REVISTA TRIPLOV
de Artes, Religiões e Ciências


Nova Série | 2010 | Número 05

 

 

 

 

A denominação América Latina foi dada a todos os países do continente americano que supostamente possuíam uma unidade linguística, cultural e racial. Para Damián Bayón (Apud: AMARAL, 1996, p. 131) o termo América Latina foi apenas uma expressão convencional, “cunhada na Europa”, que incluía “todos os países colonizados por espanhóis e portugueses, mais algumas ilhas e zonas menores colonizadas por franceses, ingleses e holandeses”. Podemos afirmar então que, superficialmente, a América Latina é um aglomerado de nações e culturas unidas pela língua, em sua maioria espanhola, e pela religião, em sua maioria católica. Porém, podemos também chegar ao fato de que os países da América Latina possuem em comum uma cultura de resistência àquela dominante, assim como, uma vontade generalizada, mesmo que utópica, de uma unidade continental.

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Maria Estela Guedes  
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JHANAINNA SILVA PEREIRA JEZZINI

América Latina, conceitualismo,

desenvolvimentismo e

capitalismo selvagem 

 
 
 
 
 
 
 
 
 

Mário Pedrosa (1978, p. 341) acredita que:

A miséria do povo latino-americano é […] o primeiro traço constitutivo da unidade da nossa América Latina. […] O povo latino-americano não é branco, é mestiço, […] eis a segunda unidade que nos amarra uns aos outros. O povo latino-americano não é livre, mas oprimido de norte a sul, a terceira face dessa unidade. O povo é submisso a um só destino principal: o destino de ser submetido, de alguma maneira, ao imperialismo.

Fazem parte da América Latina: Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Costa Rica, Cuba, Equador, El Salvador, Guatemala, Haiti, Honduras, México, Nicarágua, Panamá, Paraguai, Peru, República Dominicana, Uruguai e Venezuela.

Segundo Mari Carmen Ramírez (1999, p. 53), o conceitualismo “pode ser considerado a segunda maior mudança de compreensão e da produção artística do século XX” pois, transferiu a preciosidade do objeto de arte autônomo, como era visto desde o Renascimento para a flexibilidade da linguística, estruturando novas formas de arte. As estratégias conceituais questionaram tanto o objeto de arte em si, quanto o mercado artístico submetido “à vastíssima indústria da publicidade” (PEDROSA, 1975, p. 334) de uma sociedade capitalista. Logo, o que existe no conceitualismo é a valorização do processo artístico como estrutura ou ideia e que, por sua vez, vão além de simples considerações perceptuais ou formais.

Concordando com Ramírez, Luis Camnitzer (1999, p. 7) acredita que o conceitualismo foi “um desenvolvimento chave da arte do século XX”, em que a resposta artística, tanto para as suas próprias tradições, quanto para sua urgente inserção no meio social, foi a mudança da consideração do objeto para a ideia, fato que se deu em diferentes locais do mundo. Esta mudança artística ocorreu em dois períodos distintos. O primeiro, tencionado de um lado pelo comunismo e de outro pelo capitalismo, abordando, aproximadamente, os últimos anos da década de 1950 até 1973, neste período a arte como ideia se desenvolveu especialmente no Japão, no Leste e Oeste da Europa, na América Latina, nos Estados Unidos, no Canadá e na Austrália. O segundo período, que atingiu meados da década de 1970 até final da década de 1980, assistiu o final da Guerra Fria e a elevação de alguns países do Terceiro Mundo para o status de Primeiro Mundo através dos ‘milagres econômicos’, mesmo que nesta fase o fosso entre países pobres e ricos tenha sido alargado. A falsa ideia de ‘milagre econômico’, ou ‘paraíso prometido’, como nomeou Suely Rolnik (2006), “corresponde a uma recusa […] [ao] impulso de criação e diferenciação contínuas” e tirou o valor de qualquer princípio de primeira ordem para substituí-los apenas pelo capital. O capital como valor único exige apenas o comprometimento com o consumo que, por sua vez, “constitui o mito fundamental do capitalismo avançado”, mito que dispensa qualquer prova de existência, pois, está implícito nas sociedades contemporâneas, “é exatamente através de nossa crença neste mito religioso do neoliberalismo, que os mundos-imagem que tal regime produz torna-se realidade concreta em nossas próprias existências”. O conceitualismo deste segundo período, contextualizado diretamente num mundo de capitalismo selvagem, tomou direções mais mundanas, com pouca ou nenhuma referência histórica, focando-se mais nos materiais em si ou nas experiências cotidianas dos artistas.

