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3. Temos sido acolhidos em vários
sítios – de Lisboa a Odivelas e a Lamego, de Guimarães a Mafra. Desta
vez a anfitriã deste encontro é a Benedita, a que chegamos pela mão da
Isabel, a mais entusiasta de nós, a mais hospitaleira, que está por trás
da organização do nosso encontro. Obrigado. Também aos companheiros de
estrada que aqui se juntaram a nós.
4. Nós vimos da guerra dos
paradigmas, “aquisições geralmente reconhecidas que, por um certo
período, fornecem um modelo de problemas e soluções aceitáveis a quem
pratica um campo de investigação” (Khun). São também promessas de
sucesso: as disciplinas “normais” são a condição fiduciária para
realizar estas promessas feitas em nome da luz (das Luzes de todos os tempos). “Siamo di fronte a un nuovo paradigma
della biologia, che no se limita a conoscere o a sfruttare la natura, ma
che passa alla logica della manipolazione totale per essere padrona di
una vida costruita dall'uomo in modo artificiale” (Roberto Colombo
Avvenire, 22.05.02). Nós vimos de um paradigma em que reina a
violência do logos sobre a phusis.
Cf.
http://www.labunt.it/ferraris.
Não mudamos de Física (forma vs
matéria). Até a Física chineza, baseada na energia, na travessia, no
sopro, no insaturado, se está a converter à Física ocidental. A
violência da publicidade, que é ainda a violência do logos, expressa
neste slogan: "I shop therefore I am" está a apoderar-se do disponível
figurativo da libido, transformando-a em pulsão, satisfação e sucesso. (J.
Cl- Coquet, Phusis et Logos,
2007, François Jullien, La grande image n'a
pas de forme, 2003; Bernard
Stiegler, 2019). O sonho da modernidade ideológica traz consigo a
violência do século XIX … A razão é a potência da interrogação e da
descoberta, mas também do “estupor” de Schelling: reconhecer os próprios
limites é o fármaco importante contra a ideologia (Bruno Forte (Arcebispo
de Chieti-Vasto, Avvenire, 22.05.02).
5. A guerra vem de longe. É
conveniente saber contra as Luzes e os valeurs universais que
regem ainda as sociedades democráticas, ergue-se, do século XVIII até
hoje, uma outra tradição. Esta modernidade quere-se alternativa e leva à
guerra graças a uma argumentação que se tornou coerente pelo facto de
que todos os seus partidários se lêem uns aos outros com atenção e
constituem o seu corpus. Taine escreve sobre Burke e Carlyle,
Meinecke sobre Burke e Herder, que, para Renan, é o «pensador-rei»,
Maistre segue Burke e é seguido por Maurras, Sorel ataca as Luzesm com
uma sanha igual à de Maurras. Ao desenvolver o pensamento de Herder,
Spengler forja o conceito da impermeabilidade das culturas; prosseguido
as análises Herder, Isaiah Berlin escreve sobre Vico com um
arrebatamento semelhante ao de Croce. Sofrendo a influência de a
Meinecke, il acrescenta na segunda metade do século XX um elo à cultura
política das anti-Luzes. Os males contra os quais combateram as Luzes
são de todas as épocas. (Cf. Zeev Sternhell, Les anti-Lumières. Une tradition du XVIIIe siècle à la
guerre froide, Collection Folio histoire (No 176) (2010),
Gallimard).
6. Interessante que um homem como Jean
Petitot, um dos maiores filósofos das ciências vivo, acabe de publicar
um livro que tem este título: Per un nuovo illuminismo. Porque é
preciso hoje um novo iluminismo para a consciência científica? Para
propor a consciência científica não só como valor cultural, mas também
como valor cívico. Um novo iluminismo é inseparável de uma filosofia
“político-civil”. A questão permance: como delinear a relação entre
saber e dever, técnica e humanismo?
7. É preciso
destronar a concepção paradigmaticamente metafísica desde Platão, a que
proclama que o espaço e a encenação são uma questão de visão, do
olho, retinal ou mental, questão de pura opticalidade, passiva,
receptiva, transparente e objectivante, opondo-lhe a alternativa da
espacialização háptica (H. Parret, «Spatialiser haptiquemente: de
Deleuze à Riegl, et de Riegl à Herder» NAS, 2010). Helène Cixoux exprime
admiravelmente o cenário em que se trava a guerra do logos: «Oui
il y a une tête qu’il faut perdre, la tête qui sait c’est-à-dire qui
croit savoir, trop vite, celle que Proust dénonce et fuit, cette tête à
intelligence qui empêche la sensation de trouver son nom et les arbres
aux tendres bras tendus en supplication de ressusciter. Car ce sont ceux
qui croient savoir qui sont les vrais crédules, les croyants, les
arrivés, les immobiles. Alors que ceux qui sont en promenade et ne
savent pas, et sont tentés par les sirènes de l’oubli et de la mémoire,
et scrutent le morceau de rideau vert tendu devant l’écran de verre
brisé en se demandant ce qui leur arrive, ceux-là approchent du point
d’apocalypse. Une ivresse leur souffle qu’elle va avoir lieu, elle va
avoir lieu... Les temps sont proches. Voici: les prisons s’écroulent.
Les grilles ouvrent grand leurs barreaux.» (Héléne Cixous,
Philippines, 2009, p. 84.).
8. O nosso planeta está sujeito não só
ao aquecimento atmosférico, mas também ao aquecimento semântico. Por
alguma razão se fala de poluição semiótica. A globalização não é
uniforme. Nos seus efeitos, sempre locais, está provocando tanta
modernidade reflexiva quantas as transformações na ecologia dos signos e
das linguagens. Paolo Fabbri fala de uma heteroglossia plural mediada
pelos mediascapes da nova tecnologia da informação. Na sociedade
do conhecimento, onde a termodinâmica da força foi substituída pela
gramática da informação, as linguagens do “multiverso semiotico” (Sloterdijk)
com os seus predicados da realidade e dos valores, as suas tácticas de
enunciação e pontos de vista, apresentam um novo papel “mediante”.
9. Vamos continuar, obstinadamente, a
pensar o discurso (logos) e as práticas, sem as guerras de
“alecrim e manjerona” que nos habituaram à mão divisão das ciências da
natureza e do espírito. Vamos continuar, obstinadamente a encontrar-nos.
Para testemunhar da força do impossível contra o necessário.
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