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REVISTA TRIPLOV
de Artes, Religiões e Ciências
Nova Série | 2011 | Número 10
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Que Régio foi apreciado e admirado por
muitos escritores brasileiros é ponto assente. De Manuel Bandeira a
Ribeiro Couto (que ele celebrou em comovido texto inserto no livro de
homenagem póstuma ao poeta que conhecera em Portalegre numa noite
singular) de Moreira da Fonseca a Cecília Meireles (que o antologiou com
palavras à sua altura de excepção), de Jorge de Lima a Graciliano Ramos
– diversos foram os autores do país irmão com quem trocou livros e
menções de apreço. A sua atenção à literatura brasileira era
consequência da sua atenção ao mundo das letras, que nunca esmoreceu ao
longo dos anos que lhe couberam viver.
Detenhamo-nos um pouco sobre as dedicatórias
de três dos escritores citados inscritas em livros remetidos a Régio ao
longo do tempo. Elas trazem em si não só o selo da admiração mas,
também, facultam pistas que nos permitem descortinar em que medida ou de
que forma se perspectivava o seu interesse pelo autor de “Davam grandes
passeios aos domingos…”. |
DIREÇÃO |
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Maria Estela Guedes |
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NICOLAU SAIÃO
Régio e os escritores brasileiros
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Na edição aumentada de “Poesias completas”,
da Americ.Edit., remetida a Régio em 1945, a dedicatória é a seguinte: “A
José Régio – grande poeta de Deus e do Diabo – com o fraterno abraço do
Manuel Bandeira”. O acento tónico é posto nos dois pólos que tanto
moviam o misticismo de José Régio, os dados maiores do problema com que
se debateu enquanto ser de religiosidade. Ao chamar a atenção para tal,
Manuel Bandeira trazia à colação um dos pontos a que era o autor de “Mas
Deus é grande” extremamente sensível, empenhado e indagador, sublinhando
assim uma característica do seu pensamento e da sua poética.
Cecília Meireles, que em “Poetas novos de
Portugal” (Edições Dois Mundos, 1944) via em Régio um temperamento “dramático,
oratório, gritando suas amarguras, discutindo-as com interlocutores que
o ouvem da lama e das estrelas, falando-se e respondendo-se em voz alta,
em monólogos arrebatados e arrebatadores”, inscreve no seu livro
“Mar absoluto e outros poemas” a seguinte dedicatória: “A José Régio,
essa veemente voz da poesia do mundo, com estima”. A tónica é posta
pois na veemência, na força interior que atravessava o verbo de Régio,
autor que ela entendia fazer parte da poesia do mundo, do universo da
escrita maior que era o seu timbre. Para quem conhece a obra de Cecília
Meireles, toda ela percorrida de atenção ao absoluto, percebe o que lhe
subjaz e de que matéria é feito esse olhar e essa admiração. |
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Nicolau Saião: O apelo dos séculos |
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Nicolau Saião: Dias de Fortaleza |
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A dedicatória de Moreira da Fonseca, um dos
grandes poetas modernos do Brasil, cuja voz permanece pura e límpida,
ática, definidora – e decerto permanecerá – é mais sucinta mas não menos
significativa. Reza assim: “A José Régio, com viva admiração, of. o
José Paulo Moreira Fonseca”. Está inscrita no livro Poesias, dado a
lume em 1949 pela Livraria Editora José Olympio e foi enviado a Régio em
Março de 1950. O que ela nos mostra é uma funda atenção de um dos – à
altura – poetas novos do Brasil que, apesar de diferente nos seus temas
e nos seus métodos de escrita, sabia compreender e apreciar a demanda
poética e por isso vital do autor de “A velha casa”.
De entre outros, aqui ficam estes três
exemplos do amor que a escrita de Régio despertava nesse país – distante
geograficamente mas bem perto dele dum ponto de vista literário e
humano. |
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Nicolau Saião: Homenagem ao Brasil |
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Nicolau Saião: Novo Mundo |
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Régio e Ribeiro Couto |
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Nas minhas
andanças, ao correr dos dias, por esta cidade onde vivo há mais de meio
século, é inevitável que de entre as recordações de pessoas e fragmentos
de minutos, de pedaços de acontecimentos, saia a dada altura a figura
bem destacada de Régio: quando, frequentador encartado que era de filmes
- chegou a fazer parte dos corpos gerentes do primeiro Cine-Clube (o
primeiro e último, aliás…) existente na cidade, que por acaso fortuito
viria uma vintena de anos depois do seu falecimento a ter-me como
orientador - caminhava na minha frente pela rua bordejada de árvores do
“bairro alto” até chegarmos ao “Alentejano” onde usávamos abancar, cada
um em sua mesa, para um retemperador “galão” (copo de café com leite)
meditado com uma torradinha acalentadora daquele tempo de inverno. Ou
quando, ao longo do verão, nas tardes e noitinhas de “calma e
voluptuosidade” duma Portalegre familiar e acolhedora, ele jornadeava
acompanhado de membros da sua informal tertúlia nas Catacumbas do
Marchão, amorável sala de pasto/cervejaria que faz a saudade de muitos
confrades.
