REVISTA TRIPLOV
de Artes, Religiões e Ciências


Nova Série | 2010 | Número 08-09

 

Barbershop, em minha opinião, trata-se de uma obra de maturidade de um escritor completo. 

De facto, a carreira de Júlio Conrado cobre múltiplas vertentes – do romance à poesia, da crónica ao teatro, do ensaio à própria crítica literária. 

E Barbershop, com referência primordial ao seu autor, reflecte diversas destas valências – em criatividade e em testemunho.  

Por outro lado, é uma obra de ficção com as suas peculiares abrangências e repercussões – numa dimensão autónoma e autêntica. 

Assim, o leitor tem oportunidade de desfrutar um universo rico e apelativo, estimulante e recorrente, em cujas incidências poderá contrastar as suas expectativas pessoais quanto ao imaginário e à imaginação.

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Maria Estela Guedes  
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JOSÉ DE MATOS-CRUZ

 

Sobre Barbershop,

de Júlio Conrado 

O espelho & a memória

 

       José de Matos-Cruz

 
 
 
   
   
   
   
   
   
   
   

Com uma motivação (ou inspiração) romanesca em termos realistas, Júlio Conrado joga, aliás, com todos os atributos subjacentes à expressão ficcional – como a alusão, a verosimilhança, o artifício, a ironia, o à parte, o conflito, o capricho, a ambiguidade ou a experiência. 

Em Barbershop, tais aspectos reflectem-se, com especial propriedade, sobre a narrativa e os intervenientes, sobre o entrosamento episódico e a dinâmica temporal – considerando os dois vectores tidos por convencionais, isto é a abordagem factual e o delineamento cronológico. 

Atenuando estas conexões, ou de algum modo pondo-as em contraste, Júlio Conrado propõe-nos – com a visão à transparência, o hábil subentendido, o mergulho profundo – um processo envolvente e uma textura virtual, sem abdicar da linearidade em função de uma estrutura compósita. 

O que observa, anota, inventa. O que desvenda, transmite, rejeita. O modo como aborda, o estilo com que analisa. As memórias que resguarda, as emoções que suscita. As vivências que transfere para outras circunstâncias, modelando-as às suas personagens. A noção do tempo nos subentendidos da ficção. 

Arriscaria, aliás, a indicar uma implícita afeição de Júlio Conrado pela linguagem cinematográfica, na eloquência de exposição e como fixação emblemática – implicando o carácter no retrato das personagens, e vitalizando os diálogos na pontuação da narrativa. 

Também, em aproximação ao real, digamos, Barbershop propõe uma conjugação dinâmica entre a perspectiva global e a conotação restrita.

Júlio Conrado debruça-se, com engenho e argúcia, sobre uma paisagem urbana e humana que bem conhece e relaciona. Neste sentido, é relevante – a partir de Cascais – a opção por Cascale, para recriar uma comunidade simultaneamente identificável e alegórica. 

De igual modo, destaque-se o versátil dispositivo narrativo de Júlio Conrado – que pode ser rigoroso ou até erudito, logo com referência às épocas ou aos estratos sociais em causa, mas também solto e pitoresco, sobretudo na versão coloquial e na dinâmica afectiva. 

Em Barbershop, além do narrador que tudo sabe e organiza, Júlio Conrado questiona, formula, inventaria – trata de gente conformista e de outra em ascensão, de famílias conturbadas, refeitas, de renúncias, de compromissos, de ilusões, de roturas, de requinte e presunção, de esperança e pessimismo, de ambientes cosmopolitas e de territórios de bairro, de costumes populares e de rituais bizarros… E, até, de um poeta emérito e, afinal, laureado.

…Sem esquecer, por certo, e como denominador central, uma barbearia que é local de convívio e cenário de conveniência – com cortes de cabelo, claro, e alguma coscuvilhice – templo da arte do pente e da tesoura, da escova e da navalha, democrático na clientela, mas volúvel entre a tradição e as transições. 

Envolvendo e enredando histórias e revelações, desfiando e resolvendo conexões e imbróglios, Júlio Conrado busca no leitor – em cada um de nós, portanto – um interlocutor privilegiado, isto é um íntimo confidente, um último destinatário, a pretexto de surpreender ou com quem (com)partilhar tão aliciante  manancial.

 

Júlio Conrado, Barbershop. Lisboa, Editorial Presença, 2010

 

 

José de Matos-Cruz (Portugal)
Licenciado em Direito pela Universidade de Coimbra, escritor, jornalista, editor, professor universitário, investigador, enciclopedista, José de Matos-Cruz nasceu em Mortágua (1947) e é, na actualidade, o nosso maior especialista em história do cinema português. De entre a sua extensa bibliografia assinale-se algumas incursões na narrativa ficcional, uma presença assaz vigorosa na poesia, no teatro, na banda desenhada e obviamente no cinema, área em que contabiliza mais de oito dezenas de títulos. José de Matos-Cruz dirige desde 2004 Imaginário, periódico on line.

 

 

© Maria Estela Guedes
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