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Mário Pedrosa (1978, p. 341)
acredita que:
A miséria do povo
latino-americano é […] o primeiro traço constitutivo da unidade da
nossa América Latina. […] O povo latino-americano não é branco, é
mestiço, […] eis a segunda unidade que nos amarra uns aos outros. O
povo latino-americano não é livre, mas oprimido de norte a sul, a
terceira face dessa unidade. O povo é submisso a um só destino
principal: o destino de ser submetido, de alguma maneira, ao
imperialismo.
Fazem parte da América Latina:
Argentina,
Bolívia,
Brasil,
Chile,
Colômbia,
Costa Rica,
Cuba,
Equador,
El Salvador,
Guatemala,
Haiti,
Honduras,
México,
Nicarágua,
Panamá,
Paraguai,
Peru,
República Dominicana,
Uruguai e
Venezuela.
Segundo Mari Carmen Ramírez (1999,
p. 53), o conceitualismo “pode ser considerado a segunda maior mudança
de compreensão e da produção artística do século XX” pois, transferiu a
preciosidade do objeto de arte autônomo, como era visto desde o
Renascimento para a flexibilidade da linguística, estruturando novas
formas de arte. As estratégias conceituais questionaram tanto o objeto
de arte em si, quanto o mercado artístico submetido “à vastíssima
indústria da publicidade” (PEDROSA, 1975, p. 334) de uma sociedade
capitalista. Logo, o que existe no conceitualismo é a valorização do
processo artístico como estrutura ou ideia e que, por sua vez, vão além
de simples considerações perceptuais ou formais.
Concordando com Ramírez, Luis
Camnitzer (1999, p. 7) acredita que o conceitualismo foi “um
desenvolvimento chave da arte do século XX”, em que a resposta
artística, tanto para as suas próprias tradições, quanto para sua
urgente inserção no meio social, foi a mudança da consideração do objeto
para a ideia, fato que se deu em diferentes locais do mundo. Esta
mudança artística ocorreu em dois períodos distintos. O primeiro,
tencionado de um lado pelo comunismo e de outro pelo capitalismo,
abordando, aproximadamente, os últimos anos da década de 1950 até 1973,
neste período a arte como ideia se desenvolveu especialmente no Japão,
no Leste e Oeste da Europa, na América Latina, nos Estados Unidos, no
Canadá e na Austrália. O segundo período, que atingiu meados da década
de 1970 até final da década de 1980, assistiu o final da Guerra Fria e a
elevação de alguns países do Terceiro Mundo para o status de Primeiro
Mundo através dos ‘milagres econômicos’, mesmo que nesta fase o fosso
entre países pobres e ricos tenha sido alargado. A falsa ideia de
‘milagre econômico’, ou ‘paraíso prometido’, como nomeou Suely Rolnik
(2006), “corresponde a uma recusa […] [ao] impulso de criação e
diferenciação contínuas” e tirou o valor de qualquer princípio de
primeira ordem para substituí-los apenas pelo capital. O capital como
valor único exige apenas o comprometimento com o consumo que, por sua
vez, “constitui o mito fundamental do capitalismo avançado”, mito que
dispensa qualquer prova de existência, pois, está implícito nas
sociedades contemporâneas, “é exatamente através de nossa crença neste
mito religioso do neoliberalismo, que os mundos-imagem que tal regime
produz torna-se realidade concreta em nossas próprias existências”. O
conceitualismo deste segundo período, contextualizado diretamente num
mundo de capitalismo selvagem, tomou direções mais mundanas, com pouca
ou nenhuma referência histórica, focando-se mais nos materiais em si ou
nas experiências cotidianas dos artistas.
A desorganização do mercado
mundial, provocada pela Grande Depressão[1]
e depois pela Segunda Grande Guerra, causou um forte impulso à
industrialização dos países da América Latina. Assim era dada a abertura
ao período desenvolvimentista daquela região.
Anteriormente ao favorecimento da
industrialização, a estratégia de inclusão no mercado econômico formava
um outro sentido de identidade entre os países da América Latina, além
daqueles já citados. A exportação de derivados da propriedade rural
identificava economicamente todos os países desta região. Porém, com a
crise financeira generalizada, a demanda pelos produtos participantes no
comércio internacional, como café, algodão e minérios, entrou em queda e
consequentemente as economias daqueles países também entravam em crise.