 

A desorganização do mercado mundial, provocada pela Grande Depressão[1] e depois pela Segunda Grande Guerra, causou um forte impulso à industrialização dos países da América Latina. Assim era dada a abertura ao período desenvolvimentista daquela região.

Anteriormente ao favorecimento da industrialização, a estratégia de inclusão no mercado econômico formava um outro sentido de identidade entre os países da América Latina, além daqueles já citados. A exportação de derivados da propriedade rural identificava economicamente todos os países desta região. Porém, com a crise financeira generalizada, a demanda pelos produtos participantes no comércio internacional, como café, algodão e minérios, entrou em queda e consequentemente as economias daqueles países também entravam em crise. Foi assim que a recessão mundial e a dificuldade de importar estimularam a produção nacional. No Brasil e na Argentina, por exemplo, os agricultores passaram a investir seu capital na manufatura acelerando o processo de industrialização dessas regiões. Nos países periféricos, como nos da América Latina, a industrialização era vista como a única resposta apropriada aos perigos da dependência da demanda externa.

As políticas desenvolvimentistas foram especialmente relevantes para a Argentina e para o Brasil, países que participaram do movimento modernista da década de 1920, assim como das vanguardas de 1940 e 1950. Limitando-nos ao Brasil, podemos citar o exemplo do construtivismo nas artes visuais e do concretismo na poesia, como experiências intimamente ligadas ao período desenvolvimentista do pós-guerra com seu sonho de modernização, o resultado deste sonho foi, no Brasil, a construção de Brasília, a nova capital do país.

Entre os anos de 1964 e 1976 os maiores países da América do Sul se viram governados por militares, entre eles Brasil, Argentina, Uruguai, Peru e Chile, neste momento os artistas passaram a discutir o autoritarismo, seja como exilados internos ou externos, incorporando a ação política à prática artística. Vale a pena ressaltar que, para Suely Rolnik (2006), a resistência às promessas do paraíso econômico do neo-liberalismo em países submetidos à regimes totalitários é muito mais branda, já que a flexibilidade do capital contraria a rigidez daqueles governos que buscam preservar a ordem a qualquer preço.

O encontro destes dois regimes torna o cenário ainda mais vulnerável aos abusos da cafetinagem: em sua penetração em contextos totalitários, o capitalismo cultural tirou vantagem […] em muitos daqueles países [da América Latina e da Europa do Leste] […]. O novo regime apresenta-se aí não só como o sistema que acolhe e institucionaliza o princípio de produção de subjetividade e de cultura dos movimentos dos anos de 1960 e 70, como foi o caso nos EUA e nos países da Europa Ocidental. Nos países sob ditadura, ele ganha […] poder de sedução […], permitindo-lhe reativar-se e voltar a se manifestar […]; a combinatória desses dois fatores históricos, ocorrida nestes países, [agravou] consideravelmente o estado de alienação patológica […].

Foi com a crise da dívida externa, em 1982, que os projetos desenvolvimentistas foram sendo, pouco a pouco, esquecidos. A ausência de reformas democratizantes e a grande dívida dos países latino-americanos fizeram com que a América Latina se preparasse para entrar num ciclo neoliberal. O Chile, por sua vez, sob regime autoritário, abandonou muito cedo a industrialização e caiu no neoliberalismo já na década de 1970. Outros países como o México e a Bolívia, partiram para reformas estruturais que visavam a liberalização da economia no início da década de 1980.

A década de 1990 foi uma época de conformismo para os países da América Latina e redefinia a preponderância do poder econômico mundial na Europa, na América do Norte e no Sudeste Asiático sugerindo a ideia de globalização e de regionalização. Porém, voltadas a um regime liberal-internacionalista, essas características trariam muitos ajustes e sacrifícios sócio-econômicos para as nações menos desenvolvidas, propiciando o ressurgimento do pensamento desenvolvimentista. Mas, as políticas nacionais de desenvolvimentismo acabaram cedendo espaço para a globalização e a integração dos mercados.

