raiz prestes a morrer:
Luzicídios. (Silêncio.) A suicidação daquilo que nunca me existe. Lambo
a fluidez da morgue que não chega a emanar. O negro que se adorna ao
negro. (Lambe e bebe os líquidos.)
maçã azul-turquesa:
Pois nunca acendas a luz. (Batida seca de tambor.) Nunca ouses ver a
palavra escrita. (Batida seca de tambor. Incendeia uma pilha de
livros.)
raiz prestes a morrer:
Apenas me agarro infinitamente às terras. Suplicando-lhes que me
abandonem... (Suplica em lamuria diversas vezes.)
maçã azul-turquesa:
Pois quando se sobe para baixo não se vê estrelas. (Batida seca de
tambor.) Estão permanentemente do outro lado. (Batida seca de tambor.)
Banhadas à impermeabilidade. (Batida seca de tambor.) Entre vós estão as
terras das castidades. (Batida seca de tambor.) Onde nunca se apalpam
fechaduras. (Batida seca de tambor.) Porque existem lados que realmente
o não são. (Cinco batidas secas de tambor.)
raiz prestes a morrer:
Formei-me nesse não-lado.
maçã azul-turquesa:
O outro lado dos lados. (Batida seca de tambor.)
raiz prestes a morrer:
Como essência errante das sombras projectadas nas ausências de coisas.
Subsisto enquanto transponho degraus. Um após outro. Mais negro. Mais
negro... (Sobe para baixo.)
maçã azul-turquesa:
Infrutífero! (Silêncio.) Só subsiste o que se apoia nos vazios. (Sons
aleatórios de xilofone.) São as lógicas dos astros. Astro lógicas. E só
o soube quando cai. (Inversão dos sons aleatórios de xilofone.)
raiz prestes a morrer:
Mas... Então as luzes apoiam-se nos vazios? (Pára.)
maçã azul-turquesa:
Claro. E com singelidades iluminadas. São como as singularidades que não
tentam ramificar. Mas nunca como as marítimas. Isso não. Pois estas não
se fragmentam.
(Sons do oceano. Chovem
estrelas marítimas negras.)
raiz prestes a morrer:
Oh... Como gostaria de beber agora uma gota de luz... (Continua a subir
para baixo.)
maçã azul-turquesa:
Os paladares nunca são a mesma coisa. (Batida seca de tambor.) E desses
lados que não existem muito menos existem gotas. (Batida seca de
tambor.) Deste existem. (Batida seca de tambor.) Mas dissolvidas.
(Batida seca de tambor.) Sempre dissolvidas. (Batida seca de tambor.)
São como imensidões oceânicas. (Batida seca de tambor.) E nem os
reflexos se interrompem de unidade. (Cinco batidas secas de tambor.)
(Múltiplos sons de
gorgolejamentos.)
raiz prestes a morrer:
Inspira-las? (Pára. Espirra.)
maçã azul-turquesa:
Com toda a potência de existir. (Batida seca de tambor.) E no seu
contrário. (Batida seca de tambor.) As intensidades das metamorfoses.
(Batida seca de tambor.) De todos esses gatilhos travados de luz me
ejaculei de pluriformes sumos de limonada às rodelas. (Silêncio. Melodia
de flauta de pã.) E escorrem-me as lágrimas de uma felicidade ácida.
(Batida seca de tambor.) Tão ácida que estrebucho. (Batida seca de
tambor.) E o cosmos comigo. (Batida seca de tambor.) Dilata as pupilas e
estica freneticamente os dedos dos pés que não tenho. (Silêncio.)
raiz prestes a morrer:
E não cessas de iluminar?
maçã azul-turquesa:
Mas claro que sim! Os dentes que trazem as morgues ambulantes! Os
dentes... Os dentes... (Foge em espirais ao som de uivos.)
(Múltiplos sons de risos
de diversos pássaros.)
eco vermelho de cinco
garças irreais: Trincagem. Trincagem. Trincagem. Trincagem.
Trincagem.
raiz prestes a morrer:
Aproximas-te de mim?
maçã azul-turquesa:
Não. (Batida seca de tambor.) Ainda existem sinuosos caminhos de
descoberta. (Batida seca de tambor.) Da membranosidade viscosa às águas.
(Batida seca de tambor.) E assim sendo a luz já o teria sido. (Batida
seca de tambor.) Não o seria. (Batida seca de tambor.) Nem nunca mais.
