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Segunda-Feira
Mal cheguei na Saudobrás e já
adorei. Saudade pra todo lado. De tudo. De tudo, assim, do meu bem-bom
de Brasília, sabe como? Não conheço ninguém no Rio de Janeiro, e também
ninguém me conhece, mas valeu. Ô cidade maravilhosa, cheia de encantos
mil! Só o ar que se respira, uau! Entrei no elevador e, junto, entrou o
homem mais lindo deste planeta. Moreno, olhos verdes e o corpo sarado,
parecendo arrebentar as costuras do terno. Das calças, principalmente.
Liiiiiiiiiiiiindo, amiga! Apaixonei na hora. Tô fissuradíssima. Olhei
disfarçadamente a hora no meu Swatch de pulso, cê sabe que eu adoro o
meu Swatch, e fiz aquele promessão pra Santo Expedito. Santo Expedito,
aquele meu santo das causas urgentes e dos problemas que precisam de
pronta solução, cê lembra, né? Amiga, prometi pro meu santo ficar
parada, paradíssima, na frente daquele elevador todos os dias, na
entrada e na saída, se aquele corpão saradão olhasse pra mim. Rezei duas
Avés bem rezadas, mas necas de piripitiba. O saradão nem pó. Saiu no
andar da diretoria e fim, e lá tive eu de subir sozinha pro meu. Ah meu
santo, meu santo, por quê que fizeste isso comigo, hem, meu pai? Mas
escornei não. Dez minutos depois, numa boa, já conhecia o pessoal todo
do setor, todo mundo me paparicando. Até meu chefe, superdelicado, botou
um olhão no meu decote que nem te conto. Mas eu fiz de conta, sabe como?
Primeiro dia... Ah, amiga, tô maravilhada com esta cidade. O Rio de
Janeiro é lindo, lindo, e o amor é igual. Sem limites. Cheguei em casa
esfomeada de tanta paparicação. Não tinha nada na geladeira e saí pra
comer uma calabresa. Imagina eu, logo eu, que detesto pizza. Mas adorei.
Estou apaixonada, amiga!
Terça-Feira
Amiga, olha só. Sabe aquele
morenão saradão de quem te falei? Trombei com ele hoje no elevador. Mas
diferente. Bem diferente. O corpão entrou, olhou pra mim e sorriu.
Amiga, fiquei até sem ação. Boba, boba, com aquele sorriso me lambendo
toda, sabe como? Preciso fazer regime. Me olhei no espelho hoje de manhã
e não gostei. Botei um lápis debaixo do seio e o cotoco caidão segurou
direto. O disgramado do lapisinho ficou lá debaixo coladão, imagina! E a
barriga? Nem te conto, amiga!?! Horror! Um horrorão! Tô gorda! Aí, corri
no supermercado e mandei ver numa dieta legal. Biscoitos, alfaces e
chás. Só e olhe lá. Preciso sarar meu corpinho, muscular meu reto
abdominal e firmar os cotocos pra pegar sem sutiã, sabe como? Agora, ó,
tô dietíssima, amiga!
Quarta-Feira
Acordei com dor de cabeça. Acho
que foi a folha de alface ou o biscoito do jantar. Ou o mate, que tava
azedão. Mas vou desistir não. Preciso me manter firme na dieta. Tenho
que emagrecer dois quilos até o fim da semana. E vou conseguir. Ah, vou!
Nem que tenha que mandar ver meia dúzia de clisteres, vou conseguir. Tô
balofa, amiga, comparada com aquele corpão saradão! Ah, esqueci te
falar! O nome dele é Filomeno. Ouvi um colega falando na porta do
elevador. E tem mais. Também já sei que se divorciou faz dois meses e tá
sozinho. A moça que serve cafezinho, a Francinha, me falou. Aí, quando
ele entrou no elevador, olhei pra ele e sorri, e ele me cumprimentou.
Mas sorrir e olhar, é pouco, né? Preciso me insinuar mas sem parecer
vulgar, sabe como? Aí, no fim do expediente, passei numa butique
finérrima e mandei ver um vestido decotadão, dois números abaixo do meu.
