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REVISTA TRIPLOV
de Artes, Religiões e Ciências
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L'ordre est le plaisir de la
raison, mais
le désordre est la delice de l´imagination.
Paul Claudel
1. Desde
os primeiros tempos da Reconquista e da formação de Portugal como
reino independente, começaram a formar-se várias tipologias de imóveis,
entre elas o senhorio: um latifúndio contínuo ou, geralmente
descontínuo, mais por perto da Casa-mãe ou ainda com imóveis dispersos,
detendo, em grande parte dos seus fundus um conjunto de
infra-estruturas indispensáveis ao mesmo: fornos, celeiros, moinhos,
lagares para o vinho e mel e para o azeite, armazéns para o gado,
ferramentas e outros bens… (1) |
DIREÇÃO |
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Maria Estela Guedes |
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Jornal de Poesia |
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JOÃO SILVA DE SOUSA
A Casa Senhorial
em Portugal na Idade Média
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João Silva de Sousa............... |
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Terão tido a sua origem no
Norte do País, no Entre Douro e Minho e a situação é muito facilmente
explicável: foi por onde começou a desenhar-se o nosso rectângulo
e, logo que começámos a avançar um pouco mais para Sul, levámos a cabo o
povoamento das áreas que pareciam, desde então, estar a salvo dos
violentos e inesperados retrocessos por parte dos Berberes do Norte de
África, empurrados para Sul, mas a poucas milhas da linha de demarcação
definida, essencialmente, por cavaleiros vilões e gente apeada (2). No
entanto, o temor ia persistindo, pelo facto de a Igreja lançar mãos aos
textos escritos árabes (3) e aos que os Muçulmanos haviam abraçado,
sobretudo o Alcorão e as alegorias, metáforas e imagens da
Sunna e das hadîths (4), a fim de vir a saber deles um pouco
mais: para os combater era necessário conhecê-los, i. é. Ter um mínimo
de consciência do que lhes ia na mente e assim atingir o âmago
explicativo das lutas contínuas que infligiam por todo o lado! Tinha-se
bem presente que, a qualquer hora, os Berberes poderiam voltar ao ponto
de origem, dadas as ordens de Deus que eles mesmos, liderados pelos
Árabes, sabiam de cor:
”Dizei-lhes: ‘Se pretendeis ter a última
morada ao Meu lado, inteiramente, em desfavor dos demais, desejai a
morte, se sois verdadeiros” (5).
Esta situação colocou-se-nos,
mais tarde, ao sermos informados pelo papa Inocêncio VI, a 21 de
Fevereiro de 1335, quando dirigia uma bula ao Arcebispo de Braga (6),
dando-lhe conta de que foi conhecedor por um enviado de D. Afonso IV, de
que os Mouros tinham no mar um grande número de galés, a fim de
surpreenderem os Portugueses, entrando pelo Algarve, onde já haviam
tomado alguns castelos (7), nos seus habituais raids da jjihâd
islâmica (8).
Era, pois, cautelosamente, à
custa de atalaias constantes e da fixação de um número de soldados
sempre operacionais, que se ia procedendo ao repovoamento, pari passu,
das áreas recentemente tomadas (9).
Povoar,
antes de mais, era ter um perfeito conhecimento das características geo-morfológicas do solo (10) e daí partir, então, para a
ocupação da terra com meios humanos bastantes; explorar a agricultura e
a pastorícia; distribuir as parcelas de terra por meios e contratos
diversos, tendo em conta um maior ou menor perímetro, de acordo com as capacidades
económicas e de trabalho de cada qual (11); demarcar, pois as áreas;
organizar as instituições e defendê-las, à custa de agentes individuais
e plurais, entre eles, os concelhos (12). E, assim, se foi procedendo.
Embora timidamente, dotava-se cada parcela com meios humanos nacionais e
estrangeiros (13); permitíamos a coabitação com Judeus e Mouros que por
aqui iam permanecendo, livres, semi-livres e servos; os criminosos,
deslocávamo-los sobretudo para zonas de fronteira (14); outorgávamos
vantagens de acordo com as especificidades da árera e a sua localização
geográfica estratégica (15), aproveitando, inclusive, as
florestas que iam sendo arroteadas (fig. 1).