Foi assim que a recessão mundial e a dificuldade de importar estimularam
a produção nacional. No Brasil e na Argentina, por exemplo, os
agricultores passaram a investir seu capital na manufatura acelerando o
processo de industrialização dessas regiões. Nos países periféricos,
como nos da América Latina, a industrialização era vista como a única
resposta apropriada aos perigos da dependência da demanda externa.
As políticas desenvolvimentistas
foram especialmente relevantes para a Argentina e para o Brasil, países
que participaram do movimento modernista da década de 1920, assim como
das vanguardas de 1940 e 1950. Limitando-nos ao Brasil, podemos citar o
exemplo do construtivismo nas artes visuais e do concretismo na poesia,
como experiências intimamente ligadas ao período desenvolvimentista do
pós-guerra com seu sonho de modernização, o resultado deste sonho foi,
no Brasil, a construção de Brasília, a nova capital do país.
Entre os anos de 1964 e 1976 os
maiores países da América do Sul se viram governados por militares,
entre eles Brasil, Argentina, Uruguai, Peru e Chile, neste momento os
artistas passaram a discutir o autoritarismo, seja como exilados
internos ou externos, incorporando a ação política à prática artística.
Vale a pena ressaltar que, para Suely Rolnik (2006), a resistência às
promessas do paraíso econômico do neo-liberalismo em países submetidos à
regimes totalitários é muito mais branda, já que a flexibilidade do
capital contraria a rigidez daqueles governos que buscam preservar a
ordem a qualquer preço.
O encontro destes dois regimes
torna o cenário ainda mais vulnerável aos abusos da cafetinagem: em sua
penetração em contextos totalitários, o capitalismo cultural tirou
vantagem […] em muitos daqueles países [da América Latina e da Europa do
Leste] […]. O novo regime apresenta-se aí não só como o sistema que
acolhe e institucionaliza o princípio de produção de subjetividade e de
cultura dos movimentos dos anos de 1960 e 70, como foi o caso nos EUA e
nos países da Europa Ocidental. Nos países sob ditadura, ele ganha […]
poder de sedução […], permitindo-lhe reativar-se e voltar a se
manifestar […]; a combinatória desses dois fatores históricos, ocorrida
nestes países, [agravou] consideravelmente o estado de alienação
patológica […].
Foi com a crise da dívida externa,
em 1982, que os projetos desenvolvimentistas foram sendo, pouco a pouco,
esquecidos. A ausência de reformas democratizantes e a grande dívida dos
países latino-americanos fizeram com que a América Latina se preparasse
para entrar num ciclo neoliberal. O Chile, por sua vez, sob regime
autoritário, abandonou muito cedo a industrialização e caiu no
neoliberalismo já na década de 1970. Outros países como o México e a
Bolívia, partiram para reformas estruturais que visavam a liberalização
da economia no início da década de 1980.
A década de 1990 foi uma época de
conformismo para os países da América Latina e redefinia a
preponderância do poder econômico mundial na Europa, na América do Norte
e no Sudeste Asiático sugerindo a ideia de globalização e de
regionalização. Porém, voltadas a um regime liberal-internacionalista,
essas características trariam muitos ajustes e sacrifícios
sócio-econômicos para as nações menos desenvolvidas, propiciando o
ressurgimento do pensamento desenvolvimentista. Mas, as políticas
nacionais de desenvolvimentismo acabaram cedendo espaço para a
globalização e a integração dos mercados.
É diante da globalização que os
artistas latino-americanos parecem apresentar uma obsessão aos modelos
saídos dos grandes centros artísticos, Estados Unidos e Europa. Mesmo os
historiadores de arte que tentam traçar a gênese artística
latino-americana, na maioria das vezes, a consideram como um processo
encadeado, justificando um maior conhecimento da origem estrangeira do
que do objeto latino em si. Enquanto isso, os nossos críticos buscam
informações sobre o reconhecimento internacional de nossas artes
visuais. Contudo, as décadas de 1960, 1970 e parte da de 1980
apresentaram um grande número de intelectuais e artistas que,
preocupados com a emergência da arte latino-americana, procuraram
identificar os próprios valores de seus países, sem esperar pela
afirmação ou referência do exterior. É importante citar que o
desenvolvimentismo “reorganizou significativamente as estruturas
socioeconômicas dos principais países da América Latina” e que o seu
ponto culminante era “a promessa de libertação da opressão política e
econômica dos Estados Unidos” (RAMÍREZ, 1993, p. 552) e a emancipação
dos países latino-americanos na ordem de Primeiro Mundo. Essa promessa
de liberdade coincidiu com a mudança do núcleo da arte da Europa para os
Estados Unidos, reduzindo, geograficamente, a distância entre centro e
periferia.
