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Talvez por essa razão
Wilmar Silva, o autor da quase totalidade dos poemas e das
interpretações com a colaboração de Francesco Napoli, que actua
sobretudo ao nível da componente acústica e na criação de ambientes
sonoros que sublinham as vocalizações de Wilmar, talvez por essa razão
– dizia eu - Wilmar Silva tenha designado está poética de Biosonora,
pelo recurso quase que exclusivo da vocalidade e da componente acústica
dos sons que a acompanham.
A nível interpretativo
Wilmar e Francesco afastam-se definitivamente da teatralização das
interpretações (comum à maioria dos poetas brasileiros que dizem,
encenam ou interpretam poesia), valorizando as frases poéticas e
reforçando-as sonoramente em vez de as dramatizar. É assim que entendo a
poesia sonora: interpretar o poema de uma forma criativa e rigorosa dos
versos ou das palavras, potencializando-as vocálica e sonoramente
através das consonâncias, dos ritmos, das entoações, das repetições e,
por vezes, da própria desconstrução dos versos, das palavras ou das
sílabas, reconstruindo desse modo a poética que cada poema encerra.
E Wilmar explora de uma
maneira segura e criativa a estrutura dos poemas, as suas rimas sonoras,
o peso das palavras, o som das próprias letras, as inflexões, as
repetições, a pulsação rítmica com que as diz ou, por vezes, soletra, o
que faz de NEONÃO uma obra a ter presente quando se falar de poesia
sonora no Brasil.
Nesse sentido Wilmar
Silva, que é também um excelente poeta verbal, o que se pode verificar
pelos livros que tem publicado, tem focalizado mais recentemente a sua
atenção produtiva numa poética mais experimentalista (mais concretamente
numa poética verbo-experimental) que, de repente, faz dele um poeta
sonoro de referência, sobretudo se o considerarmos no contexto poético
brasileiro.
Na Europa existem
verdadeiros mestres da poesia fonética e sonora, sobretudo em Itália, em
França, em Espanha, mas também noutros países como a Holanda, a Hungria,
ou a Áustria. No Brasil, conheço muito bons poetas concretos, poetas do
poema-processo e da visualidade poética, mas no campo da sonoridade
poético-vocal, não tenho conhecimento de muitos autores que se
evidenciem nesta área. O que pode acontecer a partir de agora com esta
obra de Wilmar Silva e de Francesco Napoli e com uma previsível
continuidade na exploração desta trilha estético-sonora.
NEONÃO tem início com a
insistência fonética de “EE TU MAO”, um soneto branco no qual as
tonalidades vocálicas são criadas pela voz do Wilmar Silva. Uma
orquestração de sons e de fonemas para dizer uma simples frase ou, mais
exactamente, um simples verso: “eu não te amo”. Neste caso poder-se-ia
considerar que o envolvimento sonoro pretende corresponder à dificuldade
que toda a gente terá ao dizer a outra pessoa o que este poema diz.
Ritmo, sonoridade e
vocalidade estão bem patentes no poema “Caracter”; diferentes compassos
criados pela dicção de “art now now art pop art art pop” que incitam à
cadência, à repetição… "all type type all / tipo bio bio tipo
type all". Ou no poema “White”, que recorre a semelhantes soluções
sonoras e fonéticas ao repetir o “black electric black”.
“Atlas” é um poema de
antologia que não poderia faltar a um trabalho com estas
características. Um perfeito exemplo entre a verbalidade, a
experimentalidade, a estrutura e a vocalidade de um poema que, à
primeira vista, até poderá nem o ser. O futebol canarinho em várias
línguas numa língua comum: a biosonoridade, com um angustiante solo de
guitarra que enfatiza um crescente clímax que o poema contêm em si
próprio. Desconstruído pelo andamento com que é (re)dito a seguir.
A melancolia de
“Outono”, poema de Francesco Napoli, dito com uma voz enfática de W.
Silva é um bom exemplo de como se pode transformar um poema verbal num
poema cuja sonoridade soa a outra coisa na voz do poeta.
Ou a dificuldade de
dizer os dois pedaços de “Anu”, aflorando a complexidade da
interpretação de um texto que é-o / não é, que se lê mas não se diz, que
se apreende mas não se aprende, numa complexa interpretação que,
curiosamente, vem desvendar muito do que o poema teimosamente não deixa
perscrutar, nesta obra cimeira de Wilmar Silva, que tem dado algumas
edições de grande qualidade, e que promete não ficar por aqui no
potencializar desta criativa obra poética.
Mas nem só de poemas
próprios vive este cd. O ritmo, a estrutura, as rimas internas, toda a
imagética suscitada e a toada vocálica de “Saudade Dada”, um genial
poema de Fernando Pessoa, com toda a propriedade pré-concretista, a (ab)usar
criativamente (d)o som das sílabas e da multiplicidade de rimas que cada
palavra encerra, é um exemplo daquilo que tenho estado e referir.
Alguns poemas roçam uma
interpretação mais melódica e cadenciada como é o caso de “Chaparral”
mas, definitivamente, o poema presta-se a este tipo de interpretação:
por causa do cora ção/ ção/, e do pei to/ to/, no cor po/ po/, ou a al
ma/ ma/ do se xo/ xo/.
“X” é um achado
poético, que só a inventividade irreverente de Wilmar Silva poderia
criar. E do mesmo modo que foi escrito, assim foi lido. Amém. Para quem
não consegue entender o poema, o melhor é ouvir ax palavrax ditax pelo
próprio onde a poesia ressalta por entre os poros e os X’s. Xe não
entende então xmex xexcluax xdax xsuax xcacholax…
NEONÃO, que para muita
gente (inclusive poetas) soará a NEONADA, é uma obra a reter e a ouvir
uma e outra / e outra / e outra / e outra vez. Dito isto, dou todo o meu
SIM a NEONÃO. |