Dedicámo-nos à agricultura,
pondo em prática o cultivo de certos produtos que tínhamos como
essenciais (16); permitíamos o
desenvolvimento de culturas específicas, de acordo com a tipologia do
solo arroteado (17) e da região, do clima, de montanha ou de planície (18); com um plantio de géneros que dessem azo ao incremento de
certas indústrias associadas ou dependentes (19); desbravávamos
terrenos, secávamos pântanos, derrubávamos florestas (20), alargávamos, como sabíamos (não da melhor maneira), as
terras de cultivo (21). A dualidade a que os Muçulmanos, de ordinário,
nos habituaram nas áreas reconquistadas, fez com que lhes
ficássemos devedores de uma convivência pacífica de séculos, tendo-nos
legado géneros alimentares, práticas rudimentares e técnicas mais
evoluídas. Assim, contámos, no caso vertente, com sistemas de irrigação
muito aperfeiçoados, com a introdução de novos legumes e fruteiras (22)
que poderíamos juntar, na alimentação do nosso quotidiano, ao pão e ao
vinho, e a um pouco de carne e peixe, quando os havia.
Distribuíamos as terras por
meios diversos que se iam instituindo e tomando fórmulas jurídicas:
dotávamos gentes com peças de cultivo, a título amovível, vitalício, por
mais de uma vida, hereditário ou perpétuo, através de doações de
tipologias várias e permitindo o alargamento do solo, a conquista, a
título particular ou privado, e a redistribuição dos imóveis e dos
réditos do corso.
Demarcávamos o solo, deitando
mãos aos processos mais diversificados – com marcos, de um modo geral:
colocando pedras, abrindo valas ou fossos (o fossatum); com o
plantio de árvores que serviam de confinantes, de acordo com áreas ou
perímetros onde um homem pudesse trabalhar um dia ou mais: jeiras,
peças, granjas e, entre outras, também senarias que, as Inquirições de
1220 indicam como peças de terra cultivada com cereais e vinha (23)
Organizávamos as instituições e
defendíamo-las. Instituímos comarcas, almoxarifados e julgados,
organizando a Justiça (24). A Igreja expandia-se. Subdividiram-se
freguesias de acordo com o aumento do número de fregueses, onde foi o
caso, e os espaços murados abriam-se a novas fortificações que se lhes
acrescentavam; instituíam-se concelhos e estabeleciam-se feiras (25),
quantas delas para serem fechadas um ou dois anos depois e só virem a
ser restabelecidas um ou dois séculos mais tarde; colocavam-se agentes
administrativos, fixavam-se as relações de dependência entre a Coroa e o
poder local e, naturalmente, também, as suas liberdades, o mesmo
sucedendo com os mais importantes senhores, à custa do patronato, da
consequente retribuição de leiras sob uma das formas da precária
(de diversas tipologias), permitindo o individualismo e a independência
das estruturas administrativas que se iam criando. Em suma, falando do
Entre Douro e Minho, o repovoamento subordinou-se a duas
principais vertentes: a monacal e a privada; Entre o Mondego e o Tejo e
na faixa Ocidental, era, essencialmente, de tipo concelhio (25).
O senhorio é típico das
primeiras Comarcas a que nos referimos e toma a configuração de uma ou
mais áreas de reduzidas dimensões, formando um todo, de ordinário, mas,
vulgarmente, disperso, pertencente a uma importante Família que aí detém
o seu Paço e as suas infra-estruturas, no sentido de não ter necessidade
de vir a recorrer a maquinaria de transformação pertença de
outrem (a sua reserva (27), ou espaço dominicato), sendo a maior
extensão entregue a foreiros e rendeiros que a trabalhem e lhe paguem o
que ficou acordado entre eles, por vezes, em altíssimas percentagens ou
porções e num variadíssimo número de impostos que os mais desprevenidos
nem sequer supõem quantos nem em que consistiam (28).
Havia aí famílias de renome que
em muito haviam contribuído para a Reconquista e a formação e
consolidação dos espaços (29), mas a maior parte destas vai-se diluindo
no tempo e sendo suplantada por outras que chegam ao século XV,
configuradas com os items que caracterizavam, em termos
absolutos, as mais primitivas (30). |
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Fig 1. Florestas que eram geralmente arroteadas,
não obstante as dificuldades apresentadas pelas irregularidades
do terreno e a forte vegetação com que os vizinhos deparavam. |
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As populações
camponesas traziam denominadores
comuns entres si. Neste contexto, é
mister entender
como essas populações se organizam.
