
Das Kapital Raum1970-1977,
Strategien zur Reaktivierung der Sinne. Fankfurt am Main, , pp.
14-19
[8]Hefestus
é o
Deus frágil/ semi-Deus, que através da sua habilidade para a forja
compensava a amputação das suas pernas provocada pela Queda
da qual foi vítima, quando atirado para fora do Olimpo pelo seu pai,
Zeus. O importante no mito de Hefestus é o itinerário desse
deus, expulso do Olimpo pelo pai, mais tarde pela mãe, teve em Tétis
uma iniciadora material e imaterial, ao lhe dar uma corda mágica que
prendia na cintura. Após tantas vicissitudes ao forjar o escudo de
Aquiles, Hefestus dá uma imagem da beleza da terra e mostra
àquele que deseja evoluir as alegrias e os riscos nela existentes.
[9]
“It is for the Germans, a people of culture, to achieve the unity of
the spirit, dissociated by Ocidentals, a people of nature, and by
Anglo-French and Yankee Westerners, a people of civilization ...”
Tazerout, M (1948 (1976))., translator’s preface in Oswald Spengler,
Le Déclin de l’Occident.
Equisse d’une morphologie de l’histoire
universelle,
Paris, p. 9
[10]
Eurasia
(1966), descrita por Troels Anderson, reeditada na antologia Six
Years de Lippard, in Wood, 2002: 24: «Ajoelhando-se, Beuys empurrou
lentamente duas pequenas cruzes depositadas no chão e viradas para
um quadro negro; em cada cruz havia um relógio com o despertador
regulado. Desenhou no quadro uma cruz que em seguida apagou
parcialmente; por baixo escreveu
Eurasia. O resto da peça
consistia em Beuys deslocar-se ao longo de uma linha marcada, num
coelho morto cujas orelhas e pernas ficavam estendidas graças a
varas de madeira compridas, finas e negras. Quando colocou o coelho
aos ombros, as varas tocaram no chão. Beuys deslocou-se da parede
até ao quadro onde depositou o animal. Ao retroceder, ocorreram três
coisas: polvilhou pó branco entre as pernas do coelho, meteu-lhe um
termómetro na boca a soprou dentro de um tubo. Depois virou-se para
o quadro com a cruz apagada e permitiu ao coelho que torcesse as
orelhas, enquanto ele próprio permitia a um dos seus pés, que estava
atado a uma travessa de ferro, que pairasse por cima de outra
travessa idêntica colocada no chão. Foi este conteúdo principal da
acção. Os símbolos eram absolutamente inequívocos e todos
traduzíveis. A divisão da cruz equivale à cisão entre o Ocidente e o
Oriente, entre Roma e Bizância. A meia cruz é a Europa Unida e a
Ásia para a qual o coelho e encaminha. A travessa de ferro no chão
constitui uma metáfora: o caminhar torna-se difícil e o chão está
gelado.»
[11]
Musée National d’Art Moderne, Centre Georges Pompidou, Paris, p. 16
|
|
|
|
Sónia da Silva Pina [1974]
[1998]
Filosofia, Faculdade de Letras, Universidade de Coimbra (Licenciatura)
[2003]
Direito da Comunicação, Faculdade de Direito, Universidade de Coimbra
(Pós-graduação)
[2010]
Cultura Portuguesa Contemporânea, Instituto Camões (Pós-graduação –
aguardar certi.)
[2011]
Cultura Contemporânea e Novas Tecnologias, Departamento de Ciências da
Comunicação, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Universidade de
Lisboa (Mestrado)
[2012]
Comunicação e Arte, Departamento de Ciências da Comunicação, Faculdade
de Ciências Sociais e Humanas, Universidade de Lisboa (Ph.D –
frequência)
Email: sonia.s.pina@gmail.com
http://www.facebook.com/people/Pina-Sonia/1485498890
http://soniaspina.wordpress.com/
http://barrosantonio.wordpress.com |
|
|
|
© Maria Estela Guedes
estela@triplov.com
Rua Direita, 131
5100-344 Britiande
PORTUGAL |
|
|
|
|
|
|
|
|
|