É diante da globalização que os artistas latino-americanos parecem apresentar uma obsessão aos modelos saídos dos grandes centros artísticos, Estados Unidos e Europa. Mesmo os historiadores de arte que tentam traçar a gênese artística latino-americana, na maioria das vezes, a consideram como um processo encadeado, justificando um maior conhecimento da origem estrangeira do que do objeto latino em si. Enquanto isso, os nossos críticos buscam informações sobre o reconhecimento internacional de nossas artes visuais. Contudo, as décadas de 1960, 1970 e parte da de 1980 apresentaram um grande número de intelectuais e artistas que, preocupados com a emergência da arte latino-americana, procuraram identificar os próprios valores de seus países, sem esperar pela afirmação ou referência do exterior. É importante citar que o desenvolvimentismo “reorganizou significativamente as estruturas socioeconômicas dos principais países da América Latina” e que o seu ponto culminante era “a promessa de libertação da opressão política e econômica dos Estados Unidos” (RAMÍREZ, 1993, p. 552) e a emancipação dos países latino-americanos na ordem de Primeiro Mundo. Essa promessa de liberdade coincidiu com a mudança do núcleo da arte da Europa para os Estados Unidos, reduzindo, geograficamente, a distância entre centro e periferia.

Nova York teve um importante papel para o surgimento da experimentalidade artística, modalidade em que se enquadra a arte conceitual da América Latina. A capital dos Estados Unidos recebeu vários artistas latino-americanos oferecendo uma maior liberdade perante os condicionamentos artísticos oficiais da Europa. Os artistas americanos, Jasper Johns, Andy Warhol (1928-1987), Robert Morris, entre outros, estavam recuperando o legado de Marcel Duchamp (1887-1968) no que dizia respeito à crítica formal, esta característica seria seguida pelos artistas que passavam pelos EUA na época. Segundo Mário Pedrosa (1975, p. 339), Marcel Duchamp guia o desdobramento ‘estético-não-estético’ do século XX, “atrás dele vêm os artistas de hoje, com suas proclamas revolucionárias”.

É claro que os países da América Latina não estão liberados dos modelos das metrópoles, seja do ponto de vista social, político ou econômico. Igualmente, o desejo de uma autonomia do ponto de vista artístico é praticamente utópico. Porém, esta utopia desencadeia um processo de conscientização, pois não somos um prolongamento da Europa nem tão pouco cópia das experiências norte-americanas. Mas, ao mesmo tempo e graças à globalização, a expressão artística pode ser desinteressante universalmente, tornando-se considerável apenas pelo seu nível inventivo e qualidade plástica. Nosso diferencial é a forma maciça de expressão popular, o que fez da arte latino-americana uma contribuição autêntica. Por vezes, o erro dos países da América Latina parece ser a vontade de alcançar o universal sem uma identidade local.

Para o cenário artístico da América Latina, o alcance do universal é agravado pelo fato de ser implícito o “desejo de nos [auto] projetar com um todo que não somos, apesar das similitudes históricas, sociais e políticas que nos unem” (AMARAL, 1987, p. 40). Se considerarmos a problemática cultural latino-americana como uma postura ligada à identidade seria cada vez mais difícil de nos situar num contexto universal. A negação da identidade está, ao mesmo tempo, ligada ao desejo de uma cultura melhor e arriscada a cair no problema de uma presença internacionalista marcante. Somente dentro do território brasileiro existem todas as dessemelhanças étnico-culturais caracterizadas em todos os países da América Latina, tais como: “cultura indígena, a contribuição africana, a mestiçagem intensa, a presença da imigração” (AMARAL, 1990, p. 68); também no Brasil podemos observar, por um lado, a cultura agrícola, rural e rudimentar, e por outro, o urbano e a industrialização avançada.