Economicamente, a
unidade de produção e consumo
é o grupo doméstico, sendo a família o
núcleo de produção
e reprodução de seus membros
(as n/ lições) |
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2. O chamado sistema do domínio ou
dominial era, pois, como se previu, um instituto económico, sinónimo de
sistema feudal, que se caracterizou pela divisão do latifúndio em dois
grandes espaços explorados, segundo metodologias diversas: o domínio,
propriamente dito, ou a terra dominicata que correspondia à
reserva senhorial e a terra dentro do domínio (in dominium) em si
mesmo considerado, que nos aparece denominado de terra indominicata,
ou seja, todo um conjunto de concessões (mansos ou tenures),
entregues a título amovível a pequenos exploradores directos (31), (Fig.
2). A reserva, como sabemos, era explorada pelo senhor ou por alguém em
nome dele, um ou mais representantes seus, onde trabalhavam os servos
que se iam colocando nas subdivisões da mesma e mexiam com as
infra-estruturas de transformação aí construídas: o moinho, o forno, a
prensa, o lagar, entre outras. A maior área do dominium
configurava-se ainda mais repartida, porque era consequentemente maior,
e dela se encarregavam homens livres, semi-livres e servos que tinham de
dispor, no fim do ciclo do pão, do vinho, de diferentes géneros
alimentares, de porções que iam da metade a uma nona parte da produção,
quando não se chegavam mesmo a fixar quantidades certas em pagamento, o
que fazia perigar as vidas e a continuidade de subsistência dos
dependentes que, além do mais, liquidavam com maquias os serviços que
cumpriam, fazendo uso das infra--estruturas da reserva (as jeiras ou
corveias). Nasceram de um número muito variado de circunstâncias, mas
foram-se dilatando à custa do patrocínio de dependentes que, por si sós,
sem contar com o auxílio de um poderoso, não achavam outra maneira de
sobreviver. Como terras alodiais, pagavam direitos ao rei
(principalmente, senhoriais e dominiais) e, assim, passam a liquidá-los
ao senhor da terra a quem se adjudicam, retirando proventos à Coroa e
alargando o poder económico, social e, quantas vezes, também o político
a estes em detrimento do seu rei.
O latifúndio que temos vindo a
considerar - e a que já nos referimos logo no início do presente estudo
- tem de ser entendido, em termos do Norte do País, como áreas maiores
ou menores mas sempre descontínuas, fragmentando-se em pequenas
parcelas, dessiminadas por regiões várias e vizinhas de outras senhorias
(como reguengos e alódios) e de instituições diversas (como os coutos,
as beetrias e os concelhos, por exemplo). Foi e será quase sempre assim
que o devemos visualizar em todo o Reino, em casos em que um só senhor
deteria um seu feudo de dimensões consideráveis, como o somatório de
várias peças, umas maiores outras menores, e pontilhando as várias
Comarcas. Referimo-nos a senhores nobres singulares e a institutos
religiosos que podiam ter, bem longe da abadia ou do mosteiro uma boa
série de vinhas, de searas e pomares. Aliás, a tendência é sempre esta,
até porque quanto mais diversificado for, em termos geográficos, o
património senhorial, maior é o seu imperium e, o poder, diga-se,
foi sempre algo muito usualmente tentado pela maioria para suplantar o
do próprio rei, ou, pelo menos, igualá-lo. Cometia-se, deste modo, maior
número de abusos, entre uma enorme dificuldade de controle. As grandes
lutas entre senhorias e os monarcas advinham, desde os princípios do
século XIII, desta circunstância e do facto de o monarca não saber muito
bem o que tinha, o quanto deveria ter e receber, se o que detinham os
outros era exactamente o quinhão que ele lhes dispensou de si mesmo,
aquando das recompensas por serviços militares prestados ou consentidos
nos fossados privados. Enfim, o soberano desejava saber quanto mandava,
efectivamente, e onde, no seu País: se a Coroa estava solidamente