Nova York teve um importante papel
para o surgimento da experimentalidade artística, modalidade em que se
enquadra a arte conceitual da América Latina. A capital dos Estados
Unidos recebeu vários artistas latino-americanos oferecendo uma maior
liberdade perante os condicionamentos artísticos oficiais da Europa. Os
artistas americanos, Jasper Johns, Andy Warhol (1928-1987), Robert
Morris, entre outros, estavam recuperando o legado de Marcel Duchamp
(1887-1968) no que dizia respeito à crítica formal, esta característica
seria seguida pelos artistas que passavam pelos EUA na época. Segundo
Mário Pedrosa (1975, p. 339), Marcel Duchamp guia o desdobramento
‘estético-não-estético’ do século XX, “atrás dele vêm os artistas de
hoje, com suas proclamas revolucionárias”.
É claro que os países da América
Latina não estão liberados dos modelos das metrópoles, seja do ponto de
vista social, político ou econômico. Igualmente, o desejo de uma
autonomia do ponto de vista artístico é praticamente utópico. Porém,
esta utopia desencadeia um processo de conscientização, pois não somos
um prolongamento da Europa nem tão pouco cópia das experiências
norte-americanas. Mas, ao mesmo tempo e graças à globalização, a
expressão artística pode ser desinteressante universalmente, tornando-se
considerável apenas pelo seu nível inventivo e qualidade plástica. Nosso
diferencial é a forma maciça de expressão popular, o que fez da arte
latino-americana uma contribuição autêntica. Por vezes, o erro dos
países da América Latina parece ser a vontade de alcançar o universal
sem uma identidade local.
Para o cenário artístico da
América Latina, o alcance do universal é agravado pelo fato de ser
implícito o “desejo de nos [auto] projetar com um todo que não somos,
apesar das similitudes históricas, sociais e políticas que nos unem”
(AMARAL, 1987, p. 40). Se considerarmos a problemática cultural
latino-americana como uma postura ligada à identidade seria cada vez
mais difícil de nos situar num contexto universal. A negação da
identidade está, ao mesmo tempo, ligada ao desejo de uma cultura melhor
e arriscada a cair no problema de uma presença internacionalista
marcante. Somente dentro do território brasileiro existem todas as
dessemelhanças étnico-culturais caracterizadas em todos os países da
América Latina, tais como: “cultura indígena, a contribuição africana, a
mestiçagem intensa, a presença da imigração” (AMARAL, 1990, p. 68);
também no Brasil podemos observar, por um lado, a cultura agrícola,
rural e rudimentar, e por outro, o urbano e a industrialização avançada.
O fim da era moderna e a vinda das
décadas de 1960 e 1970 ofereceram uma nova compreensão da América
Latina. Neste período muitos artistas e intelectuais foram levados ao
exílio, uns nos países dos outros. No caso do Brasil, por exemplo,
personalidades como Ferreira Gullar, Mário Pedrosa (1901-1981), Celso
Furtado (1920-2004) e Darcy Ribeiro (1922-1997) foram viver no Chile, no
Peru, no México e na Argentina, o que os faz despertar para as
afinidades com estes outros povos, que até então não haviam sido
notadas, e consequentemente com a preocupação com uma união mais afinada
entre os países da região. Mesmo em um ambiente autoritário, como os das
décadas de 1960 e 1970 em quase toda a América Latina, a arte conceitual
latino-americana foi auto-suficiente para projetar sua criatividade na
área das artes visuais, adquirindo, assim, suas próprias condições de
existência, tornando-se mais respeitável perante nós mesmos e o
exterior.
A história da arte dos países da
América Latina menciona dois principais momentos de encontro entre seus
artistas, o das tendências construtivas, em especial na Argentina,
Uruguai, Brasil, Venezuela e México; e durante os duros anos dos regimes
militares, de 1960 e 1970, quando os artistas saíram às ruas protestando
contra a censura e “voltando à figuração metafórica com o objetivo de
contornar essa limitação de liberdade de expressão” (AMARAL, 1996, p.