(Batida seca de tambor.) Vínculos intransponíveis com as deambulações
intestinais. (Cinco batidas secas de tambor.)
raiz prestes a morrer:
E agora? Aproximas-te de mim?
maçã azul-turquesa:
Não. (Batida seca de tambor.) Porque vou nadando sem o saber. (Batida
seca de tambor.) Mas mais perto. (Batida seca de tambor.) Já a luz é uma
memória apagada. (Cinco batidas secas de tambor.)
raiz prestes a morrer:
Explica-se?
maçã azul-turquesa:
Já não. (Silêncio.) É todo um esoterismo intransmissível. Para as
exterioridades restam os negros e as suas escalas. A minha interioridade
nunca será a tua. Ou a potenciação de um oposto. Mas entre as
uniformidades da terra sem fechaduras não saberás contrários. O épico
acesso vedado... (Amarra a si resmas de chaves.)
raiz prestes a morrer:
Choraria caso o soubesse... Absorvo e nada mais... Sempre. Sempre... É
todo um cansaço de inexistência que não me cansa...
maçã azul-turquesa:
Nem os degraus?
raiz prestes a morrer:
Muito menos.
maçã azul-turquesa:
E o simples mesclado ao singelo?
raiz prestes a morrer:
Não existe. Ao que aparenta.
maçã azul-turquesa:
Duplificas? Plurificas?
raiz prestes a morrer:
Talvez. Mas não percebo os conceitos. Pois sem luz nunca se nasce...
maçã azul-turquesa:
Pois sem luz nunca se nasce. (Batida seca de tambor.) Mas pode-se morrer
infinitamente. (Batida seca de tambor.) Um pouco mais. (Batida seca de
tambor.) E mais um pouco. (Batida seca de tambor.) São as descidas que
permanecem no estático. (Batida seca de tambor.) E mais um pouco.
(Batida seca de tambor.) São as verdadeiras percepções das ascenções.
(Batida seca de tambor.) As paixões várias que germinam dos trespasses
de luz. (Batida seca de tambor.) Mas árvores nas penumbras nascem.
(Batida seca de tambor.) Com entorses nos ramos. (Silêncio.)
(Múltiplos sons de ramos
a partir.)
serpente com asas que
não voam: Tal como as renas. (Sons aleatórios de violino.) Enchifram
entorses. (Inversão dos sons aleatórios de violino.)
(Múltiplos sons de risos
de diversos pássaros.)
eco vermelho de cinco
garças irreais: Entorse. Torse. Retorse. Torse. Entorse.
raiz prestes a morrer:
Mas a minha emoção vive! (Silêncio.)
serpente com asas que
não voam: É perfume levado em vantagem sobre os frutos. (Sons
aleatórios de violino.) Mas a luz ultrapassa-os. E no fundo os narcisos
são murchidades. Adubos perfumados. (Inversão dos sons aleatórios de
violino.)
maçã azul-turquesa:
Um de muitos simulacros. (Batida seca de tambor.) Tão somente. (Batida
seca de tambor.) Pois a verdade dos lados sem fechaduras é meramente
viscosa e com imensidões de perfeccionismo do negrume. (Batida seca de
tambor.) Mas se os simulacros te fluem em prazeres nada diz respeito ao
cosmos. (Batida seca de tambor.) A luz incide-me até às entranhas.
(Batida seca de tambor.) Sou a frutificação da existência. (Batida seca
de tambor.) Uma glória germinada do resplandecimento cosmogónico.
(Batida seca de tambor.) Sou as formas das megalomanias feitas sumo.
(Batida seca de tambor.) Projecto-me das colorações do divino
extravasado dos caroços. (Silêncio.)
raiz prestes a morrer:
Apenas és.
maçã azul-turquesa:
Ora. Efectivamente.
raiz prestes a morrer:
Mas o simulacro deixa-me pensar ser. Pelos momentos de uma terapia sem
consequências.
(Múltiplos sons de
choques eléctricos.)
maçã azul-turquesa:
Sou a causa e a sua causa. (Batida seca de tambor.) O resto é a
indiferença. (Batida seca de tambor.) Ela mesma perante si própria.
(Batida seca de tambor.) São os resplandecimentos de coisa nenhuma.
(Batida seca de tambor.) Já nem os espelhos efectivamente o são.