implantada e estruturada sob fortes pilares como devia. |
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Fig. 2: Um manso (Livro de Horas) |
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A
concepção de tempo é uma sucessão de períodos circulares:
tempo
de plantio e da colheita, não é uma concepção de tempo linear. Nos
padrões de organização social, a interacção e relação que os
camponeses travam
com outros trabalhadores rurais, são
características
e altamente repetitivas, assim como a posição
subserviente
(construção da auto-imagem negativa) dentro da rede de
dominação
política, económica e cultural. |
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3. Numa tentativa sumária de explicar a
origem do sistema de economia dominial e os seus principais pilares, não
nos é difícil entender os seus elementos constitutivos essenciais, as
bases do regime senhorial ou feudal. Não salientámos, contudo, a unidade
de autoridade de que ele se revestia. Tinha tribunal próprio que se
regia por normas consuetudinárias, muito antes e, simultaneamente, com
as leis do Reino, gerais e abstractas, promulgadas pelo soberano e
publicitadas, após a reunião da Cúria de Coimbra de 1211; e, a
posteriori, ainda, faziam, naturalmente, aplicar-se as ordenações
escritas sucessivas, devendo, no entanto, fazer recordar que a suprema
administração da justiça cabia, única e exclusivamente, ao monarca, como
um dos quatro direitos reais, que advinham do vetusto Fuero Viejo,
castelhano-leonês, e que obrigava a que a pena de morte, o talhamento de
membro, entre outras sanções, fossem julgadas em segunda instância pelo
rei, decorridos vinte dias, “porque a ssanha ssooe a enbargar o
coraçom que nom pode ueer dereytamente as cousas Porende estabeleçemos
que sse peruentuyra no moujmento do nosso coraçom a alguem Julgarmos
morte ou que lhi cortem alguu nembro tal sentença sseia perlongada ata.
xx. dias E des hi adeante seera a sentença e a eyxacuçom se a nos em
este comenos nom Reuogarmos” (32).
As queixas que eram vulgarmente
apresentadas ao soberano e de que constava o facto de se não cumprir a
sua autoridade mas a das senhorias, mesmo no que se refere a estas
questões, levam D. Dinis a enviar juízes aos vários distritos comarcãos,
a fim de recordar a todos que devem saber que é direito, uso e costume
geral dos seus Reinos que, em todas as doações que os Reis fazem a
alguns, sempre ficam guardadas "as apelações pêra os Reys e a Justiça
mayor e outras cousas mujtas que ficam aos Reys en sinal y en
conhoçimento de mayor senhorio. Estas cousas senpre sse assy teuerom e
fezerom no tempo dos Reys que ante mjm e no meu [forom] (33)”.
Recorde-se que já D. Afonso II
lembrava que os referidos juízes mais não eram que representantes seus,
em sinal da suprema jurisdição que dizia deter por todo o Reino (34).
Mas se se vincava a ascendência
da Coroa e do seu titular sobre os seus vassalos e súbditos, o certo é
que, à semelhança daquele, estavam já determinadas, de longa data, as
relações de patrocínio, de súbdito para com o senhor, definindo-se, com
precisão, os limites do pequeno grupo ligado por esses laços
tradicionais. A senhoria tornava-se, cada vez mais, uma unidade
política, definida pela imunidade. E quando se tratava da Igreja, o
Direito Canónico era uma fortíssima barreira às próprias leis do Reino e
às ordens do monarca. Primeiro, porque, em caso de conflito entre as
leis do reino e o Direito Canónico, as primeiras não tinham qualquer
valor e não eram aplicadas (35); depois, porque, em caso de pecado, era
o Direito da Igreja que prevalecia; e, finalmente o Direito Canónico,
como fonte subsidiária do tronco principal das leis do Reino, na
inexistência de uma, qualquer que fosse, era logo consultado pelo rei e
pelos juízes, mesmo antes do Direito Romano. A inversão só viria a
suceder com as Ordenações de D. Manuel, em pleno século XVI.
