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REVISTA TRIPLOV
de Artes, Religiões e Ciências
Nova Série | 2010 | Número 03
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Esta sessão do Ciclo «Redigir o Mundo» (1) centra-se no meu
livro de poemas «Geisers». Têm-me perguntado como se pronuncia a palavra e o
que é que ela quer dizer. Há dez ou quinze anos, ainda não dispúnhamos nós dessa maravilhosa
ferramenta de investigação que é a Internet. Vejamos o que diz a Wikipédia:
Um géiser é uma nascente termal que entra em erupção periodicamente,
lançando uma coluna de água quente e vapor para o ar. O nome gêiser provém
de Geysir, o nome de uma nascente eruptiva em Haukadalur, na Islândia; este
nome deriva por sua vez do verbo gjósa, "jorrar".
Parece que nem de propósito, os meus geisers estão na
ordem do dia, agora que o vulcão Eyjafjallajokull, na Islândia, entrou em
actividade e tem causado tanta perturbação nos aeroportos, não é verdade?
Em suma, os geisers são
fenómenos geotérmicos de natureza vulcânica. O seu potencial energético é
utilizado em vários países. Os mais célebres são os do
Parque Yellowstone, nos Estados Unidos. Mas nos Açores, ilhas de origem
vulcânica, embora a uma escala muito menor, também existem essas saídas de
água a ferver das entranhas da terra, anunciadas pelas colunas de vapor. |
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Maria Estela Guedes |
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MARIA ESTELA GUEDES
NOTAS DA DIRECÇÃO
Quer dizer e diz...
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Maria Estela Guedes |
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Claro que o meu livro não trata desses fenómenos naturais. No entanto, foi
por pensar neles que nos imaginei a nós, seres humanos, idênticos a geisers.
Somos emanações de calor que vai diminuindo até à morte. Chamei geisers a
senhoras que em dada altura costumava visitar num lar de terceira idade, em
Tarouca, tal como chamei geiser a Luiz Pacheco e a Mário Cesariny, dois dos
mais significativos escritores surrealistas em Portugal. Conheci-os
pessoalmente em idade
avançada,
já a tremenda força térmica da juventude se encontrava em declínio.
Esses poemas, tal como aquele que recorda uma viagem a Copacabana, nas
margens do Lago Titicaca, na Bolívia, diria eu que são realistas. Podemos
perguntar-lhes o que querem dizer, e eles respondem. Podem é irritar-se com
a pergunta e argumentar que não é uma questão de quererem dizer e não poderem,
eles dizem mesmo. Além de dizerem o que querem, dizem-no de modo a serem
compreendidos.
Há outros, porém, como os intitulados «Dom São Sebastião», que já não
dizem com tanta claridade. São textos mais complexos, poruqe lidam com o discurso mítico. Por
dizerem o que querem de modo simbólico, têm maior capacidade de produzir sentidos.
E então o leitor escolhe um dos sentidos, ou fica com todos, mas a resposta
à pergunta «O que quer isto dizer?», já não é uma só, são várias. Neste
caso, já não estamos no império do realismo. O realismo, para ser eficaz,
e chegar depressa à consciência do leitor, não pode ser ambíguo, levando a
mais do que uma interpretação. O leitor ficaria confuso se tivesse de votar.
Mas a arte não é igual à política. Ou antes: uma arte que convencesse o
leitor a votar nela, sem nenhuma hesitação causada pela necessidade de optar
por esta ou aquela interpretação, não mereceria o nome de arte, porque seria
propaganda.
Por isso o realismo é pobre. O
texto que produz muitos sentidos, aquele que quer dizer muitas coisas, é mais rico do ponto de vista
poético.
Mas em «Geisers» há um terceiro tipo de poemas, os primeiros, Estudos
de Cor, que não
querem dizer nada. Embora não seja possível pintar paredes com palavras como
"azul marinho" e "vermelho de cochinilha", os poemas teimam em não só
apresentar cores berrantes, como em referir sistemas de cores. |
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É o caso do sistema RGB, usado pelos computadores
e pela televisão, e do sistema CMYK, usado na tinturaria e na
tipografia.
