REVISTA TRIPLOV
de Artes, Religiões e Ciências


Nova Série | 2011 | Número 10

 

 

 

Desde Philadelpho Menezes e das suas experiências poético-sonoras a solo ou em conjunto com Wilton Azevedo, mais voltadas para a componente tecnológica da palavra, e do soberbo “Nome” de Arnaldo Antunes, que não ouvia uma obra de poesia sonora de um autor brasileiro que me soasse de um modo inovador e entusiasmante.

E desta vez com a sonoridade dos poemas patenteada quase que exclusivamente pela voz, sem grandes recursos técnicos, excepto o som de guitarra, o que torna esta poética mais próxima de uma sonoridade defendida pelo próprio Wilmar Silva. Pontualmente a lembrar a precursora experimentalidade vocal e o envolvimento concretista que Arnaldo Antunes imprime a determinados poemas (ver/ouvir a parte final de “iiiii” /arara… angue no ênis émen no ímen… arara).

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Maria Estela Guedes  
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FERNANDO AGUIAR

O sim a neonão

                                                                         

   
   
   
   
   
   
   
   

Talvez por essa razão Wilmar Silva, o autor da quase totalidade dos poemas e das interpretações com a colaboração de Francesco Napoli, que actua sobretudo ao nível da componente acústica e na criação de ambientes sonoros que  sublinham as vocalizações de Wilmar, talvez por essa razão – dizia eu -  Wilmar Silva tenha designado está poética de Biosonora, pelo recurso quase que exclusivo da vocalidade e da componente acústica dos sons que a acompanham.

A nível interpretativo Wilmar e Francesco afastam-se definitivamente da teatralização das interpretações (comum à maioria dos poetas brasileiros que dizem, encenam ou interpretam poesia), valorizando as frases poéticas e reforçando-as sonoramente em vez de as dramatizar. É assim que entendo a poesia sonora: interpretar o poema de uma forma criativa e rigorosa dos versos ou das palavras, potencializando-as vocálica e sonoramente através das consonâncias, dos ritmos, das entoações, das repetições e, por vezes, da própria desconstrução dos versos, das palavras ou das sílabas, reconstruindo desse modo a poética que cada poema encerra.

E Wilmar explora de uma maneira segura e criativa a estrutura dos poemas, as suas rimas sonoras, o peso das palavras, o som das próprias letras, as inflexões, as repetições, a pulsação rítmica com que as diz ou, por vezes, soletra, o que faz de NEONÃO uma obra a ter presente quando se falar de poesia sonora no Brasil.

Nesse sentido Wilmar Silva, que é também um excelente poeta verbal, o que se pode verificar pelos livros que tem publicado, tem focalizado mais recentemente a sua atenção produtiva numa poética mais experimentalista (mais concretamente numa poética verbo-experimental) que, de repente, faz dele um poeta sonoro de referência, sobretudo se o considerarmos no contexto poético brasileiro.

Na Europa existem verdadeiros mestres da poesia fonética e sonora, sobretudo em Itália, em França, em Espanha, mas também noutros países como a Holanda, a Hungria, ou a Áustria. No Brasil, conheço muito bons poetas concretos, poetas do poema-processo e da visualidade poética, mas no campo da sonoridade poético-vocal, não tenho conhecimento de muitos autores que se evidenciem nesta área. O que pode acontecer a partir de agora com esta obra de Wilmar Silva e de Francesco Napoli e com uma previsível continuidade na exploração desta trilha estético-sonora.

NEONÃO tem início com a insistência fonética de “EE TU MAO”, um soneto branco no qual as tonalidades vocálicas são criadas pela voz do Wilmar Silva. Uma orquestração de sons e de fonemas para dizer uma simples frase ou, mais exactamente, um simples verso: “eu não te amo”. Neste caso poder-se-ia considerar que o envolvimento sonoro pretende corresponder à dificuldade que toda a gente terá ao dizer a outra pessoa o que este poema diz.

