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Se a ciência, por um lado, o faz de forma rigorosa, através do método
científico, que é o conjunto de regras que permite desenvolver uma
experiência a fim de produzir novo conhecimento, nomeadamente através de
evidências observáveis, empíricas, mensuráveis e analisáveis com o uso
da lógica, a poesia, pelo contrário, não dispõe de um método literário,
se assim se poder dizer, que o poeta possa usar, a não ser o seu método
próprio e individual, ou seja, o conjunto de elementos que interiormente
o motivam e levam a fechar-se sobre si próprio.
(escrever serve para explicar as coisas do mundo
com as duas mãos)
No meu entender, a
poesia é a tradução de uma memória. Neste contexto, a tradução consiste
em explicar, através das palavras, uma emoção, uma imagem, uma situação,
ou alguém, individual ou colectivamente.
O conjunto de emoções,
imagens, situações e pessoas que interessam ao poeta, encontra-se na
memória, que é a "capacidade de adquirir, armazenar e recuperar (evocar)
informações disponíveis".
No entanto, a permanência
dessas emoções e o modo como elas afectam a sua vida, a nitidez dessas
imagens e o poder criativo que possam exercer sobre ele, as
características de cada uma dessas situações e a forma como são
apreendidas por ele, e a importância dessa ou dessas pessoas, assume um
carácter pessoal e único para o poeta.
Cada autor escreverá nos
seus poemas sobre as emoções que mais o inquietam ou perturbam, as
imagens que mais o seduzem ou provocam, as situações que mais o
preocupam ou lhe agradam, e a pessoa ou pessoas que possam
interessar-lhe de forma particular.
A poesia é, portanto, uma
emoção, uma imagem, uma situação, ou uma pessoa, traduzida em palavras.
Lida por todos ou por
aqueles a quem fascina, a poesia não é escrita por muitos. Descrever uma
emoção, uma imagem, uma situação, ou uma pessoa, através da narrativa e
de outros recursos linguísticos, está acessível a todos nós. Mas a
poesia é a recriação de uma realidade ou a projecção de uma ficção.
Através de palavras, fonemas e construções frásicas, o autor escreve o
que pensa e sente e sobretudo o que quer fazer pensar e sentir.
A narração não faz pensar
ou sentir da mesma forma que a poesia pode fazer, porque a mera leitura
da descrição de factos desperta quase automaticamente as imagens que os
representam.
Por outro lado, a
incompreensão que possa advir da leitura de um poema, não é a mesma que
advém da leitura de uma narrativa.
Ao depararmo-nos com uma
dúvida, por exemplo, na escrita ou no significado de uma palavra,
podemos consultar um dicionário, mas, na poesia, satisfeitas todas as
dúvidas de carácter linguístico, podem surgir outras de cariz literário.
O entendimento de um poema dependerá da emoção, imagem, situação, ou
pessoa, nele traduzidas.
Mais importante, contudo, e
porque escritas daquela maneira em particular, é o efeito sensorial que
podem ter sob o leitor. É desejável que um poema atinja os seus cinco
sentidos e desperte por essa via uma actividade neuronal que de outro
modo permaneceria intacta. A poesia é mais do que a descrição factual e
o tamanho desse "mais" é o que o autor quiser.
Ainda a propósito de
memória, gostaria de citar António Damásio, um dos neurocientistas mais
respeitados da actualidade, de 65 anos, que lecciona na Universidade do
Sul da Califórnia (Los Angeles), que considera que "Não existe memória
sem emoção". A emoção modula constantemente a forma como os dados e os
acontecimentos são armazenados na memória. Isto acontece, principalmente
em relação à memória para pessoas e para as suas qualidades ou
características.