(Múltiplos sons de
vidros a estilhaçar.)
serpente com asas que
não voam: Ora os sons das minhas sibilações são mais elevados quando
me vejo nos espelhos. Somos mais. Emotividade em locomoção. A emoção. De
facto. Já não são máscaras a provocar ardência nas visões que não
possuo. Mas sinto peixes a nadarem-me no rosto.
raiz prestes a morrer:
Em tempos idos emocionei-me quando fui lambida pela língua gélida da
morte feita cadáver. Teria sido um corpo. Um lambedor de lâminas
temporais. Vidros de estilhaços. Imutabilizava-se nas ausências de luz.
E foi um calafrio que correu. Percorreu. Escaldou as interioridades.
Pensei-me galhos.
(Múltiplos sons de ramos
a partir.)
maçã azul-turquesa:
Eram as vísceras do que já viveu. (Batida seca de tambor.) Temperado a
almíscar. (Batida seca de tambor.) É a fragrância da indiferença de tudo
o resto. (Cinco batidas secas de tambor.)
raiz prestes a morrer:
Mas nesse momento perdi a vertigem.
maçã azul-turquesa:
Para a encontrares mais forte e agressiva.
raiz prestes a morrer:
Mas a sensação compensa-se por si mesma.
maçã azul-turquesa:
Indiferente.
raiz prestes a morrer:
E volta a ansiedade no após.
maçã azul-turquesa:
E revolta-se a indiferença no sempre dos lados que existem. (Dança ao
som de ritmos dessincronizados de múltiplos tambores.)
raiz prestes a morrer:
A fome nunca cessa. (Silêncio.)
serpente com asas que
não voam: Como as catapultas para os desvanecimentos. (Sons
aleatórios de violino.) Nunca te deixes de tensões. (Inversão dos sons
aleatórios de violino.)
(Múltiplos sons de risos
de diversos pássaros.)
eco vermelho de cinco
garças irreais: Intenções. Intenções. Intenções. Intenções.
Intenções.
serpente com asas que
não voam: A morte! (Silêncio.) Dentro do conta-gotas entupido feito
de espermatozóides em óvulos. A pureza da alquimia dos genocídios. (Sons
aleatórios de violino.) Pois que a única produção em série de defuntos é
na maternidade. A paternidade é neutra. (Inversão dos sons aleatórios de
violino.)
(Múltiplos sons de risos
de diversos pássaros.)
eco vermelho de cinco
garças irreais: Desfalecida. Desnascida. Desvivida. Desnascida.
Desfalecida.
raiz prestes a morrer:
Tenho fome. (Silêncio.)
serpente com asas que
não voam: Comer a luz! (Sons aleatórios de violino.) Algumas entram
pelas fissuras dos caixões. Chamam-se vozes. (Inversão dos sons
aleatórios de violino.)
maçã azul-turquesa:
As paredes dos silêncios implodem as fissuras. (Batida seca de tambor.)
(Múltiplos sons de risos
de diversos pássaros.)
eco vermelho de cinco
garças irreais: Ruído. Ruído. Ruído. Ruído. Ruído.
serpente com asas que
não voam: E sobre o tecto? (Sons aleatórios de violino.) Sobre o
tecto não existem paredes. E não existem especialmente quando o tecto
não existe. (Inversão dos sons aleatórios de violino.) Quando assim é a
luz ofusca-me o vento. (Silêncio.)
raiz prestes a morrer:
Tenho fome de espaço. (Silêncio.)
serpente com asas que
não voam: Como a busca do nada é a totalidade do percurso à morte.
(Sons aleatórios de violino.) Espaço vazio. Dançar. (Inversão dos sons
aleatórios de violino.)
(Múltiplas sombras de
diversas formas dançam freneticamente ao som de violinos e de múltiplos
gritos.)
(Múltiplos sons de risos
de diversos pássaros.)
eco vermelho de cinco
garças irreais: Catarse. Catarse. Catarse. Catarse. Catarse.
serpente com asas que
não voam: Para o espaço comer as vozes. (Gritos.) Porque já só
existem as fissuras dos tijolos. (Gritos.) Os tijolos não. (Gritos.)
(Múltiplos sons de risos
de diversos pássaros.)
eco vermelho de cinco
garças irreais: Silêncio. (Batida seca de tambor.) Silêncio. (Batida
seca de tambor.) Silêncio. (Batida seca de tambor.) Silêncio. (Batida
seca de tambor.) Silêncio. (Cinco batidas secas de tambor.)
raiz prestes a morrer:
Outrora tive fome. (Silêncio.) Agora também. (Silêncio.)
maçã azul-turquesa:
Espiraliza-se no recto. É cu recto. (Sons aleatórios de violino.) Já as
curvas surgem no após. (Inversão dos sons aleatórios de violino.)
serpente com asas que
não voam: Fronteiras aos rectos. Adquire-se casaco sem fissuras.
