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REVISTA TRIPLOV
de Artes, Religiões e Ciências
Nova Série | 2010 | Número 04
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não vou (re)cumprimentá-la pela obra
que está fazendo e que. muito justamente, julgo que todos sabemos e
demonstrámos merecer o nosso tributo no encontro na biblioteca almeida
garret. eu disse no depoimento que me tinha pedido, mas verifiquei-o
repetido em outros depoimentos e nas intervenções que tiveram lugar na
festa do 1º aniversário (e até na abrangência de pessoas de diferentes
ideários na sala), que uma das coisas que, pela positiva, me
impressionava no "seu" as artes entre as letras e tão
raro de encontrar num país de "capelinhas" e "cabecinhas pequeninas",
mesmo quando ditas do mundo da intelligentzia: trata-se da pluralidade
de pontos de vista dos colaboradores que ali acolhe. tal facto, a par de
uma muito larga abrangência de temas, fazem deste quinzenário um caso,
ele sim, saudavelmente singular e, por isso, mais rico. não se trata -
em minha opinião - de mera independência (já em si valor altíssimo e
difícil de manter hoje em dia), mas de uma opção de invulgar noção da
importância e do lugar da cultura num país em que, infelizmente, a
tríade do conhecimento (educação, cultura e ciência) continua
menosprezada, sendo a do meio a parente ainda mais pobrte de uma família
tão esquecida como ela mesma motor de um arranque económico consolidável
a prazo. por isso tudo, creia, sinto muitíssimo orgulho por poder
colaborar naquilo que sendo instrumento de ideias, é em si mesmo uma
ideia de instrumentos vários.
por isso - e enquanto me der espaço e
eu souber responder - aqui me continuará ter num projecto que, sendo
seu, a todos nos faz sentir nele integrados. bem haja!
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Maria Estela Guedes |
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segue o meu 1º artigo sobre teatro
(mais alargado um pouco do que isso: sobre arte em geral) para
permanecer neste 2º ano do artes entre as letras. e
segue também para muitos e muitos amigos (em bcc) para que assinem
um jornal, hoje já não como um pedido de apoio a um projecto
merecedor, mas como uma mais-valia para quem dele desfrute: é fácil,
amigos, pelo endereço original do destinatário do mail, podem pedir
uma ficha de assinatura.
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CASTRO GUEDES
Verdade e
mentira em arte:
confissões de
um criador |
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Castro Guedes |
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Faz parte da minha actividade
profissional a ilusão. Conto histórias, desperto emoções, invento
tramas, provoco sensações, suscito reflexões… tudo a partir da mais pura
ficção. E, por isso, tenho a possibilidade quer de encarnar mil vidas
enquanto actor, quer a de criar mil mundos enquanto encenador. Um dia
serei o herói, noutro o vilão; umas vezes “faço um mundo” que se celebra
em alegria, outras provoca dor e desespero. E mais que trabalho, que o é
e muito, é exactamente profissão ou ofício, no sentido etimológico dos
termos, porque vem de uma vocação.
Tenho muita sorte em fazer aquilo de
que mais gosto, é verdade. Mas é igualmente verdade que a criação é, em
certo sentido, uma missão que a gente não sabe lá muito bem donde vem.
Dirão os militantes marxistas que a “consciência social” deve ser a sua
base, dirão os psicanalistas freudianos que são expressões de
“sublimações”, dirão os teólogos que somos mero “instrumento de Deus”.
E para mim tudo está certo, depende da janela por onde vemos a coisa. O
desespero do “parto artístico” traduziu-o Ary dos Santos: Arre
lagarto, lagarto,/lagarta da geração!/mais vale morrer de parto/que
nascer de inspiração.
Isto porque quando artista vivem-se as
horas todas da vigília (e muitas das do sono) em estado de permanente
alerta: o pintor obcecado com cores e formas, o músico com sons, o
escritor com palavras… E no teatro eu vivo na observação obsessiva da
vida, dos comportamentos e dos sentimentos: dos com quem me cruzo, dos
que me passam ao largo, dos que apenas espreito na paragem do autocarro,
dos que me são próximos e até dos que de mim recordo, quando não no
tempo em que ainda os estou a experimentar. A fonte de inspiração é, na
esmagadora maioria dos casos e sempre pelo menos numa parte do processo
criativo uma chamada de “memórias afectivas” ao nosso próprio eu. |
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Por isso e porque ficciono e invento,
imagino, recrio e crio, não gosto nem sei mentir na vida real –
assimilei completamente essa noção ética que me foi transmitida em
criança pelos meus pais e que eu verti em maneira de ser potenciada pela
profissão que abracei. |
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Terei os meus momentos de ilusão –
quase alucinação quando em pleno acto de criação, pode ser – e
necessariamente me engano muitas e muitas vezes, podendo com isso
involuntariamente outros enganar também. Terei até breves “fantasias”
(no meu caso concreto, talvez porque psicanalizado, auto-conscientes,
posso criar essas “fantasias ilusionistas” para outros como jeito de
mera diversão monentânea ou prescrutante sentido de descoceryo de que
necessito para melhor observar e entender a natureza humana,
confrontando-a com paradoxos. E terei ainda a tentação –muito pessoal –
de numa discussão me colocar “automaticamente” no papel do “contrário”
para explorar as muitas janelas de onde uma mesma realidade pode ser
vista, sem que haja uma e so uma rigorosamente verdade absoluta e
imutável.
