REVISTA TRIPLOV
de Artes, Religiões e Ciências


Nova Série | 2010 | Número 08-09

   

AO CENTRO DA LUZ



Debruçam-se.

Lavam as mãos, sujas de barro, no tanque grande.
Morosamente penteiam os longos cabelos negros.
O grande mistério escorre das torneiras arcaicas.

A nora chia. Claridade!
Os sexos emprenham-se de luz.
Nos lábios rebenta o flash do sangue nómada.

E evocam o mundo através dos vasos da árvore magnífica,
dos olhos que as olham por dentro.

E de olhos fechados, escrevem na água.

DIREÇÃO  
Maria Estela Guedes  
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LUÍS COSTA

 

Da topografia abissal

Luís Costa..............

 
 
 
   
   
   
   
   
   
   
    INTROITUS

 

Encosto a testa à geometria
da mão

Escrevo

Lá fora o tempo apodrece
dentro dos frutos
barcos de papel ardem
nos charcos

Ferraduras de silêncio

O grito dos cereais

   
  DO AMOR


Elle est debout sur mes paupières
Et ses cheveux sont dans les miens

Paul Éluard

Escrevo no vento o teu nome
como quem cinzela a pedra
O teu nome, único,
na minha boca, marítima, única
onde se ouvem os rugidos das profundas selvas
animais que, de súbito, aparecem
e destelham o céu
e o martelar do amor violento, mas doce

- como frutos que caem

   
  HOMOGRAFIA


Rente aos alicerces do tempo
abro meus punhos
e pela noite que deles emana
ouço o martelar das fontes secretas
no peito do homem

onde a sede dos demónios se apruma

   
  ASSIMETRIA



Onde o dedo toca a ferida
cresce a devastação da casa abandonada
Dali vêem-se as sombras ardendo
Lá dentro o homem mora
pregado na tábua oceânica

E na luz que se faz
por intermédio da esperança
o corpo mais não é do que uma corda bamba
sob o assobio de aves metálicas
delirantes

Assim tudo se ilumina, por um momento,
para logo se apagar

   
  ARS



As labaredas dos cereais.

Os carneiros da montanha descem à fonte.
[Cascos ressoam nos tambores do bosque ]

De súbito, a turbina do silêncio explode.
A luz quebra-se contra os celeiros nocturnos.

Do outro lado, vivem os mortos.

   
  ARS EROTICA



Um Homem afia a navalha.

Depois, lava os pés de sua mulher
com a noite que lhe escorre da testa.
[ Beija-os morosamente.]

Silêncio. Uma flama
erguida na noite dos corpos.

   
  ARIADNE



Fecho os olhos.

A flor do fogo cresce-me pelos ventrículos.
Sigo a cintura do teu rio,
o grande interior que me inquina.

Escuto a alegria dos cavalos
os microfones das clareiras
no fundo dos lagos
onde teus olhos habitam a dor nocturna.

Inscrevo o teu nome na pedra da água

És um chão de sombras iluminadas
- um abismo que relincha.

   
  ELEGIA



Os livros abertos, espalhados sob
a escuridão da luz. Uma sombra,
onde me encosto ao sol do tédio.
Olho-me na água gasta de dias.

Por dentro , a biela exterior
da memória, uma porta que bate contra
o relincho dos bosques mudos.

   
  DO ANJO NEGRO



Ouço a memória
dentro dos tanques
no perímetro da luz
onde as mulheres cantam pelas furnas
que rompem dos abismos

flashes negros
inquinam o pensamento

   
  HERACLITIANO



As fontes rumorejam pelos bosques.
Debaixo das pedras mora o celeiro do tempo .
Na direcção da bússola
o atalho cega os campos com a sua foice cintilante.

O metal arde nas mãos das mulheres
que trabalham a argila morosamente.
Os homens regressam dos dias arcaicos.
A água corre, clara. Seus pés incendeiam-na .

E os dias seguem os cascos do Grande Animal,
dia após dia, inalteráveis

para trás , fica o pó.


Nota: este poemas fazem parte do livro “ Topografia Abissal “

 

 

Luís Costa (17 de Abril de 1964, Carregal do Sal. Portugal).
Tem vindo a editar trabalhos em revistas e sites digitais como: revista Conexão Maringá, revista Zunái, jornal Triplov, site Triplog e revista Agulha.
Blogue pessoal: http://oarcoealira.blogspot.com/
Contacto: l.Costa@web.de

 

 

© Maria Estela Guedes
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