(Sons aleatórios de xilofone.) E conhecer os desconhecidos. Vezes sem
conta. (Inversão dos sons aleatórios de xilofone.)
maçã azul-turquesa:
Mitos a direito escondem-se no onírico da coisa. (Sons aleatórios de
violino.) Desde o tempo do corno que a destreza se manifesta canhota.
(Inversão dos sons aleatórios de violino.)
(Múltiplos sons de risos
de diversos pássaros.)
eco vermelho de cinco
garças irreais: Mutam. (Batida seca de tambor.) Permutam. (Batida
seca de tambor.) Premutam. (Batida seca de tambor.) Pósmutam. (Batida
seca de tambor.) Transmutam. (Cinco batidas secas de tambor.)
maçã azul-turquesa:
Infinito. (Silêncio.)
serpente com asas que
não voam: Revolve a si. Não é recto. (Sons aleatórios de xilofone.)
Esse é uma nádega de costas que não é genital. (Inversão dos sons
aleatórios de xilofone.) Paradoxos do cu recto.
(Múltiplos sons de risos
de diversos pássaros.)
eco vermelho de cinco
garças irreais: Genial. (Batida seca de tambor.) Genial. (Batida
seca de tambor.) Genial. (Batida seca de tambor.) Genial. (Batida seca
de tambor.) Genial. (Cinco batidas secas de tambor.)
maçã azul-turquesa:
Proveniência de providência. Mas atenção! Só quando chovem agulhas!
(Silêncio.)
(Não chovem agulhas.)
raiz prestes a morrer:
Tenho fome delas. (Silêncio.)
serpente com asas que
não voam: Agulhas agrilhoadas ao braço. É uma genialidade do
infinito. (Sons aleatórios de xilofone.) Responde-se ao que não se
pergunta. Se não se o faz ouve-se a resposta. (Inversão dos sons
aleatórios de xilofone.)
maçã azul-turquesa:
Constantemente estar do outro lado. Regressar. E ao mesmo lado. (Sons
aleatórios de violino.) Ir para aí. Vir por ali. E no fim ter a mesma
areia no corpo. (Inversão dos sons aleatórios de violino.) Ver-me dançar
fora do corpo. Projectado às águas. (Vê-se dançar dentro de água.)
raiz prestes a morrer:
Tenho fome de estrelas diferentes. Das que não são estrelas. Apenas.
(Silêncio.) São venenos que saciam a minha sede. Violam-me por toda a
superfície das minhas superfícies. O pensamento. Deitado ao horizonte. E
não as vê. Deitado ao vértice. E não as vê. Vórtice.
(Múltiplos sons de risos
de diversos pássaros.)
eco vermelho de cinco
garças irreais: Brilho. (Batida seca de tambor.) Brilho. (Batida
seca de tambor.) Brilho. (Batida seca de tambor.) Brilho. (Batida seca
de tambor.) Brilho. (Cinco batidas secas de tambor.)
raiz prestes a morrer:
As do lado de cá estão surdas.
serpente com asas que
não voam: Como os pés em água seca.
raiz prestes a morrer:
No interior da fome.
(Múltiplos sons de risos
de diversos pássaros.)
eco vermelho de cinco
garças irreais: Dissecação. (Batida seca de tambor.) Secação.
(Batida seca de tambor.) Transladação. (Batida seca de tambor.) Secação.
(Batida seca de tambor.) Dissecação. (Cinco batidas secas de tambor.)
(Dançam múltiplas
sombras de lâminas, facas e outras acutilâncias ao som de múltiplos
violinos e diversos tambores.)
serpente com asas que
não voam: O que germina é cemiteral. Melhor brilham as estrelas. Por
cima da sombra de uma árvore presa à noite com um cadeado vermelho que
arde de luminescência. A ejaculação de brilhos funde os artifícios.
Artifícios que nada mais são que as sexualidades falhadas entre artes e
ofícios.
raiz prestes a morrer:
Só permanece a minha fome. Trespasso caixões pelo ventre dos mortos sem
nunca atingir o meu. (Silêncio.) É a dor nos genes.
serpente com asas que
não voam: Não. (Cinco batidas secas de tambor.) É a permanência do
que não existe a dizer.
(Caimento de panos.)
(Chuva de papéis com
nada escrito.) |