O fim da era moderna e a vinda das décadas de 1960 e 1970 ofereceram uma nova compreensão da América Latina. Neste período muitos artistas e intelectuais foram levados ao exílio, uns nos países dos outros. No caso do Brasil, por exemplo, personalidades como Ferreira Gullar, Mário Pedrosa (1901-1981), Celso Furtado (1920-2004) e Darcy Ribeiro (1922-1997) foram viver no Chile, no Peru, no México e na Argentina, o que os faz despertar para as afinidades com estes outros povos, que até então não haviam sido notadas, e consequentemente com a preocupação com uma união mais afinada entre os países da região. Mesmo em um ambiente autoritário, como os das décadas de 1960 e 1970 em quase toda a América Latina, a arte conceitual latino-americana foi auto-suficiente para projetar sua criatividade na área das artes visuais, adquirindo, assim, suas próprias condições de existência, tornando-se mais respeitável perante nós mesmos e o exterior.

A história da arte dos países da América Latina menciona dois principais momentos de encontro entre seus artistas, o das tendências construtivas, em especial na Argentina, Uruguai, Brasil, Venezuela e México; e durante os duros anos dos regimes militares, de 1960 e 1970, quando os artistas saíram às ruas protestando contra a censura e “voltando à figuração metafórica com o objetivo de contornar essa limitação de liberdade de expressão” (AMARAL, 1996, p. 133). A arte conceitual da América Latina procurou expressar o coletivo em busca de uma comunicação maior com a sociedade. Para Mário Pedrosa (1975, p. 333), o “esforço para a coletividade” dos países subdesenvolvidos carrega um “esforço anônimo da criatividade, da inventividade autêntica”.

Se nos aproximarmos da questão da América Latina a partir de uma abordagem não histórica da arte, podemos notar um panorama artístico mais claro e consistente. A exemplo do pensamento utópico no desenvolvimento do conceitualismo da América Latina. Esse pensamento utópico queria, entre outras coisas, adquirir um continente unificado e livre das pressões imperialistas e com prosperidade econômica para todos.

Esperando que algum dia nossa utopia se tornasse global, o conceitualismo na América Latina passou por um período de crença na comunidade local, então chamada de nação, depois, esta nação calcada no seu poder de transnacionalidade teve a esperança de estabelecer-se como uma super-nação, onde a dependência daria lugar à auto-suficiência e a globalização imperial daria lugar a uma estrutura internacionalista sem regras hegemônicas. Talvez a utopia desses projetos tenha sido a condição de impedimento para o alcance dos nossos objetivos. O sonho de uma super-nação parece ter esquecido que um futuro aberto, no qual estão predestinados os países da América Latina, “recusa os produtos ultramodernos das áreas adiantadas da civilização ‘transnacional’, que de futuro só apresenta a aparência”, esta oferta de futuro “são na realidade variantes do status quo que o imperialismo trata de defender por todos os meios, inclusive a guerra” (PEDROSA, 1975, p. 336).

O conceitualismo artístico contrapôs-se à tradicional visão hegemônica, na qual a arte é, sobretudo, expressão de liberdade pessoal. Na América Latina o coletivo confrontou o individual tornando-se expressão de resistência em busca de liberdade. A arte conceitual latino-americana não se limitou na esfera artística, refletindo também as tensões sócio-políticas da região, por vezes, a necessidade de agitação tomava o lugar do desejo de criação na tentativa de alterar e afetar aquelas tensões. Luis Camnitzer (2007, p. 18) acredita que esquematicamente o artista pode ser visto “como agitador ou como construtor da cultura”, porém, dentro do pensamento artístico tradicional, os próprios artistas são “normalmente levados a acreditar que a estética da agitação está em total desacordo com a estética que corresponde a definição da cultura, mesmo no caso em que elas compartilham a mesma ideologia sócio-política”.

A agitação baseada nas tensões políticas e sociais de países periféricos deram origem àquilo que Marchán Fiz (Apud: RAMÍREZ, 1993, p. 550) chamou de Ideological Conceptualism. Este tipo de conceitualismo contraria a visão dos artistas norte-americanos e britânicos que deram origem à arte conceitual e que defendiam a eliminação do objeto como resultado artístico e a valorização da ideia ou do processo de arte questionando sua comercialização. Não que o conceitualismo latino-americano não apresentasse tais questões, mas a sua crítica era estendida àquelas questões políticas e sociais, enquanto que a arte conceitual norte-americana foi reduzida simplesmente como noção de ideia. O conceitualismo ideológico não era “uma força produtiva pura, mas sim, uma força social” (FIZ, Apud: RAMÍREZ, 1999, p. 55), visando “ativamente, transformar o mundo, através da especificidade da arte” (RAMÍREZ, 1999, p. 55). O grupo argentino Tucumán Arde, por exemplo, usou a arte como veículo de compreensão do real, substituindo a estética por uma “ação coletiva violenta”, que seria a “força geradora de novos conteúdos” (RAMÍREZ, 1999, p. 55-56).