Mas mentir, o que se chama mentir não.
O teatro substitui-me essa faceta humana e obriga-me, enquanto coração e
ideia, a ser nele também o mais verdadeiro possível. Até porque, como um
crente, lhe tenho temor religioso: mesmo se quisesse não conseguiria
profanar as tábuas para meu uso pessoalíssimo ou promoção ou qualquer
outra coisa com que, é tristemente verdade, elas muitas vezes são usadas
por não-artistas que o fingem ser.
Claro que artistas há que são vaidosos
(eu sou, confesso, mas numa dimensão tão narcísica que só consigo
projectar-me para lá do meu tempo e do aplauso fácil e imediato) e há
mesmo os que são na sua vida pessoal trapaceiros (amorosos, materiais,
políticos). Mas no plano da obra, de facto o artista que o é
distingue-se pela autenticidade e pela entrega constante ao objecto
artístico. Eu, pelo menos, não entendo de outro modo. Foi assim que
aprendi com os exemplos e modelos que escolhi: na profissão e na vida.
Consciente disto, desejoso de divulgar
a minha criação, recuso-me a massificá-la, indo de encontro ao gosto
reinante. Em arte, mesmo arte, é o criador que escolhe. Se cede e vai
ele atrás dos gostos do público passámos para uma outra área: a do
entretenimento. Ambas úteis e necessárias, numa trilogia em que com o
desporto fazem o lazer, mas absolutamente distintas entre si: na forma e
no objecto, no processo e na intenção.
Só que no teatro, dada a sua
efemeridade e volatilidade, o código de comunicação é central e criar
também sem ter em conta o que o outro “lê” parece-me um disparate. Mas
isso é outra coisa, trata-se de eficácia do processo. O objecto e o
sujeito da criação hão-de partir sempre do criador. O destinatário, se o
respeitamos mesmo, não pode ser senão aquele a quem damos a parte
genuína. Quando não… somos mercenários e/ou oportunistas, a correr para
lhe agradar. Não para dar, mas para nos apropriarmos: do dinheiro que
nos entrega, do aplauso com que nos idolatra, da ingenuidade com que
ajuíza a falsidade com que nos “hipocritamos”…
Não irei ao extremo de Zola (o
público deve ser conduzido de chicote na mão) e procuro empatias e
cumplicidades no exercício da eficácia da comunicação. Agora cedências
estéticas ou mesmo ideológicas, um artista? Julgo-o intrinsecamente
impossível. Demiurgo da própria obra – e ela que vale e não ele –
entrega-a, não a recebe; partilha-a, não a dá; cumpre-a, não a usa.
A arte, para mim, é um fim em si mesmo
e não um meio, sequer político, com ou sem punhos de renda ou fechados
no ar. Ela é, pela sua natureza, política (no sentido amplo do termo,
não propagandístico), mas não está ao serviço de meros poderes ou
contra-poderes; muito menos de um em particular. A arte é detentora da
sua consciência e da sua própria autenticidade. Se religiões, costumes
ou partidos se reconhecem nesta ou naquela expressão, não é por opção da
arte quando arte é, é uma coincidência, pois como até um teorizador
marxista (Gramsci, mais aberto e profundo ao tempo do domínio de
leituras muito apertadas na malha leninista) dizia, a arte é
educadora enquanto arte e não enquanto arte educadora, porque em tal
caso não é nada e o nada não pode educar.
Arte, a ter de ser alguma coisa mais
do que si mesma, então está nas categorias com que Santo Agostinho
definia Deus: Verdade, Beleza e Amor. |
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(Jorge) CASTRO GUEDES (1954, Porto,
Portugal)
Profissional de teatro desde os 19 anos, tem a actividade principal como encenador, embora também trabalhando como actor. Fundador do Tear, exerce o trabalho maioritariamente no CDV-Centro Dramático de Viana (www.centrodramaticodeviana.com) , de que é o director artístico, em Viana do Castelo, no Teatro Municipal Sá de Miranda. Com diferentes incursões na área da formação e em colaborações jornalística, foi também redactor publicitário transitoriamente e tem alguns originais de textos dramáticos publicados. Foi estagiário de Jorge Lavelli no
Théâtre National de La Colline na temporada 88/89.
Contacto:
castroguedes9@gmail.com |
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© Maria Estela Guedes
estela@triplov.com
Rua Direita, 131
5100-344 Britiande
PORTUGAL |
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