Ritmo, sonoridade e vocalidade estão bem patentes no poema “Caracter”; diferentes compassos criados pela dicção de “art now now art pop art art pop” que incitam à cadência, à repetição… "all type type all / tipo bio bio tipo type all". Ou no poema “White”, que recorre a semelhantes soluções sonoras e fonéticas ao repetir o “black electric black”.

“Atlas” é um poema de antologia que não poderia faltar a um trabalho com estas características. Um perfeito exemplo entre a verbalidade, a experimentalidade, a estrutura e a vocalidade de um poema que, à primeira vista, até poderá nem o ser. O futebol canarinho em várias línguas numa língua comum: a biosonoridade, com um angustiante solo de guitarra que enfatiza um crescente clímax que o poema contêm em si próprio. Desconstruído pelo andamento com que é (re)dito a seguir.

A melancolia de “Outono”, poema de Francesco Napoli, dito com uma voz enfática de W. Silva é um bom exemplo de como se pode transformar um poema verbal num poema cuja sonoridade soa a outra coisa na voz do poeta.

Ou a dificuldade de dizer os dois pedaços de “Anu”, aflorando a complexidade da interpretação de um texto que é-o / não é, que se lê mas não se diz, que se apreende mas não se aprende, numa complexa interpretação que, curiosamente, vem desvendar muito do que o poema teimosamente não deixa perscrutar, nesta obra cimeira de Wilmar Silva, que tem dado algumas edições de grande qualidade, e que promete não ficar por aqui no potencializar desta criativa obra poética.

Mas nem só de poemas próprios vive este cd. O ritmo, a estrutura, as rimas internas, toda a imagética suscitada e a toada vocálica de “Saudade Dada”, um genial poema de Fernando Pessoa, com toda a propriedade pré-concretista, a (ab)usar criativamente (d)o som das sílabas e da multiplicidade de rimas que cada palavra encerra, é um exemplo daquilo que tenho estado e referir.

Alguns poemas roçam uma interpretação mais melódica e cadenciada como é o caso de “Chaparral” mas, definitivamente, o poema presta-se a este tipo de interpretação: por causa do cora ção/ ção/, e do pei to/ to/, no cor po/ po/, ou a al ma/ ma/ do se xo/ xo/.

“X” é um achado poético, que só a inventividade irreverente de Wilmar Silva poderia criar. E do mesmo modo que foi escrito, assim foi lido. Amém. Para quem não consegue entender o poema, o melhor é ouvir ax palavrax ditax pelo próprio onde a poesia ressalta por entre os poros e os X’s. Xe não entende então xmex xexcluax xdax xsuax xcacholax…

NEONÃO, que para muita gente (inclusive poetas) soará a NEONADA, é uma obra a reter e a ouvir uma e outra / e outra / e outra / e outra vez. Dito isto, dou todo o meu SIM a NEONÃO.

 

 

 

 Fernando Aguiar (Portugal, 1956)
Artista plástico, poeta. Publicou, entre outros, os livros de poesia: “POEMAS + OU – HISTÓ(É)RICOS”, “O DEDO”, “REDE DE CANALIZAÇÃO”, “MINIMAL POEMS”,  “A ESSÊNCIA DOS SENTIDOS”. Infantis:  “ROSARINHO E ALZIRA”, “UÉRÉ DE GUARAQUEÇABA”. Antologias: “POEMOGRAFIAS – Perspectivas da Poesia Visual Portuguesa”, “1º FESTIVAL INTERNACIONAL DE POESIA VIVA”, “CONCRETA. EXPERIMENTAL. VISUAL – Poesia Portuguesa 1959-1989”, “VISUELLE POESIE AUS PORTUGAL”, “IMAGINÁRIOS DE RUPTURA / POÉTICAS EXPERIMENTAIS”.
e-mail: fernandoaguiar@netcabo.pt
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