133). A arte conceitual da América Latina procurou expressar o coletivo
em busca de uma comunicação maior com a sociedade. Para Mário Pedrosa
(1975, p. 333), o “esforço para a coletividade” dos países
subdesenvolvidos carrega um “esforço anônimo da criatividade, da
inventividade autêntica”.
Se nos aproximarmos da questão da
América Latina a partir de uma abordagem não histórica da arte, podemos
notar um panorama artístico mais claro e consistente. A exemplo do
pensamento utópico no desenvolvimento do conceitualismo da América
Latina. Esse pensamento utópico queria, entre outras coisas, adquirir um
continente unificado e livre das pressões imperialistas e com
prosperidade econômica para todos.
Esperando que algum dia nossa
utopia se tornasse global, o conceitualismo na América Latina passou por
um período de crença na comunidade local, então chamada de nação,
depois, esta nação calcada no seu poder de transnacionalidade teve a
esperança de estabelecer-se como uma super-nação, onde a dependência
daria lugar à auto-suficiência e a globalização imperial daria lugar a
uma estrutura internacionalista sem regras hegemônicas. Talvez a utopia
desses projetos tenha sido a condição de impedimento para o alcance dos
nossos objetivos. O sonho de uma super-nação parece ter esquecido que um
futuro aberto, no qual estão predestinados os países da América Latina,
“recusa os produtos ultramodernos das áreas adiantadas da civilização
‘transnacional’, que de futuro só apresenta a aparência”, esta oferta de
futuro “são na realidade variantes do status quo que o imperialismo
trata de defender por todos os meios, inclusive a guerra” (PEDROSA,
1975, p. 336).
O conceitualismo artístico
contrapôs-se à tradicional visão hegemônica, na qual a arte é,
sobretudo, expressão de liberdade pessoal. Na América Latina o coletivo
confrontou o individual tornando-se expressão de resistência em busca de
liberdade. A arte conceitual latino-americana não se limitou na esfera
artística, refletindo também as tensões sócio-políticas da região, por
vezes, a necessidade de agitação tomava o lugar do desejo de criação na
tentativa de alterar e afetar aquelas tensões. Luis Camnitzer (2007, p.
18) acredita que esquematicamente o artista pode ser visto “como
agitador ou como construtor da cultura”, porém, dentro do pensamento
artístico tradicional, os próprios artistas são “normalmente levados a
acreditar que a estética da agitação está em total desacordo com a
estética que corresponde a definição da cultura, mesmo no caso em que
elas compartilham a mesma ideologia sócio-política”.
A agitação baseada nas tensões
políticas e sociais de países periféricos deram origem àquilo que
Marchán Fiz (Apud: RAMÍREZ, 1993, p. 550) chamou de Ideological
Conceptualism. Este tipo de conceitualismo contraria a visão dos
artistas norte-americanos e britânicos que deram origem à arte
conceitual e que defendiam a eliminação do objeto como resultado
artístico e a valorização da ideia ou do processo de arte questionando
sua comercialização. Não que o conceitualismo latino-americano não
apresentasse tais questões, mas a sua crítica era estendida àquelas
questões políticas e sociais, enquanto que a arte conceitual
norte-americana foi reduzida simplesmente como noção de ideia. O
conceitualismo ideológico não era “uma força produtiva pura, mas sim,
uma força social” (FIZ, Apud: RAMÍREZ, 1999, p. 55), visando
“ativamente, transformar o mundo, através da especificidade da arte”
(RAMÍREZ, 1999, p. 55). O grupo argentino Tucumán Arde, por exemplo,
usou a arte como veículo de compreensão do real, substituindo a estética
por uma “ação coletiva violenta”, que seria a “força geradora de novos
conteúdos” (RAMÍREZ, 1999, p. 55-56).
Uma ação violenta poderia ser
considerada mais que uma forma de agitação, ou muito mais do que uma
simples manifestação de opinião. Em uma ação violenta está implícita a
questão de construção cultural, já que possui a pretensão de afetar as
maneiras de percepção através de uma mudança estrutural. É
contraditório, então, afirmar que o establishment se sinta mais ameaçado
pela agitação do que pela construção cultural. Na verdade, no contexto
da América Latina, tanto a agitação como a elaboração de uma cultura,
estão muito mais ligadas com a ideia de subversão. “Subverter uma
situação significa criar uma distância perceptiva do status quo”
(CAMNTZER, 2007, p.19), a subversão artística para esta geração de
artistas conceituais da América Latina pode ser entendida como uma
ferramenta usada para a melhoria social de um público específico.