Uma ação violenta poderia ser considerada mais que uma forma de agitação, ou muito mais do que uma simples manifestação de opinião. Em uma ação violenta está implícita a questão de construção cultural, já que possui a pretensão de afetar as maneiras de percepção através de uma mudança estrutural. É contraditório, então, afirmar que o establishment se sinta mais ameaçado pela agitação do que pela construção cultural. Na verdade, no contexto da América Latina, tanto a agitação como a elaboração de uma cultura, estão muito mais ligadas com a ideia de subversão. “Subverter uma situação significa criar uma distância perceptiva do status quo” (CAMNTZER, 2007, p.19), a subversão artística para esta geração de artistas conceituais da América Latina pode ser entendida como uma ferramenta usada para a melhoria social de um público específico. Camnitzer aposta no conceitualismo latino-americano como tática de unificação da agitação (subversiva) com a construção cultural.

A América Latina passou a fazer arte conceitual já em meados da década de 1960, especialmente na Argentina, no Brasil, no Chile e no Uruguai. Claro que não se pode negar a influência do conceitualismo norte-americano e britânico na arte conceitual latino-americana, mas, de modo geral, o que se percebe antes de tal influência, ou mesmo concomitante a ela, é um status de reação ao pensamento e modo de vida norte-americano. Vale repetir que o conceitualismo realizado na América Latina, devido: 1) ao regime político de base militar de grande parte da região; 2) a preocupação dos seus artistas com as questões sociais e 3) a sua assumida condição de periferia, apresentou um aspecto muito mais dinâmico e radical em suas realizações do que aquele realizado na América do Norte. Um afunilamento do espaço entre Primeiro e Terceiro Mundo, ou seja, entre Centro e Periferia, aqui citado como América do Norte e América Latina, procura comunicar as diferenças entre eles através da subordinação cultural e política, ou seja, das constantes relações entre modelo e cópia, novidade e adaptação, imposição e reação, assim por diante. Esta comunicação se faz necessária para que haja a abertura dos circuitos econômicos e culturais dominantes àquelas culturas menos desenvolvidas. Para os artistas conceituais da América Latina o reconhecimento da condição periférica é, geralmente, tomado como ponto de partida.

O conceitualismo latino-americano apoiou-se em duas questões fundamentais: a arte fora dos limites da esfera estética, possibilitando a relação dos artistas com problemas de ordem social e política; e a crítica às instituições artísticas tradicionais, permitindo a adequação da prática artística à precariedade de sua condição periférica, “as proposições fundamentais da arte conceitual tornaram-se elementos de estratégia para expor os limites da arte e da vida sob condições de marginalização” (RAMÍREZ, 1993, p. 554). Com estas inversões, ou autonomias, do modelo conceitual norte-americano, o caráter político foi inserido no conceitualismo da América Latina. Mesmo que não citando, diretamente, o conceitualismo, Mário Pedrosa (1975, p. 335) parece traduzir a necessidade de adequação dos países do Terceiro Mundo aos modelos das práticas artísticas dominantes quando afirma em 1975 que:

o Terceiro Mundo […] tem que construir seu próprio caminho de desenvolvimento, e forçosamente diferente do que tomou e toma o mundo dos ricos do hemisfério norte. A história cultural do Terceiro Mundo […] tem que expulsar […] a mentalidade ‘desenvolvimentista’ que é barra em que se apóia o espírito colonialista.

