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O céu escureceu ao meio-dia, tão de
repente que os carros acenderam os faróis. O dilúvio castigou a cidade
durante horas. Chovia sempre quando o pessoal abrigado na entrada do posto
telefônico viu aquele homem gordo vindo pela calçada, enfrentando o
aguaceiro com um guarda-chuva pequeno demais para seu diâmetro.
Abriram alas para ele. O gordo mais
gordo que qualquer um já tinha visto. Enorme, romboide, monumental. Com
macacão de jeans, bolsa a tiracolo, sandália de franciscano. Ele olhou em
volta e já fez cara de contrariado.
Viu todos os telefones ocupados, a
maioria por vendedores, gente que ficava horas papagaiando, empurrando plano
de saúde, curso de inglês, loteamento, clube de campo e até jazigo perpétuo
em “cemitério-jardim com qualidade de Primeiro Mundo, minha senhora”, ouviu
o papo de um deles.
Ficou rodeando, impaciente. Mal um
sujeito desligou, deu o bote sobre o aparelho. Tirou uma agendinha do bolso
da camisa, coçou seus três queixos e teclou. |
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Alô, Alessandra! É o Alex, da
Teatrupe. E aí, tudo bem? Cê sumiu, nunca mais pintou no teatro. Tá
estudando inglês? Vai pra Londres? Quando? Então a gente precisa se ver,
tô com saudade. Vou estrear minha peça no mês que vem, sabia? O
Sequestro do Prefeito. Não, não é comédia, tá mais pra tragicomédia. Por
que você não vem ver um ensaio da gente uma noite dessas? Ah, cê tem que
estudar. E na semana que vem? Ah, é? Ah, tá, então tá. Ligo pra você
outro dia. Vou te mandar convite pra estreia, hein? Quero te ver lá. Um
superbeijo!
Folheou rapidamente a agenda.
Oi, Isabela, como vão as coisas?
A mil por hora. No pique da grande
agência de publicidade. Sem tempo nem pra dar um “treps”. Só bizness.
Tinha que entrar em reunião agora, sem hora pra acabar, a gente marca um
papo outra hora.
Era a deixa para a sua última
fala. Saiu de cena com classe:
Grande Isa! Sucesso, moça.
Superbeijo! Tchau.
Ligou para Vera, ficou sabendo que
ela estava em alto mar, trabalhando num navio, em cruzeiro pelo Caribe.
Ela volta quando, vovó? Tá bom, eu
ligo em dezembro. Um beijo pra senhora.
Pescou no bolso do macacão uma
caixinha de chiclete, despejou uma pastilha na boca. Mastigou, folheou,
teclou.
Alô, Mirella, tudo bem? É o Alex.
Saudade...
Com voz macia, convidou-a para um
ensaio, filme novo do Almodóvar, peça de Mário Bortolotto, show de
blues, um sarau na Casa das Rosas, mas Mirella já tinha programa para os
próximos 52 fins de semana.
Oi, Fabíola... É o Alex da
Teatrupe, tudo bem?
Falava como locutor de rádio.
Carinhoso, meloso, pegajoso. Tremendo bico-doce. Ganhou a atenção de
todos para sua campanha romântica – “preciso de alguém para amar no fim
de semana”.
Alô, Selma, Telma, Tamara, Rossana,
Silvana, Valéria.
Ligados na novela, ouvintes
involuntários foram virando espectadores simpáticos, talvez solidários,
quase desejando que uma Cidinha dissesse “sim”, uma Jandira desse um
trato no cara, uma Zuleide fosse tarada por um gordão.
Ele consultava a agenda,
ponderando, batucando na mesa com o polegar robusto. No ar, um certo
medo de um novo não.
Oi, Priscila, principiou sem
esperança, sem vibração. Vai fazer o quê quarta-feira, sexta-feira,
sábado, domingo, semana que vem? Ah, é? Ah, tá, ah, sei.
E rugiu, áspero, amargo,
indignado, quer dizer que quarta-feira você vai tingir o cabelo,
sexta-feira vai buscar sua tia no aeroporto, sábado é o casamento da sua
prima, domingo você vai visitar sua vovó que tá dodói, e na semana que
vem também não pode? Então me diz quando é que você pode! Diz, Priscila!
Quando é que você vai ter tempo? Fala, Priscila! O quê? Ah, vai tomar no
teu cu!
Bateu o telefone, pegou suas
coisas e arrancou para a porta. Foi embora tomando chuva na cabeça,
guarda-chuva fechado debaixo do braço.
Houve um silêncio que não foi
preenchido por qualquer comentário, e logo cada um voltou a cuidar da
própria vida, ou apenas continuou esperando a chuva passar. |
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Poeta, escritor e tradutor brasileiro,
Luiz Roberto Guedes nasceu e vive em São Paulo. Publicou, entre
outros, Calendário Lunático/Erotografia de Ana K, poemário bilíngue,
português/italiano (Ciência do Acidente), Minima Immoralia/Dirty Limerix
(Demônio Negro), a novela histórica O Mamaluco Voador (Travessa dos
Editores), Alguém para amar no fim de semana, contos eróticos ([e]
editorial\Annablume), e organizou Paixão por São Paulo, antologia
poética paulistana (Terceiro Nome), com 71 poetas, de 1920 a 2003.
É autor de vários livros juvenis, como Treze Noites de Terror (Editora
do Brasil), Armadilha para lobisomem (Cortez) e Meu Mestre de História
Sobrenatural (Nankin). Letrista sob o pseudônimo de Paulo Flexa, tem
parcerias com os compositores Luiz Guedes & Thomas Roth, Beto Guedes,
César Rossini e Madan, entre outros. Colabora com os sítios literários:
www.cronopios.com.br e
www.germinaliteratura.com.br Correio electrónico:
lrguedes@hotmail.com |