Camnitzer aposta no conceitualismo latino-americano como tática de
unificação da agitação (subversiva) com a construção cultural.
A América Latina passou a fazer
arte conceitual já em meados da década de 1960, especialmente na
Argentina, no Brasil, no Chile e no Uruguai. Claro que não se pode negar
a influência do conceitualismo norte-americano e britânico na arte
conceitual latino-americana, mas, de modo geral, o que se percebe antes
de tal influência, ou mesmo concomitante a ela, é um status de reação ao
pensamento e modo de vida norte-americano. Vale repetir que o
conceitualismo realizado na América Latina, devido: 1) ao regime
político de base militar de grande parte da região; 2) a preocupação dos
seus artistas com as questões sociais e 3) a sua assumida condição de
periferia, apresentou um aspecto muito mais dinâmico e radical em suas
realizações do que aquele realizado na América do Norte. Um afunilamento
do espaço entre Primeiro e Terceiro Mundo, ou seja, entre Centro e
Periferia, aqui citado como América do Norte e América Latina, procura
comunicar as diferenças entre eles através da subordinação cultural e
política, ou seja, das constantes relações entre modelo e cópia,
novidade e adaptação, imposição e reação, assim por diante. Esta
comunicação se faz necessária para que haja a abertura dos circuitos
econômicos e culturais dominantes àquelas culturas menos desenvolvidas.
Para os artistas conceituais da América Latina o reconhecimento da
condição periférica é, geralmente, tomado como ponto de partida.
O conceitualismo latino-americano
apoiou-se em duas questões fundamentais: a arte fora dos limites da
esfera estética, possibilitando a relação dos artistas com problemas de
ordem social e política; e a crítica às instituições artísticas
tradicionais, permitindo a adequação da prática artística à precariedade
de sua condição periférica, “as proposições fundamentais da arte
conceitual tornaram-se elementos de estratégia para expor os limites da
arte e da vida sob condições de marginalização” (RAMÍREZ, 1993, p. 554).
Com estas inversões, ou autonomias, do modelo conceitual
norte-americano, o caráter político foi inserido no conceitualismo da
América Latina. Mesmo que não citando, diretamente, o conceitualismo,
Mário Pedrosa (1975, p. 335) parece traduzir a necessidade de adequação
dos países do Terceiro Mundo aos modelos das práticas artísticas
dominantes quando afirma em 1975 que:
o Terceiro Mundo […] tem que
construir seu próprio caminho de desenvolvimento, e forçosamente
diferente do que tomou e toma o mundo dos ricos do hemisfério norte. A
história cultural do Terceiro Mundo […] tem que expulsar […] a
mentalidade ‘desenvolvimentista’ que é barra em que se apóia o espírito
colonialista.
Uma relação paradoxal da arte
conceitual latino-americana com a norte-americana é verificada na
desmaterialização do objeto artístico que se estabelece como uma
proposição linguística, esta relação é facilmente verificada nos
Circuitos artísticos e ideológicos de Cildo Meireles, pois, com a
apropriação das garrafas de Coca-Cola e das cédulas de dinheiro o
artista inverte a desmaterialização do objeto em recuperação objetual
sob a forma de produção de massa. Segundo Ramirez (1993, p. 554), os
objetos de Cildo são “equivalentes visuais para os processos de
pensamento sugeridos pelas proposições conceituais”. Neste caso não
observamos a preocupação com a produção do objeto artístico em si, mas
com a apropriação de objetos como estratégia de significação, em que a
obra de arte transporta significados políticos em um contexto social
específico. O termo desmaterialização foi cunhado pela crítica de arte
norte-americana Lucy Lippard em 1967 e aparece agora completamente
soldado ao conceitualismo. Primeiramente para Lippard, a ideia de
desmaterialização do objeto artístico foi uma resposta à dependência do
artesanato, e só posteriormente é que ela passa a politizar o conceito
através da sua relação com as necessárias mudanças sociais e políticas;
hoje as tendências dominantes consideram a desmaterialização mais como
uma consequência do reducionismo. No conceitualismo a versão formalista
da arte deixou de ser a verdadeira questão, “o objetivo passou a ser o
de organizar a recepção da comunidade, que é uma questão política”
(CAMNITZER, 2007, p. 20). Essa apropriação derivou de uma interpretação
do legado de Duchamp que ultrapassou questões de intencionalidade e
produtividade. Na América Latina, a desmaterialização não foi
consequência da especulação formalista, mas veículo de expressão
política, devido sua eficiência, acessibilidade e baixo custo. Houve
também alguns artistas conceituais que se apropriaram de estruturas de
meios de comunicação já existentes, a fim de produzir um trabalho que
fizesse com que estes meios constituíssem, efetivamente, a comunicação,
ou seja, a mensagem. De um modo geral, os artistas latino-americanos
buscaram um sistema de comunicação alternativo e participativo ligado na
legitimidade de seus contextos locais. Segundo Camnitzer (1999, p. 7),
nos países do Terceiro Mundo, “embora inevitavelmente conectados ao
complexo sistema de elos globais, movimentos conceitualistas foram
também claramente estimulados pelas urgentes condições e histórias
locais”.