Uma relação paradoxal da arte conceitual latino-americana com a norte-americana é verificada na desmaterialização do objeto artístico que se estabelece como uma proposição linguística, esta relação é facilmente verificada nos Circuitos artísticos e ideológicos de Cildo Meireles, pois, com a apropriação das garrafas de Coca-Cola e das cédulas de dinheiro o artista inverte a desmaterialização do objeto em recuperação objetual sob a forma de produção de massa. Segundo Ramirez (1993, p. 554), os objetos de Cildo são “equivalentes visuais para os processos de pensamento sugeridos pelas proposições conceituais”. Neste caso não observamos a preocupação com a produção do objeto artístico em si, mas com a apropriação de objetos como estratégia de significação, em que a obra de arte transporta significados políticos em um contexto social específico. O termo desmaterialização foi cunhado pela crítica de arte norte-americana Lucy Lippard em 1967 e aparece agora completamente soldado ao conceitualismo. Primeiramente para Lippard, a ideia de desmaterialização do objeto artístico foi uma resposta à dependência do artesanato, e só posteriormente é que ela passa a politizar o conceito através da sua relação com as necessárias mudanças sociais e políticas; hoje as tendências dominantes consideram a desmaterialização mais como uma consequência do reducionismo. No conceitualismo a versão formalista da arte deixou de ser a verdadeira questão, “o objetivo passou a ser o de organizar a recepção da comunidade, que é uma questão política” (CAMNITZER, 2007, p. 20). Essa apropriação derivou de uma interpretação do legado de Duchamp que ultrapassou questões de intencionalidade e produtividade. Na América Latina, a desmaterialização não foi consequência da especulação formalista, mas veículo de expressão política, devido sua eficiência, acessibilidade e baixo custo. Houve também alguns artistas conceituais que se apropriaram de estruturas de meios de comunicação já existentes, a fim de produzir um trabalho que fizesse com que estes meios constituíssem, efetivamente, a comunicação, ou seja, a mensagem. De um modo geral, os artistas latino-americanos buscaram um sistema de comunicação alternativo e participativo ligado na legitimidade de seus contextos locais. Segundo Camnitzer (1999, p. 7), nos países do Terceiro Mundo, “embora inevitavelmente conectados ao complexo sistema de elos globais, movimentos conceitualistas foram também claramente estimulados pelas urgentes condições e histórias locais”.

A contestação de atitudes conformistas refere-se a uma outra abordagem da arte conceitual da América Latina, que deslocou a importância do objeto para a importância da participação do espectador na ação artística, objetivando que o participador recriasse seu lugar na estrutura social e política. Muitos dos artistas ou grupos latino-americanos não aceitaram o termo conceitual para seus impulsos locais que originaram suas manifestações artísticas. Hélio Oiticica (1937-1980), por exemplo, ao questionar a natureza e função do objeto artístico e reformular a questão da antiarte criou o termo nova objetividade. Na Argentina, as relações conceituais entre sujeito e objeto foram nomeadas como arte de los médios. Já na Colômbia e no México, Juan Acha cunhou o termo no-objetualismo para todas as formas de arte experimental.

Podemos concluir que o conceitualismo para os artistas da América Latina foi representado principalmente em duas questões: a da compreensão da arte como forma de conhecimento, tendo como consequência a exploração de fatores sócio-políticos e intuindo a comunicação com o público; e a da crítica às instituições tradicionais da arte e a substituição do objeto artístico pelo embasamento da arte na ideia através da elaboração de uma prática artística de teor político e não somente como veículo de análise do mercado da arte sob o domínio do capitalismo tardio.

As práticas artísticas conceituais latino-americanas foram, em geral, desenvolvidas em condições de marginalidade e repressão oficial. Se, por um lado, a arte conceitual buscou transformar a sociedade ligando-se a um projeto, ao mesmo tempo, ético, político e social, por outro, ela escapou da questão do multiculturalismo globalizado, abrindo, assim, o espaço para um engajamento no quadro particular da sociedade em que estava incluída. Então, estas práticas permaneceram como atividade marginal restrita a seus próprios países e além do conceitualismo latino-americano ter sido mal entendido pelo público, ele ainda não ingressou no mercado, o que o fez depender de uma estrutura cultural precária para sobreviver. As práticas conceituais buscaram, utopicamente, a transformação da arte a partir da intervenção política e social, do alcance de um grande público e de uma maior politização das práticas culturais. Dentro deste contexto que o conceitualismo latino-americano sempre procurou inserir suas práticas em um poder comunicacional e ideológico sem precedentes, retirando suas proposições do ostracismo que caíram as formas britânicas e norte-americanas da arte conceitual. Embora o conceitualismo latino-americano tenha se subvertido aos regimes autoritários, a sua dissolução se deu, ironicamente, em face da chegada da democracia. Este fato nos faz pensar que o caráter particular das práticas conceituais da América Latina deveu-se ao autoritarismo, já que com a vinda da democracia as investigações da arte conceitual reduziram-se largamente.