Vestiu que nem pele. Legalérrimo. Amanhã vou mandar ver, amiga!
Quinta-Feira
Filomeno me cumprimentou hoje,
quando entrou no elevador. Seu sorriso escorreu por mim abaixo e só
parou lá, cê sabe onde, né? Fiquei até dura, amiga! Ele me perguntou se
eu era a saudosista que tinha vindo transferida de Brasília e eu,
tadinha de mim, tremendo, tremendo, só fiz: "hum-hum". Ele volta e
pergunta se eu tava gostando do Rio e eu só disse: "hum-hum". Ele pega e
pergunta se eu já conhecia o pessoal e eu só repeti: "hum-hum". Aí, ele
abre aquele sorriso acabaacaba e me pergunta se eu só sabia falar "hum-hum"
e eu só consegui grunhir: "hã-hã". Será que ele notou a minha
tremedeira? Será que deu pra ele ver que eu tava todatoda? Ai, amiga,
amiga, tô tão apaixonada! Mas tô resolvida! Amanhã vou perguntar pra ele
se ele quer me mostrar o Rio de Janeiro no final de semana. Tô nervosa,
amiga! Preciso me controlar e acalmar. Acho que vou quebrar meu regime
hoje. Tô fazendo uma sopa de legumes. Espero que me acalme e não me
engorde. Vou comer a legumada toda. Preciso dar um chega pra lá neste
sufoco, amiga!
Sexta-Feira
Amiga! Tô arruinada! Morta! Ontem
à noite não resisti e comi até! Fiz uma sopa com feijão, repolho e
beterraba, e mandei ver, sabe como? Comi que comi! Menina, hoje saí de
casa que nem um camião da Comlurb. Abarrotada. Empanzinada até. Um
gasômetro ambulante, pior do que spray matamosca. Era só gás, já pensou!
Pum! Pumpumpum e dá-lhe pum! Nem te conto, eu peidava que peidava!
Amiga, cê não imagina a minha vergonha de contar isto, mas se eu não
desabafar, eu me mato. Me jogo pela janela ou boto a cabeça no
travesseiro e me sufoco. No ônibus foi um horror. Bastava um solavanco e
lá tava eu! Um futum que nem eu mesma suportava, sabe como? Eu fazia
tudo pra prender, esvaziava o pulmão, me torcia toda, apertava as pregas
do olhinho, tudo! Mas não tinha jeito. O ônibus pulava e eu pum! E tome
pum! Teve uma hora que alguém gritou: "Aí! Peidar até pode, mas jogar
merda aqui dentro é sacanagem, viu!?! E tava certo. O que valeu é que
meu Santo Expedito tava comigo e uma senhora gorda, dois bancos à minha
frente, pagou o pato. Todo mundo olhava pra ela e xingava, tadinha. Ela
ficou vermelha, roxa, arco-íris total, e eu só aproveitando a mudança da
cor pra aliviar. Vermelha, pum! Roxa, pum, pum! Arco-íris, sai de baixo,
que vai tudo! Já não era só puuum, era vruuum mesmo. Mesmo assim, o meu
maior medo era soltar demais e sair um daqueles de trovão, sabe como?