A garantia inerente à situação do
patronato ou vínculo a um senhor a troco de protecção sua, dos seus e
dos parcos haveres na sua posse era uma garantia dada ao seu patrono e
ao território que dele estava dependente, oferecendo-lhe uma
maior ou menor autonomia política em relação ao poder central, traduzida
por administração e jurisdição próprias, liberdade de obrigações
militares e da solvência de impostos. Só tinham de reconhecer-lhe a
exclusividade de cunhar moeda ou de alterar o seu valor, e os restantes
direitos reais. E faziam-no quando o faziam… Colocada a situação desta
forma, sujeita a críticas diversas, a diferentes interpretações, teorias
e a informes complementares e laterais, naturalmente, o que é aceite por
todos quantos se debruçam sobre este tema é que, nas primeiras linhas de
acção, a população concentrou-se em maior número, como acima se fez ver,
no Norte (Entre Douro e Minho, Trás-os-Montes e parte das Beiras:
almoxarifados de Lamego e Viseu, principalmente), dando origem à pequena
propriedade, a meia dúzia de latifúndios, aumentados e acrescentados
pelas formas mais irregulares e impensáveis, denunciadas pelos
procuradores dos concelhos em Cortes. Nada teria a ver com o povoamento
a Sul (6) de carácter misto, onde os grandes senhores, administradores
de ordens religiosas e militares, entre outros, puderam constituir
propriedades com alargadas áreas em nada semelhantes às que se formaram
no Norte. Ia-se, pois, passando, pouco a pouco, para uma complexidade
muito menor, à medida que as áreas dos municípios e seus termos e dos
reguengos e das terras foreiras do rei se iam alargando, podendo, de
certo modo, vir a coincidir com as Taïfas muçulmanas, em áreas por onde
se expandiam os latifúndios do Infante D. Henrique, de Diogo Soares de
Albergaria, dos Bragança, de Vasco Fernandes Coutinho, de D. Álvaro
Pires de Castro, de D. Fernando, duque de Beja e senhor de Serpa e
Moura, de outros altos representantes da nossa nobreza na Beira,
Estremadura, Alentejo e Algarve; das Ordens militares que se alongaram
pelas Beiras, parte da Estremadura, o Alentejo Ocidental e de fronteira
com Castela, e o Algarve. É, na verdade, uma paisagem muito diferente,
onde o latifúndio se concentra mais, se complexifica com a adição de
outras alargadas peças de terra, porventura até longe da terra mãe, de
um Algarve no Sotavento dominado pela Ordem de Cristo e com o Infante D.
Henrique, senhor de Silves ao Cabo de S. Vicente, e nomeado depois
Governador do Algarve. Esta comarca a Sul do País nada tem a ver com as
suas correspondentes nortenhas dos primeiros tempos da nossa
Nacionalidade. Mas, depressa, começam os mais poderosos senhores do
Norte a passar a linha do Douro e a espraiar-se pela comarca da Beira,
indo alguns até ao Tejo, ultrapassando-o e alargando-se pelo Alentejo,
só vindo a parar no Algarve. Recordem-se O Infante D. Henrique, D.
Fernando, Duque de Beja e os Bragança, estes últimos chegando a acumular
com o título de Condes de Faro.
Analisadas estas senhorias que
realçámos, o facto é que, em termos económicos, nada distinguia a
senhoria do feudo (37). As rendas, a sua distribuição e a circulação
económica eram as mesmas. No sector social, também. A condição humana,
pouco variava. E quanto mais avançávamos para os finais do século XIV e
princípios da centúria seguinte, ainda eram mais evidentes as
parecenças: eram autênticas colagens. |
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Em
vida do 4.º Conde de Ourém,
os seus Paços eram condicentes.
É em Ourém que temos a mais imponente
das torres residenciais do séc. XV. Sem
aberturas quaisquer, a forte cinta de muralhas confere a esta morada um aspecto maciço e pesado de
uma poderosa fortaleza bela e
acastelada.
João Silva de Sousa |
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4. Também não podemos dizer que a Casa
Senhorial é fruto de Quatrocentos (38). O rei, a rainha e os filhos,
sobretudo, e o herdeiro tinham cada um a sua. Recordemos D. Pedro
Afonso, Conde de Barcelos, filho de D. Dinis, o bastardo Afonso Sanches,
Senhor de Albuquerque e um outro, João Afonso, Senhor de Lousã e Arouca;
D. João Afonso, filho do já referido Afonso Sanches e de Teresa Martins
que veio a suceder ao pai como Senhor de Albuquerque; Martim Afonso Telo
de Meneses, pai da rainha D. Leonor, mulher do rei D. Fernando I; D.
João e D. Dinis, filhos de D. Pedro I, entre outros. Principalmente,
alguns, ao tempo de D. Fernando começavam a formá-las, muito à vontade
da rainha.
Com os Infantes, filhos de D.
