REVISTA TRIPLOV
de Artes, Religiões e Ciências


Nova Série | 2010 | Número 10

 

Porquê e para quê um encontro de Alquimia aqui em Benedita e, sobretudo, porquê a CEPSE – Cooperativa de Estudos e Intervenção em Projectos Socioeconómicos a colaborar com a Barafunda AJCSS, nesta diligencia de atrair pensadores tão díspares nas suas abordagens. Podemos recuar no tempo à produção de outros textos que estão na origem da dinâmica de criação e mobilização destas duas entidades. Nada como uma boa ancoragem teórica para mobilizar práticas de pensamento aberto e plural. 

Para além dos defensores de que a razão, por si só, já não dá conta da complexidade da realidade[1], ou o debate em torno das diversas formas de racionalidade[2], assistimos ao alargar do campo de análise das várias ciências (constatação de que os problemas com que se debatem extravasam as estruturas das áreas em que trabalham) e à transformação da própria ciência, pelas reciprocidades estabelecidas com o alargamento dos seus públicos. No dizer dos pensadores da “terceira cultura” (Brockman[3], 1998), aquilo que tradicionalmente se chamava ciência, passou a ser hoje “cultura pública”, “terceira cultura”. Dada a intensificação do esforço de auto-instrução[4], os efeitos reflexivos da nova dinâmica da ciência, gerada em torno da comunicação de ideias, numa relação mais directa entre públicos e cientistas, engendra, também ela, novas vias que, certamente, irão definir novas questões na relação entre cultura científica, tecnológica e desenvolvimento (pessoas e territórios).

DIRECÇÃO

 
Maria Estela Guedes  
   
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ISABEL RUFINO

 

Sessão de Abertura

IX Colóquio Internacional «Discursos e Práticas Alquímicas»
Centro Cultural Gonçalves Sapinho . Benedita, 29-30 de Maio de 2010

 
 
 
 
 
 
 

Este conjunto de considerandos remete-nos, sem dúvida, para um outro tipo de problema que se prende com o sentido da ciência e para a demarcação entre ciência e não ciência[5]. Em Comte[6] (1798-1857), o positivismo, enquanto teoria e método aplicado à Sociologia, (entendida como Física Social ou Ciência Social) permite a prevenção e regulação dos factos sociais, sobretudo os factos políticos, conforme afirma: “Toute idée absolue de bien ou de mal, elle les regarde comme constamment relatives à l’état déterminé de la société, et variables avec lui (...) La science conduit à la prévoyance, et la prévoyance permet de régulariser l’action (...) dans la recherche des lois sociales, l’esprit doit indispensablement procéder du général au particulier, c’est-à-dire commencer par concevoir, dans ensemble, le développement total de l’espèce humaine” (Comte, 1972:87-88)  

Trata-se do positivismo sociológico, assente na tentativa de aplicar os modelos e métodos das ciências naturais ao estudo dos problemas sociais e humanos, onde o mundo social é visto como se de natural se tratasse. 

Durkheim [7](1895 ed.1995:9) afirma que o seu principal objectivo é alargar ao comportamento humano o racionalismo científico. Porém, dentro das especificidades da natureza humana, coloca questões em torno dos limites da razão, da consciência e mesmo da ciência, indagando sobre os pressupostos quantitativos ou qualitativos de bem-estar ou felicidade (Durkheim[8], 1991: 10-29).  

Quase contemporâneo deste, a iniciar da perspectiva funcionalista, com origem no pensamento filosófico positivista, temos Weber[9] (1864-1920) que, visando compreender a actividade social e explicar os seus efeitos, introduz nas abordagens da acção social a perspectiva que os indivíduos possuem do significado da sua acção e da dos demais actores — o sentido subjectivo e intersubjectivo que permite fundar e adequar antecipadamente a acção. Em Boudon e Bourricaud[10] (1994:681), o indivíduo webariano (o dos comportamentos individuais e racionais) pressupõe a disposição de um certo número de atributos que lhe permitem combinar meios e fins, sendo que os sentidos das suas acções são determinados pelas intenções e expectativas, atendendo às intenções e expectativas dos outros.

Podemos procurar no tempo, ainda no campo da análise das transformações sociais e das reflexões teóricas acerca das realidades vividas, chegando efectivamente às mesmas ideias conclusivas de que as grandes transformações resultam do protagonismo da ciência[11]. Vivemos hoje num período em que a maior mudança é a própria cadência da mudança. Esta mudança e a descontinuidade provocada estão sobretudo associadas ao uso feito pelo Humano das novas descobertas. Todavia, o desenvolvimento projectado, programado, assente em critérios científicos, virá necessariamente a tornar-se caduco porque a substituição decorrente da turbulência gerada pelas descobertas científicas ultrapassa, a cada momento, cada acção e cada propósito que a fundamenta. 