Segundo Camnitzer, os artistas latino-americanos teorizaram menos sobre arte do que sobre política, por isso foi a política que lentamente penetrou na produção artística tornando-se arte. Infelizmente ainda não existe uma interdisciplinaridade real para a arte e a política. Arte política ou política estetizada são muitas vezes entendidas como esquerdismos e nacional-socialismo, respectivamente.

 

  Notas
 

(1) A Grande Depressão foi também chamada de Crise de 1929 e caracterizada pela crise de superprodução dos Estados Unidos que se deu diante da recuperação dos países da Europa, por volta de 1928. Após a Primeira Guerra estes países passaram a exportar muitos produtos dos Estados Unidos, recuperada a Europa passou a importar menos dos EUA. Diante deste processo e a consequencia da  queda dos lucros, da contenção da produção industrial e do quase cessamento do comércio fizeram com que a bolsa de valores americana quebrasse. Na América Latina as exportações de produtos como café e trigo caíram significativamente e muitos agricultores passaram a investir na manufatura, causando a industrialização.

 

  Referências:
 

AMARAL, Aracy A. Arte da América Latina: questionamentos sobre a discriminação. 1987. In: Textos do Trópico de Capricórnio: artigos e ensaios (1980-2005) – Vol.2: Circuitos de arte na América Latina e no Brasil. São Paulo: Ed. 34, 2006.

_____. Brasil na América Latina: uma pluralidade de culturas. 1990. In: Textos do Trópico de Capricórnio: artigos e ensaios (1980-2005) – Vol.2: Circuitos de arte na América Latina e no Brasil. São Paulo: Ed. 34, 2006.

_____. História da arte moderna na América Latina (1780-1990).1996. In: Textos do Trópico de Capricórnio: artigos e ensaios (1980-2005) – Vol.2: Circuitos de arte na América Latina e no Brasil. São Paulo: Ed. 34, 2006.

CAMNITZER, Luis. Agitation or construction? In: Conceptualism in Latin American Art: Didactics of Liberation. Texas: University of Texas Press – Austin, 2007.

CAMNITZER, Luis; FARVER, Jane; WEISS, Rachel. Foreword. In: Global conceptualism: points of origin 1950s-1980s. Nova York: Queens Museum of Art, 1999.

PEDROSA, Mário. Discurso aos Tupiniquins ou Nanbás. 1975. In: ARANTES, Otília Beatriz Fiori. Políticas das artes / Mário Pedrosa. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1995.

_____. Variações sem tema ou a arte da retaguarda. 1978. In: ARANTES, Otília Beatriz Fiori. Políticas das artes / Mário Pedrosa. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1995.

RAMÍREZ, Mari Carmen. Blueprint circuits: conceptual art and politics in Latin America. 1993. In : ALBERRO, Alexander; STIMSON, Blake (org.). Conceptual art: a critical anthology. Massachusetts: MIT Press, 1999.

_____. Tactics for Thriving on Adversity : Conceptualism in Latin America, 1960-1980. In: CAMNITZER, Luis; FARVER, Jane; WEISS, Rachel. Global conceptualism: points of origin 1950s-1980s. Nova York: Queens Museum of Art, 1999.

ROLNIK, Suely. Geopolítica da cafetinagem. 2006. Disponível em: http://www.rizoma.net/interna.php?id=292&secao=artefato

 

 

Jhanainna Silva Pereira Jezzini.
Cursando mestrado em Artes Visuais pela Faculdade Santa Marcelina de São Paulo - Brasil, bolsista pelo PROSUP, especialista em História da Arte Moderna e Contemporânea pela Escola de Música e Belas Artes do Paraná. Graduada em Licenciatura em Desenho pela Escola de Música e Belas Artes do Paraná. É integrante do grupo de pesquisa “Hélio Oiticica e a arte ambiental” coordenado pela professora Doutora Lisette Lagnado.

 

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