A contestação de atitudes
conformistas refere-se a uma outra abordagem da arte conceitual da
América Latina, que deslocou a importância do objeto para a importância
da participação do espectador na ação artística, objetivando que o
participador recriasse seu lugar na estrutura social e política. Muitos
dos artistas ou grupos latino-americanos não aceitaram o termo
conceitual para seus impulsos locais que originaram suas manifestações
artísticas. Hélio Oiticica (1937-1980), por exemplo, ao questionar a
natureza e função do objeto artístico e reformular a questão da antiarte
criou o termo nova objetividade. Na Argentina, as relações conceituais
entre sujeito e objeto foram nomeadas como arte de los médios. Já na
Colômbia e no México, Juan Acha cunhou o termo no-objetualismo para
todas as formas de arte experimental.
Podemos concluir que o
conceitualismo para os artistas da América Latina foi representado
principalmente em duas questões: a da compreensão da arte como forma de
conhecimento, tendo como consequência a exploração de fatores
sócio-políticos e intuindo a comunicação com o público; e a da crítica
às instituições tradicionais da arte e a substituição do objeto
artístico pelo embasamento da arte na ideia através da elaboração de uma
prática artística de teor político e não somente como veículo de análise
do mercado da arte sob o domínio do capitalismo tardio.
As práticas artísticas conceituais
latino-americanas foram, em geral, desenvolvidas em condições de
marginalidade e repressão oficial. Se, por um lado, a arte conceitual
buscou transformar a sociedade ligando-se a um projeto, ao mesmo tempo,
ético, político e social, por outro, ela escapou da questão do
multiculturalismo globalizado, abrindo, assim, o espaço para um
engajamento no quadro particular da sociedade em que estava incluída.
Então, estas práticas permaneceram como atividade marginal restrita a
seus próprios países e além do conceitualismo latino-americano ter sido
mal entendido pelo público, ele ainda não ingressou no mercado, o que o
fez depender de uma estrutura cultural precária para sobreviver. As
práticas conceituais buscaram, utopicamente, a transformação da arte a
partir da intervenção política e social, do alcance de um grande público
e de uma maior politização das práticas culturais. Dentro deste contexto
que o conceitualismo latino-americano sempre procurou inserir suas
práticas em um poder comunicacional e ideológico sem precedentes,
retirando suas proposições do ostracismo que caíram as formas britânicas
e norte-americanas da arte conceitual. Embora o conceitualismo
latino-americano tenha se subvertido aos regimes autoritários, a sua
dissolução se deu, ironicamente, em face da chegada da democracia. Este
fato nos faz pensar que o caráter particular das práticas conceituais da
América Latina deveu-se ao autoritarismo, já que com a vinda da
democracia as investigações da arte conceitual reduziram-se largamente.
Segundo Camnitzer, os artistas
latino-americanos teorizaram menos sobre arte do que sobre política, por
isso foi a política que lentamente penetrou na produção artística
tornando-se arte. Infelizmente ainda não existe uma
interdisciplinaridade real para a arte e a política. Arte política ou
política estetizada são muitas vezes entendidas como esquerdismos e
nacional-socialismo, respectivamente. |