A procura de sustentabilidade do desenvolvimento nos espaços geográficos, regiões e países mais desenvolvidos ou a sua promoção, quando se sobrevive em precárias condições, ou ainda, na luta contra a fome, torna-se cada vez mais o debate central das ciências sociais num multifacetar de concepções que passam por privilegiar a importância da ciência e consequentemente das relações entre ciência e desenvolvimento, tecnologia e mudança. Assim, a ciência, frequentemente entendida como potenciadora de novas vias e de novas transformações que também marcam as grandes questões da actualidade em torno da relação entre saber e poder, coloca o conhecimento e a informação num lugar de destaque entre os factores de competitividade/económica e social. É nesta abertura ao conhecimento e à informação que damos as boas vindas aos oradores, agradecendo a oportunidade de partilharmos um campo onde ciência e não ciência, poesia, literatura e exoterismos se mesclam.

 

 

[1] Schumacher (1987: 39) define o ser humano a partir de quatro elementos que identifica como ontologicamente diferentes (na sua natureza) incomparáveis, incomensuráveis e descontínuos. São eles: a matéria (m), a vida (x), a consciência (y) e a consciência de si (z), sendo que apenas um deles (m) é directamente acessível à observação objectiva e científica através dos nossos cinco sentidos. Porém, acrescenta, o reconhecimento ou não de algo difere da possibilidade da sua identificação não a impedindo – “Só encontramos vida enquanto matéria viva; nunca encontramos consciência senão na matéria viva consciente; e nunca encontramos consciência de si a não ser na matéria viva, consciente e capaz de ter consciência de si mesma” SCHUMACHER, E.F, 1987, Um guia para os perplexos, Lisboa, Dom Quixote.

[2] Com a mobilização dos actores locais  com recurso a Associações, incorporando conceitos de “incerteza”, de “racionalidade limitada” onde interfere a mudança, a escolha, a contradição e a dialéctica. Perante esta, Louçã (1997) fala do enfraquecimento das ciências naturais no contexto de um conceito mais alargado de pluralidade de conhecimentos: “Se o objectivo da ciência é compreender e explicar processos reais e complexos, i.e., a vida, então deve mudar os seus métodos e filosofias. Esta mudança está agora mesmo em curso” (p. 11). Acrescenta, ainda, que na economia, a crise do positivismo é especialmente dramática, apelidando a ciência “o cientismo” de “uma ideologia” (p.21).  

[3] BROCKMAN, John, (org.), 1998, A Terceira Cultura Para Além da Revolução Cientifica, Lisboa, Temas e Debates

[4] Apesar dos problemas de iliteracia, emergem novos Públicos da Ciência em Portugal (ver COSTA, A. Firmino, et al , 2002, Públicos da Ciência em Portugal, Lisboa, Grádiva). Ver práticas e estatísticas dos Centros Novas Oportunidades (ano 2010) com o Reconhecimento Validação e Certificação de Competências apreendidas nas aprendizagens na vida e com ávida em auto e hetero aprendizagens.

[5] Ver Augusto S. Silva, 1988, Entre a Razão e o Sentido, Afrontamento, Porto. Este autor (p. 22) refere o indutivismo Durkheimiano na origem da circularidade em que ocorrem muitas das suas apresentações e da grande incapacidade positivista de produzir teorias “regionais” capazes de dar conta de regularidades estatísticas observáveis.

[6] COMTE, Auguste, 1972, La science sociologique, Paris, Gallimard

[7] DURKHEIM, Émile ,1995, As Regras do Método Sociológico, Lisboa, Presença

[8] DURKHEIM, Émile (1991), A Divisão do Trabalho Social, Lisboa, Ed. Presença, 2 Vols.

[9] WEBER, Max, 1971, Economie et société/1: Les catégories de la sociologie, Paris, Plon

[10] BOUDON, R. – BOURRICAUD, F., 1994, Dictionnaire critique de la sociologie, Paris,  Presses Universitaires de France

[11] Sobre os novos campos da ciência em torno do conceito de Inteligência Emocional, ver Martin e Boeck, 1997, e Goleman, 1997.

 

 

Isabel Rufino (Portugal)
Doutorada em Sociologia do Trabalho e das Organizações e do Emprego. Professora convidada da ESECS - Instituto Politécnico de Leiria. Investigadora CIES- IUL-ISCTE. Directora da Associação Barafunda AJCSS.

 

 

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