A grande força motora da
Criatividade é a imaginação (manipulação de imagens: visuais, auditivas,
tácteis ou olfactivas), que depende das imagens captadas por um sujeito
em determinado momento, assim como das informações que foram gravadas
nos circuitos nervosos, onde, com ajuda da emoção, foram organizadas com
determinadas categorias. Um grande artista ou inventor é alguém que
consegue usar a emoção para manipular essas imagens visuais, auditivas,
tácteis ou olfactivas de modo muito rico.
A ciência prova alterações
na Memória: Pesquisadores da Universidade da Califórnia verificaram como
a destruição e produção de proteínas no interior das células nervosas
cria novas lembranças e modifica as já existentes.
A poesia é uma arte pela
qual a linguagem humana é utilizada com fins estéticos.
A poesia compreende
aspectos metafísicos (no sentido de sua imaterialidade) e da
possibilidade desses elementos transcenderem ao mundo fático. Esse é o
terreno que compete verdadeiramente ao poeta.
A poesia aparece também
identificada com a própria arte, o que tem razão de ser já que qualquer
arte é, também, uma forma de linguagem. Predominantemente oral - mesmo
quando aparece escrita, a oralidade aparece sempre como referência quase
obrigatória, aproximando muitas vezes esta arte da música.
Poesia é diferente de
poema. O Poema é a forma como está escrito e a poesia é o que dá a
emoção ao texto.
A poesia pode fazer uso da
chamada licença poética, que é a permissão para extrapolar o uso da
norma culta da língua, tomando a liberdade necessária para recorrer a
recursos como o uso de palavras de baixo-calão, desvios da norma
ortográfica que se aproximam mais da linguagem falada ou a utilização de
figuras de estilo como a hipérbole ou outras que assumem o carácter
"fingidor" da poesia, de acordo com a conhecida fórmula de Fernando
Pessoa ("O poeta é um fingidor").
A matéria-prima do poeta é
portanto a palavra e, assim como o escultor extrai a forma de um bloco,
o escritor tem liberdade para manipular as palavras, mesmo que isso
implique romper com as normas tradicionais da gramática.
Importa, por isso, fazer a devida conotação entre poesia e literatura:
Literatura significa uma instrução ou um conjunto de saberes ou
habilidades de escrever e ler bem, e se relaciona com as artes da
gramática, da retórica e da poética. Por extensão, se refere
especificamente à arte ou ofício de escrever de forma artística.
Mais produtivo do que
tentar definir Literatura talvez seja encontrar um caminho para decidir
o que torna um texto, em sentido lato, literário. A definição de
literatura está comummente associada à ideia de estética, ou melhor, da
ocorrência de algum procedimento estético. Um texto é literário,
portanto, quando consegue produzir um efeito estético e quando
proporciona uma emoção no receptor.
Vamos opor o texto
científico ao texto artístico: o texto científico emprega as palavras
sem preocupação com o efeito emocional. No texto artístico, ao
contrário, essa será a maior preocupação do artista. É óbvio que também
o escritor busca instruir, e perpassar ao leitor uma determinada ideia;
mas, diferentemente do texto científico, o texto literário une essa
instrução à necessidade estética que toda obra de arte exige.
O texto científico emprega
as palavras no seu sentido dicionarizado, denotativamente, enquanto o
texto artístico busca empregar as palavras com liberdade, preferindo o
seu sentido conotativo, figurado. O texto literário é, portanto, aquele
que pretende emocionar e que, para isso, emprega a língua com liberdade
e beleza, utilizando-se, muitas vezes, do sentido metafórico das
palavras.
É no pensamento que começa
a poesia, é no pensamento que começa a ciência. O principal veículo do
processo de conscientização é o pensamento. A actividade de pensar
confere ao homem "asas" para mover-se no mundo e "raízes" para
aprofundar-se na realidade.
Segundo Descartes (1596-1650), filósofo de grande importância na
história do pensamento, "a essência do homem é pensar". Por isso dizia:
"Sou uma coisa que pensa, isto é, que duvida, que afirma, que ignora
muitas, que ama, que odeia, que quer e não quer, que também imagina e
que sente". |