Os estudos
de cor vieram a ser úteis no meu ensaio «A Poesia na óptica da Óptica», em que
analiso a obra de alguns poetas portugueses contemporâneos, e num outro
livro, «Herberto Helder, Obra ao Rubro», em que estudo o «Ofício Cantante» segundo as várias percepções
sensoriais: a visão, o ouvido, o tacto, o olfacto e
o gosto. Como se vai percebendo, a arte pode não querer dizer, sim provocar
sensações. |
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Para voltar ao realismo, que é uma das muitas maneiras de pintores e
escritores se exprimirem, ele é o veículo estético mais acessível a toda a
gente. Trata de casos sociais de forma directa, de modo a que todos reconheçam
os casos e os entendam imediatamente. Por isso domina nos meios de comunicação de massa, aqueles que lidam
com grandes audiências. A maior parte dos filmes e a quase totalidade das
telenovelas obedecem ao cânone realista, aquele que responde a perguntas do
tipo «O que é que isto quer dizer?». Porém a tendência realista não é a
única na arte, e essa que existe nos média esgotou-se já no século XIX;
aliás esgotou-se no
realismo e também no romantismo. Tal tendência domina os meios de comunicação
de massa porque o seu grande auditório só tem critérios estéticos próprios
do século XIX. Para chegar a todos, a fasquia tem de descer muito.
A arte abre horizontes, dá-nos prazer ou
causa-nos medo, surpresa, age sobre as nossas percepções e emoções, leva-nos
a descobrir mundos que não existem neste mundo. A arte cria, e
pode fazê-lo sem dizer nada, pintando apenas, para recorrer a um caso bem
conhecido, um quadrado negro sobre um quadrado branco, ou um círculo branco
sobre fundo negro. Nada disso existia antes de Kazimir Malevitch ter ousado
expor tais quadros, com eles dando origem à pintura abstracta, há cerca de
cem anos. O que
existia, antes, no perímetro de acção de Malévitch, era o alogismo, a obra
ininteligível, entre outras correntes estéticas muito distantes do realismo.
Tudo o que eu disse é importante, não por implicar nada de muito
inesperado, sim porque o tema abre para ângulos bastante agudos, e o mais
agudo deles não é o divórcio entre poetas e cidadãos, sim o retorno do
realismo nas artes mais avançadas, que vejo perfilar-se no horizonte. Esta tendência não é só
portuguesa, é mundial.
O realismo apresenta diversas faces, algumas delas já foram a face de poderes
políticos anti-democráticos. Por isso, não sendo perigoso em si, o realismo
pode anunciar a degradação de um estado democrático. Porque há aqui matéria para
reflectirmos, e não é assim tão vulgar apresentarem-se para isso o lugar e a
ocasião propícios, cabe agradecer aos directores da Casa de Cultura de Vieira do
Minho, e à ex-Incomunidade-actual Arditura (2), na pessoa de Alberto Miranda, organizador da sessão, a oportunidade que me
deram de vos apresentar os meus livros, os meus problemas culturais e os meus pontos de
vista sobre o estado do mundo. |
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(1) Alocução na Casa da
Cultura de Vieira do Minho, a 15 de Maio de 2010, na sessão do Ciclo
«Redigir o Mundo», dedicada ao livro «Geisers" (Bembibre, Incomunidade,
2009). (2) Em:
http://arditura.blogspot.com/ |
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Maria Estela Guedes
(1947, Portugal). Diretora do TriploV
ALGUNS LIVROS.
“Herberto Helder,
Poeta Obscuro”, Lisboa, 1979; “Mário de Sá Carneiro”, Lisboa, 1985; “Ernesto de Sousa –
Itinerário dos Itinerários”, Lisboa, 1987; “À Sombra de Orpheu”, Lisboa, 1990; “Prof. G. F. Sacarrão”, Lisboa,
1993; “Tríptico a solo”, São Paulo, 2007; “A
poesia na Óptica da Óptica”, Lisboa, 2008; “Chão de
papel”, Lisboa. 2009; “Geisers”, Bembibre, 2009; “Quem, às portas de Tebas? – Três artistas modernos
portugueses”, São Paulo, 2010.
ALGUNS COLECTIVOS.
"Poem'arte - nas margens da poesia". III Bienal de Poesia
de Silves, 2008, Câmara Municipal de Silves. Inclui CDRom homónimo, com
poemas ditos pelos elementos do grupo Experiment'arte. “O reverso do
olhar”, Exposição Internacional de Surrealismo Actual. Coimbra, 2008;
“Os dias do amor - Um poema para cada dia do ano”. Parede, Ministério
dos Livros Editores, 2009.
TEATRO.
Multimedia “O Lagarto do
Âmbar, levado à cena em 1987, no ACARTE,
com direcção de Alberto Lopes e interpretação de João Grosso, Ângela
Pinto e Maria José Camecelha, e cenografia de Xana; “A Boba”, levado à
cena em 2008 no Teatro Experimental de Cascais, com encenação de Carlos
Avilez, cenografia de Fernando Alvarez e interpretação de Maria Vieira. |
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© Maria Estela Guedes
estela@triplov.com
Rua Direita, 131
5100-344 Britiande
PORTUGAL |
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