Tenho posto a
mim mesmo - já vão ver porquê - a questão de quais ruas ele e um
visitante de longe terão percorrido em certa noite. Viagem que a meus
olhos aparece mesmo como iniciática - senão de sabedorias herméticas ou
tradicionais, pelo menos de entrosamento no encontro, o encontro
em que dois seres podem, por sua íntima convivência, achar-se de maneira
incontornável e, no fundo, inesquecível.
Num dos
livros do escritor de Santos intitulado “Entre mar e rio”, um notável
acervo de poemas “escrito e vivido no meigo país” (Portugal) conforme se
lê no in memoriam de abertura, há uma curiosa dedicatória no exemplar
oferecido ao poeta vilacondense que portalegrense se cifrou; datada de
Junho de 1952, reza assim: “A José Régio, recordando a sua
hospitalidade numa noite de Portalegre, o seu admirador - Ribeiro Couto”.
A que noite
se referia o autor de “Cancioneiro do ausente”, como teria sido esse
momento de fraternal comunhão recordado pelo poeta brasileiro? Iremos
sabê-lo pelo próprio Régio, que na secção “Adeus a Ribeiro Couto” -
inserida no final do livro “Sentimento lusitano”, edição portuguesa da
“Ed. Livros do Brasil”em que este exprimia o “sentimento da
Lusitanidade” que em si morava - dá a lume um testemunho vívido, que
aliás homenageia o confrade que acabara de falecer.
Aqui fica o
texto de Régio, que desta forma se juntava a Hernâni Cidade, Jacinto do
Prado Coelho, João Gaspar Simões, Miguel Torga, Matilde Rosa Araújo
entre outros mais, na recordação em que celebraram “o homem cordial” -
como lhe chamou Fidelino de Figueiredo - que tão forte e adequadamente
soube amar o nosso País e deixou pontes de fraternidade corroboradas
pelo tempo:
“Recordação
de Ribeiro Couto: - Uma tarde, em Portalegre, eu tinha ido jantar ao
pequeno hotel do costume, - e sentia-me triste e macambúzio. Um meu
colega comia ao lado e, inclinando-se para mim, disse: “Parece-me que
está ali o Ribeiro Couto”. Ergui os olhos, timidamente procurei pela
sala… Com efeito: o Ribeiro Couto estava no outro extremo. Reconheci-o
por um retrato desenhado que viera num jornal. Como disse, eu estava
macambúzio, num dos meus dias de retraimento e pessimismo, - pouco ou
nada disposto a qualquer convivência. Logo baixei os olhos, alarmado, e
segredei ao meu vizinho de mesa: “Não diga nada! Não estou hoje com
disposição…”. Debalde, porém, tentava fechar-me outra vez na minha
concha. Estava ali o Ribeiro Couto!, ali, em Portalegre, naquela sala
daquele pequeno hotel onde eu comia, e onde, naturalmente, os encontros
desses não podiam deixar de ser raros. De aí a momentos, o rapazito que
nos servia veio trazer-me um recado: “O Sr. Ribeiro Couto manda
cumprimentar o Sr. José Régio”. Contrariado, levantei os olhos para o
outro extremo da sala, onde ele estava. Esbocei um cumprimento, um
sorriso constrangido, um vago gesto amigável… Mas Ribeiro Couto não se
contentava com tão pouco. Mesmo do outro extremo da sala, começou comigo
uma conversa que prosseguiu depois no café, depois pelas ruas desertas
da cidade, e depois terminou em minha casa pelas quatro ou cinco horas
da manhã, a bebermos uma bagaceira que era o que eu lá tinha. Segundo me
disse, ele ia passar uns tempos num sanatório. Mas falava, ria, bebia,
expandia-se, comunicava de tal modo, que todo o meu retraimento se
fundira a essa chama.
Como é bom conhecer de perto um verdadeiro poeta,
encontrar nele um homem tão vivo e tão simples, ferver ao seu contacto,
reatar através dele uma fraternidade humana ameaçada!..Eu quase nada
devia já pensar, nessa madrugada em que nos separámos para nos não
voltarmos a encontrar na vida senão fugidamente; mas decerto sentia isto
muito ao fundo de mim, e sempre que me lembro de Ribeiro Couto o volto a
sentir”.
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NICOLAU
SAIÃO [FRANCISCO GARÇÃO]
[Monforte do
Alentejo,1949, Portugal]
Poeta,
publicista, actor-declamador e
artista plástico. Efectuou palestras
e participou em mostras de Mail Art
e exposições em diversos países.
Livros: “Os objectos inquietantes”,
“Flauta de Pan”, “Os olhares
perdidos”, “Passagem de nível”, “O
armário de Midas”, “Escrita e o seu
contrário” (a publicar). Tem
colaboração dispersa por jornais e
revistas nacionais e estrangeiros
(Brasil, França, E.U.A. Argentina,
Cabo Verde...).
CONTATO:
nicolau49@yahoo.com |
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© Maria Estela Guedes
estela@triplov.com
Rua Direita, 131
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