João I e de D. Filipa de Lencastre, talvez por influência europeia, mais
inglesa que qualquer outra, a Casa Senhorial é uma instituição viva e
duradoura. Jurídica e institucionalmente, tem tudo o que necessita
para se distinguir do senhorio, nos termos a que já nos referimos. É um
conjunto de latifúndios que se alargam por várias partes do Reino,
associados também, naturalmente, a imóveis mais pequenos e presume-se
que produtivos. O seu titular tem um nome a defender, uma especialização
que agrupa o elemento humano seu apaniguado e servidor, à semelhança do
que sucede na Corte, nas várias vertentes administrativas. Tem o seu
exército particular, rivaliza com o rei, incumbe-se de tarefas
diplomáticas de relevo, tem monopólios e torna-se numa instituição
com um imperium forte, um ou mais títulos de nobreza e funções de
relevo no aparelho de Estado.
As sucessivas guerras contra
Castela ao tempo de D. Fernando e de D. João I empobreceram,
desmedidamente, o tesouro. E, não satisfeitos ainda com a terrível
situação económica por que passávamos então, sucederam-se recompensas
variadíssimas aos que mais eficazmente auxiliaram o Mestre de Avis a
assumir o Trono. Parafraseando Álvaro Pais: D. João I dava o que não era
seu, prometia o que não tinha e perdoava a quem não o tinha agravado
(39). Semelhantes atitudes, nos tempos mais próximos, só viremos a rever
com D. Afonso V.
D. João organizou, pois,
importantes feudos, como moeda de troca pelos incomensuráveis favores e
serviços, entre outros, ao seu escrivão da puridade, ao Chanceler-mor e
ao Condestável.
O património de D. Nuno Álvares
Pereira viria, mais tarde, a subdividir-se desta forma: a D. Afonso,
filho ilegítimo de D. João I casado com a filha dele, D. Beatriz, é 8.º
Conde de Barcelos e, em 1442, virá a ser 1.º Duque de Bragança (40) ; D.
Afonso, filho do primeiro, é o 4.º Conde de Ourém e 1.º Marquês de
Valença (Fig. 2); D. Fernando, segundo filho do futuro 1.º Duque de
Bragança, é o 3.º Conde de Arraiolos e 1.º Marquês de Vila Viçosa; D.
Isabel, filha de D. Afonso, neta do Condestável, casou com D. João,
Mestre da Ordem de Santiago, penúltimo filho de D. João I, tornando-se
nora do rei de Portugal.
E assim, à custa de casamentos
bem realizados, por um lado, e de mortes prematuras, por outro, se
formou uma das maiores casas senhoriais de sempre no nosso País: a Casa
de Bragança que se estendia do Minho ao Algarve.
Na concretização da tomada do
poder por D. João I tomaram parte D. Nuno, D. Pedro de Castro e seu pai,
D. Álvaro Pires de Castro, Vasco Martins da Cunha; Gonçalo Vasques da
Cunha, o marechal; Gonçalo Mendes de Vasconcelos, Martim Afonso de Melo
e Diogo Soares de Albergaria: assistiram às Cortes de Coimbra de 1385 e
colocaram-se, incondicionalmente, ao lado do Mestre de Avis, combatendo
e mandando defender as suas terras e, com isso, encarregando-se da
defesa das fronteiras das Comarcas.
Em 1400, D. João I terá pensado
no corregimento da Casa dos filhos (41).
Em 1402, o soberano e D. Filipa
de Lencastre reduzem as suas Casas em número de servidores,
reflectindo-se o facto nas respectivas despesas que foram diminuindo.
Em Abril de 1408, nas Cortes de
Évora, começou a pensar-se na constituição do património de D. Henrique
e D. Pedro, nada se falando sobre D. Duarte, porque seria, em princípio,
o futuro rei (43).
A 17 de Abril de 1411 (44),
delimita-se, pela primeira vez, o património henriquino ao redor de
Viseu, Guarda e Lamego e de D. Pedro, à volta da cidade de Coimbra. D.
João vem a ser 10.º Administrador da Ordem de Santiago e D. Fernando
Mestre de Avis (45)·, um pouco
mais tarde.