Amiga, só não morri de vergonha porque não era minha hora, viu? Desci no
ponto correndo e corri feito que nem pega-ladrão. Pra aliviar e
aproveitar o ventinho que soprava. Mas era meu dia de cu doce não. Na
entrada do prédio da Saudobrás tem uma senhora que vende pastel, beijú,
café, essas coisas de camelô. Eu ia passando e um freguês pegou um
pastel, justo na hora em que o meu futum entendeu de mandar ver. O
sujeito jogou o cujo no lixo e reclamou: Pô, dona Maria! Este pastel tá
podrão, podrão, cheirando mais que bode velho, ué! Vergonha que nem te
conto, amiga! Aí, entrei na Saudobrás resolvida a subir os vinte e
quatro andares pela escada, pra esvaziar o gasômetro. Meu azar foi que
Filomeno, mal me viu, sorriu e ficou segurando a porta, esperando. Aí,
amiga, já viu, né? Recusar como? Entrei de cabeça baixa e ele, sempre me
olhando e sorrindo, apertou o botão do meu andar. Eu prendi tudo, até a
respiração. O elevador subia cheio, mas foi esvaziando e no décimo
quinto nós ficamos sozinhos. Cheguei até a me sentir aliviada, sabe
como? Quem sabe, com menos peso, o elevador andava mais rápido, né? Mas
não era meu dia. Eu rezando, me torcendo, apertando as pregas, Filomeno
sorrindo e, de repente, o elevador dá um tranco e as luzes apagam. A luz
de emergência acendeu, Filomeno sorri, ai, aquele sorriso, amiga!, e diz
pra mim: É a bruxa das sextas-feiras. Toda sexta-feira é isto. Mas a luz
volta logo, logo, preocupa não. Mal sabia ele que eu não tava
preocupada, eu tava era apavorada. Amiga, juro por Deus que tentei
prender até. Juro mesmo! Mas não deu. Não teve jeito. A dor começou
fininha, fininha, mas foi engrossando, engrossando e não deu pra
aguentar. Aí, antes que saísse um que nem trovão, deixei escapar um
tiquinho, sopradinho, bem devagarinho. Abaixei e fiquei respirando
rápido, tentando aspirar o futum , abrindo e fechando a boca, como se
tivesse me sentindo mal, com falta de ar. Já imaginou uma situação
dessas? Peidar e ficar tentando aspirar o peido, pra que o homem mais
lindo do mundo não perceba que cê peidou? Horror! Horrorão, amiga!
Filomeno, tadinho dele, preocupado comigo, tentando me segurar, e eu
aspira que aspira. Olha, se percebeu a cheirada do futum, não deu a
entender. Quando achei que a catinga tinha passado, voltei a respirar
normal. Disse pra ele que eu era claustrófoba e tinha hora que me sentia
mal nos elevadores. Mas, mesmo pregando mentira, não era meu dia. Não
era mesmo! Mal ele me ajudou a levantar, tive que soltar e foi aquele
arraso. Puro bodum catingoso, sabe como? Filomeno, tadinho, azulou, mas
não disse nada. Eu, mais puta que puta em dia de Sexta-Feira Santa,
abaixo-me e toca de respirar auau, que nem virgulina em trabalho de
parto. Mas valeu de nada, amiga! Filomeno me olha, espantado, e tapa a
boca e o nariz. Ah meu santo Expedito por quê que aquele elevador não
despencou e eu não fui peidar nas profundas dos infernos, hem? Que nada,
o santo não tava nem aí, e deixou foi rolar o vamos ver. Resultado, as
pregas não aguentaram e o maior futum do mundo lascou no elevador até
sair pelo ladrão. Filomeno, apavorado e já começando a arroxear, apertou
o botão da emergência. Amiga, nem te conto! Cena triste, viu! Filomeno
esmurrando a porta, gritando e esperneando, desesperado, e eu lá, na
respiração cachorrinho, tentando aspirar a catinga, pedindo a Deus e a
todos os santos que o elevador despencasse e eu evaporasse. O elevador
não despencou, mas o fedorão foi indo, foi indo, e Filomeno se acalmou.
Acalmou assim, tirou o paletó e enrolou na cabeça, e ficou respirando
pelo buraco da manga. Quatro horas depois, amiga, fomos resgatados pelos
bombeiros, meu gasômetro vaziinho, vaziinho, o vestido decotadão
sobrando pano até na bunda, e Filomeno, tadinho, desmaiado e mais roxo
do que repolho roxo roxão. Do hospital fui direta pra casa e nunca mais
vi Filomeno. Queria era sumir no oco do mundo. E sumi. Pralá de Confins
ninguém sabe onde fica. Nem o chefe que abonou a minha transferência
imagina onde, satisfeitão por ter uma funcionária disposta a morar no cu
do Judas, muito mais menos do que fedor de cavalo de bandido, sabe como?
E sopa de feijão, repolho e beterraba, se alguém me convidar, jamé, eu
mato, viu? Apague este meile depois de ler, tá?
Sua amiga,
Jocilene |