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Barbershop, em minha opinião, trata-se de uma obra de
maturidade de um escritor completo.
De facto, a carreira de Júlio Conrado cobre múltiplas
vertentes – do romance à poesia, da crónica ao teatro, do ensaio à
própria crítica literária.
E Barbershop, com referência primordial ao seu autor,
reflecte diversas destas valências – em criatividade e em testemunho.
Por outro lado, é uma obra de ficção com as suas
peculiares abrangências e repercussões – numa dimensão autónoma e
autêntica.
Assim, o leitor tem oportunidade de desfrutar um
universo rico e apelativo, estimulante e recorrente, em cujas
incidências poderá contrastar as suas expectativas pessoais quanto ao
imaginário e à imaginação. |
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Com uma motivação (ou inspiração) romanesca em termos
realistas, Júlio Conrado joga, aliás, com todos os atributos subjacentes
à expressão ficcional – como a alusão, a verosimilhança, o artifício, a
ironia, o à parte, o conflito, o capricho, a ambiguidade ou a
experiência.
Em Barbershop, tais aspectos reflectem-se, com
especial propriedade, sobre a narrativa e os intervenientes, sobre o
entrosamento episódico e a dinâmica temporal – considerando os dois
vectores tidos por convencionais, isto é a abordagem factual e o
delineamento cronológico.
Atenuando estas conexões, ou de algum modo pondo-as
em contraste, Júlio Conrado propõe-nos – com a visão à transparência, o
hábil subentendido, o mergulho profundo – um processo envolvente e uma
textura virtual, sem abdicar da linearidade em função de uma estrutura
compósita.
O que observa, anota, inventa. O que desvenda,
transmite, rejeita. O modo como aborda, o estilo com que analisa. As
memórias que resguarda, as emoções que suscita. As vivências que
transfere para outras circunstâncias, modelando-as às suas personagens.
A noção do tempo nos subentendidos da ficção.
Arriscaria, aliás, a indicar uma implícita afeição de
Júlio Conrado pela linguagem cinematográfica, na eloquência de exposição
e como fixação emblemática – implicando o carácter no retrato das
personagens, e vitalizando os diálogos na pontuação da narrativa.
Também, em aproximação ao real, digamos, Barbershop
propõe uma conjugação dinâmica entre a perspectiva global e a conotação
restrita.
Júlio Conrado debruça-se, com engenho e argúcia,
sobre uma paisagem urbana e humana que bem conhece e relaciona. Neste
sentido, é relevante – a partir de Cascais – a opção por Cascale, para
recriar uma comunidade simultaneamente identificável e alegórica.
De igual modo, destaque-se o versátil dispositivo
narrativo de Júlio Conrado – que pode ser rigoroso ou até erudito, logo
com referência às épocas ou aos estratos sociais em causa, mas também
solto e pitoresco, sobretudo na versão coloquial e na dinâmica
afectiva.
Em Barbershop, além do narrador que tudo sabe e
organiza, Júlio Conrado questiona, formula, inventaria – trata de gente
conformista e de outra em ascensão, de famílias conturbadas, refeitas,
de renúncias, de compromissos, de ilusões, de roturas, de requinte e
presunção, de esperança e pessimismo, de ambientes cosmopolitas e de
territórios de bairro, de costumes populares e de rituais bizarros… E,
até, de um poeta emérito e, afinal, laureado.
…Sem esquecer, por certo, e como denominador central,
uma barbearia que é local de convívio e cenário de conveniência – com
cortes de cabelo, claro, e alguma coscuvilhice – templo da arte do pente
e da tesoura, da escova e da navalha, democrático na clientela, mas
volúvel entre a tradição e as transições.
Envolvendo e enredando histórias e revelações,
desfiando e resolvendo conexões e imbróglios, Júlio Conrado busca no
leitor – em cada um de nós, portanto – um interlocutor privilegiado,
isto é um íntimo confidente, um último destinatário, a pretexto de
surpreender ou com quem (com)partilhar tão aliciante manancial. |
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José de Matos-Cruz (Portugal)
Licenciado em Direito pela Universidade de
Coimbra, escritor, jornalista, editor, professor universitário,
investigador, enciclopedista, José de Matos-Cruz nasceu em Mortágua
(1947) e é, na actualidade, o nosso maior especialista em história do
cinema português. De entre a sua extensa bibliografia assinale-se
algumas incursões na narrativa ficcional, uma presença assaz vigorosa na
poesia, no teatro, na banda desenhada e obviamente no cinema, área em
que contabiliza mais de oito dezenas de títulos. José de Matos-Cruz
dirige desde 2004 Imaginário, periódico on line. |