Estas e dezenas de outras Casas
da época vêm a surgir e a aumentar por razões de ordem estratégica
política e militar: a conquista de Ceuta, em 1415; os reforços de Ceuta,
em 1418/19 e 1421/24, além de 1437 com o desastre de Tânger; a morte de
D. Duarte, no ano seguinte, e as lutas civis entre os partidários de D.
Leonor a quem o falecido marido, D. Duarte, queria entregar a tutela
regis e a tutela regni, e D. Pedro que, pela lei da sucessão
ao trono, como irmão mais velho entre os vivos, deveria ser o Regente a
sós (1438-1439). A batalha de Alfarrobeira em 1449, em que morreu D.
Pedro, deu óptimos dividendos aos partidários do rei que se apropriaram
dos bens que abandonaram os exilados para Castela e dos que haviam
pertencido aos então falecidos no campo de batalha e seguidores do
ex-Regente (46).
Seguiu-se Alcácer Ceguer, onde
ainda esteve presente o Infante. Falecido, em 1460, já não assistiu aos
desvarios do sobrinho em Castela, à derrota em Toro (1476) e
muito menos à política sanguinária do Príncipe Perfeito, em 1483/84. Os
que perdiam morriam ou conseguiam fugir para Castela, dando lugar a
outros, mais novos, filhos bastardos, ou legítimos mas segundos que, por
lei, não teriam direito a quinhão familiar.
Entre estes anos 1415 e 1484
formaram-se os senhorios de 81 senhores laicos só na Comarca da Beira.
Muitos deles tornaram-se detentores de fortes Casas senhoriais como
tivemos ocasião já de referir e cartografar. Na sua grande maioria,
tinham direito a exército próprio, contando com um número situado entre
os 2 000 e os 3 000 soldados, entre cavaleiros, peões, besteiros e
espingardeiros. Contámos alguns daqueles que, sem voz nem rosto, vão
sendo citados pelas Chancelarias à custa de privilégios, legitimações e
perdões ou mesmo doações régias que, por isso, os têm de referir. Na
Casa de D. Henrique encontrámos 886, número muito abaixo da realidade,
porventura, pelo facto de, em cada mester, haver um número pouco
significativo dos que seriam, de facto, necessários para apoiar um homem
nas expedições e conquistas, nos seus monopólios e indústrias, no
seu sem número de terras desde 1411 a 1460 (47).
Os primogénitos e outros
iniciavam património próprio nas demais comarcas, algumas bem afastadas
das dos pais ou avós, vindo a herdá-las e a acumular imóveis por todo o
País (48). O casamento, base da legitimidade familiar e da unicidade do
respectivo património, tornava-se marcante na vida do nobre, pertencesse
a que escalão fosse, como sucedeu, com frequência, a alguns filhos
segundos, que vinham obter bens consideráveis quando se ligavam a
herdeiras ricas, sem irmãos varões legítimos. Há, na verdade, um grande
número de maneiras de empregar os filhos sem direito a herdar o
que fosse dos pais ou de herança mais pobre e de casar as filhas nobres
que detivessem património pessoal ou direito a ele, pois a Lei Mental
abriu inúmeras excepções. O morgadio, efectivamente, não tocou todas as
famílias da nossa nobreza e cremos que nem mesmo abrangeria a totalidade
dos bens de um senhor (49).
A herança de progenitores para
os filhos, no que se refere ao património e aos títulos de nobreza é
ponto assente. Já mais difícil de aceitar seria a hereditariedade no
cargo e no funcionalismo. Assistimos, inclusivamente, à repartição
daquilo que o senhor detinha na globalidade por dois – um deteve o
título: caso de Gonçalo Coutinho que veio a ser 2.º Conde de Marialva; o
outro passou a desempenhar o cargo: Fernando Coutinho que herdava do pai
o posto de marechal (50).
O caso de D. Pedro de Meneses é
exemplar: a sua descendência legítima foram três filhas: a mais velha,
D. Beatriz, foi Condessa de Vila Real e herdou a Casa paterna. Através
do seu contrato de casamento com D. Fernando de Noronha, e
instituindo-se morgadio, coube perpetuar, por linha feminina, o capital
simbólico da linhagem: a sucessão do apelido, o uso das armas e recebeu
o património da Coroa administrado por seu pai. A secundogénita, D.
Leonor, ficou com a incumbência de zelar pelas exéquias, sepultura e
sufrágios por alma de D. Pedro e irá desempenhar-se da transmissão das
tradições familiares – a memória dos feitos dos antepassados. A terceira
foi D. Isabel Coutinho que recebeu parte da terça (a quota disponível
foi subdividida, ficando parte para a segunda filha e a outra para a
terceira) e umas terras, no sentido de auxiliar as anteriores no
cumprimento das suas obrigações, entre elas a feitura da Crónica (51) e
o levantamento do panteão da família na Igreja da Graça em Santarém
(52).
Estudaram-se e estudámos as
Casas ou parte delas: a de D. Pedro, em certa medida, por Humberto Baquero Moreno (53), continuado por Maria Helena da Cruz Coelho que
reserva uma parte do seu trabalho aos bens imóveis que D. Pedro detinha
no Baixo Mondego (54); José Marques estudou o Arcebispado de Braga (55);
Iria Gonçalves interessou-se por Alcobaça (56). Foi também estudada a
Casa Senhorial do Infante D. Henrique (57) e o mesmo autor iniciou uma breve resenha sobre a Casa de
D. Fernando (58), estudada,
nos mesmos termos por Baquero Moreno (59), Joel Serrão (60) e Alexandre
Alves (61) e, de um modo muito mais integral, por Sebastiana Pereira
Lopes (62); a Casa de João Gonçalves Zarco coube a Maria Anita Teixeira
Machado (63), a dos Melo a José Cumbre (64), a de Diogo Soares de
Albergaria a Alice João Gago (65). O almoxarifado de Lamego, com
predominância no estudo dos senhores e bens, por Maria Albertina Paixão
Martins Alves de Tapadinhas (66), numa tentativa muito bem sucedida de
completar ou, pelo menos complementarizar o estudo sobre os Coutinho de
Luís Filipe Simões Dias de Oliveira (67). Pelo meio, há que referir Os
Pimentéis por Bernardo Vasconcelos e Sousa (68). João Luís Inglês Fontes não quis esquecer o Infante Santo
(70). Não sendo por ora da nossa Casa mas com uma colaboração importante
que nunca nos negou, é ainda de referir Mafalda Soares da Cunha (71). E
não completámos a lista, dado que apenas referimos os resultados das
teses de Mestrado e Doutoramento defendidas na nossa Faculdade e
orientadas por nós e colegas nossos. Comum a todas é a verificação da
personalidade e linhagem dos referidos, a constituição das famílias e
Casas e a localização dos bens, a Administração, nas suas várias
vertentes (justiça, financeira, política e militar), o elemento humano
(sempre de variados estratos e ofícios) (72) e as missões de que os
senhores e seus homens eram encarregados de cumprir e quantos não
tomaram parte nas decisões mais importantes da vida política do
Estado. O destino dos seus bens não foram esquecidos, sendo alguns
deles dispersos por familiares, criados, mordomos e apaniguados e para
pagar dívidas avultadas, como sucedeu com o Infante D. Henrique cujos
herdeiros tiveram de assumir essa missão, muito à custa da venda e/ou
doação de muitas das terras por ele deixadas (73).
O estudo dos senhorios laicos e eclesiásticos e das Casas Senhoriais é
um tema imparável. São centenas os mais importantes senhores da nossa
História das Conquistas e da Expansão, das lutas civis, dos que se
encarregaram da criação do Príncipe herdeiro e dos demais infantes,
daqueles que se incumbiram de missões diplomáticas junto da Santa Sé e
no acompanhamento das nossas Infantas que iam casar a Castela, Aragão,
Borgonha ou à Alemanha (74). Foram muitos aqueles com quem o rei de
Portugal pôde contar com a defesa do território ou mesmo com incursões
militares ao Reino vizinho (75). A Casa faz-se, quantas vezes, a partir
de uma pequena leira de terra, aumentada em número por herança (76), e,
significativamente, pelo rei que doa o que tem e promete o que não tem
nem nunca teve. |
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Fig. 3 (Paços dos Condes de
Ourém – castelo de Ourém e a sua Torre) |
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Notas |
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João Silva de Sousa (Portugal)
Professor de História Medieval do Departamento
de História da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade
Nova de Lisboa e
membro da Academia Portuguesa da História |
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© Maria Estela Guedes
estela@triplov.com
Rua Direita, 131
5100-344 Britiande
PORTUGAL |
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