DO GOLFO DA GUINÉ Sua Magestade El-Rei, attendendo ao que lhe representou Francisco Newton: Ha por bem encarregal-o de ir á provincia de S. Thomé e Principe estudar a fauna desta provincia. Outrosim determina o Mesmo Augusto Senhor que ao mencionado Newton seja abonada a gratificação de 50$000 reis mensaes, contada desde o dia de embarque até ao desembarque do alludido explorador, em Lisboa, devendo o requerente remetter a esta secretaria d estado os productos colhidos na exploração, e á medida que fôr realisando os seus trabalhos; o que, tudo, pela referida secretaria destado dos negocios da marinha e ultramar, se communica ao governador da já indicada provincia para seu conhecimento e devidos effeitos.
Paço, em 7 de agosto de 1885 Manuel Pinheiro Chagas.[1] Estamos então a 7 de Agosto de 1885, com Pinheiro Chagas, ministro da Marinha,[2] a assinar a portaria que encarrega Newton de estudar a fauna de S.Tomé e Príncipe, ciente o ministro da sua experiência no reino animal, patente nos artigos botânicos publicados no Boletim da Sociedade Broteriana. E não só: ao explorar Moçâmedes e Huíla entre 1880 e 1883, Newton antecipara-se às proezas de Capelo e Ivens em 1884, tornando-as matéria em segunda mão. Ali em frente fica o Daomé, sobre cuja costa marítima estabelecemos protectorado, para o effeito de poder o governo cumprir as obrigações que resultam do acto geral da conferencia de Berlim de 26 de fevereiro do corrente ano, segundo Pinheiro Chagas, aprovando o procedimento do governador de S.Tomé e Príncipe ao tomar o Daomé sob a sua protecção.[3] Esta era uma das zonas mais privilegiadas para a escravatura destinada a S.Tomé e à América do Sul. Nunca nenhum naturalista tinha conseguido explorar esta bárbara e sanguinária região, onde se praticava a antropofagia, contava-se. Newton penetrou no sagrado reino do Abomey e percorreu-o em toda a sua extensão - conta-se. Ao largo fica a actual Pagalu - Ano Bom, com o ilhéu das Tartarugas, ilhota espanhola que já fora portuguesa, como Fernando Pó, hoje Bioko. Estas duas ilhas, Corisco, Elobey Chico, e Elobey Grande, mais a parte continental, Rio Muni, constituiam a Guiné Espanhola, que Newton explorou também. Mais abaixo fica algo explosivo, objecto da cobiça de uma Europa que perdera as colónias americanas, e busca agora saciar a sua fome de mercados e matérias-primas em território a esventrar - a bacia do Congo. Supondo que Newton tivesse missão para-militar a cumprir na área, para os serviços de informação da Marinha Portuguesa, de um lado as ilhas do Golfo são pontos estratégicos no Atlântico; de outro teria à sua conta a foz do Zaire. Mais importante ainda: ele cumpre a sua espantosamente longa missão na mais rica das colónias portuguesas, S. Tomé, o paraíso do cacau. Qualquer perturbação na área do Golfo podia ameaçar a soberania portuguesa sobre este diamante da Coroa. Newton mantém relação privilegiada com a Marinha de qualquer país; é um agente pago pelo Ministério da Marinha. Para viajar tanto, precisa de acesso rápido a navios, de qualquer bandeira, por isso de sinais de reconhecimento de confraria. De S.Tomé podia chegar depressa a qualquer uma das nossas colónias. Os governadores apoiam-no, mesmo o de Fernando Pó. Os governadores costumam ser oficiais da Marinha. É para MM - Ministério da Marinha - que envia o produto das suas actividades. Newton chegou a S.Tomé a 24 de Setembro de 1885, no mesmo dia em que Adolfo Frederico Moller, inspector do Jardim Botânico de Coimbra, partia, finda a sua exploração da ilha. Tem três meses para provar que é mentira a acusação feita a Bocage por Vieira, Sequeira e Bedriaga, segundo a qual as espécies publicadas por Bocage no ano seguinte, que incluiam as duas malfadadas rãs de que Newton fala, resultavam de colheitas feitas por Moller. Entre estes exemplares havia espécies novas, newtoni, veja os Resultados científicos para mais pormenores. Terem ou não terem sido coligidos por Newton os exemplares, idos para Coimbra por engano, como ele diz, é pretexto para polémica entre Bedriaga e Bocage em 1892-1893. O cerne da questão é porém o dos cágados e da cobra verde venenosa, Dendraspis, com que todos dizem confundir-se uma outra cobra verde, a inofensiva Soá-Soá, cujo nome científico (Philothamnus thomensis) aparece várias vezes estropiado, razão pela qual o assunto mais ardente da polémica é o das gralhas.[4] Do ponto de vista da História Natural, o problema vem de que animais como sapos, rãs, cobras, cágados, doninhas, etc., só existem em ilhas vulcânicas se tiverem sido introduzidos pelo homem. E neste caso não têm valor para a ciência normal. Newton não andou só por ilhas, também explorou territórios continentais. Pode ter introduzido o que muito bem entendeu. O caso da cobra verde venenosa, mais o seu habitat Uba-budo, que em crioulo significa muro de pedra[5], segundo a cabala hermética de Newton, resulta de uma série de lapsos e perdas de memória. Como tem bom coração, aconselha a não se atribuir tal habitat à mamba porque Moller ia ficar melindrado, por não conhecer o local. Seguindo os itinerários de Moller e Newton pelo mapa de Girard (1895), em que por lapso de caligrafia o Equador ficou bastante fora de sítio, vemos que Moller andou por Uba-budo. É de resto ele quem o confirma, ao escrever adiante que apanhou a cobra verde na Roça Mabudo[6]. O problema, porém, é o de que até hoje ainda mais ninguém viu serpentes do género Dendraspis em parte nenhuma de S.Tomé. Vemos é que as gralhas foram introduzidas (e no próprio museu dEl-Rei) pelos professores de Coimbra. GRALHAS Paulino de Oliveira escreve a Bocage, e no meio da carta, com outra caligrafia, a de Moller, vem a sugestão: Meu caro amº Nao me foi possivel voltar ao Muzeo e dizer lhe adeos antes de partir. Pedi hoje ao Moller a informação que me pedio - A cobra foi trazida por elle quando esteve em S.Thomé e apanhada na Roça Mabudo. Conservou a em caza juntamente com outras cobras imaginando ser exemplar duplicado. Por ultimo resolveu mandar ao Bedriaga todos os duplicados e entre elles hia a tal cobra. Vi a collecção daves dEl Rei[7] e fiquei surprehendido com differentes esp.es que suppunha não existirem em Portugal por ex[8] Newton coligiu ou não as malfadadas rãs? Olhando para a Errática, se a partir de Agosto ele viaja pela Baía de Moçâmedes, por Ano Bom, pela Ilha do Príncipe e pelo Daomé, não lhe sobrou tempo para coligir em S.Tomé. Segundo Ferreira (1895), Newton chegou em Novembro a Ano Bom, visitou a lagoa situada em um dos cumes, e também a ilha das Tartarugas. Ainda neste mês teve ocasião de ir a Ajudá e Cotonou, e desta viagem deu relação no Commercio do Porto (23 de Junho de 1885). Ferreira comenta o estilo de Newton nesse artigo, segundo o mais puro método impressionista: A sua maneira de descrever é a de um sincero e ao mesmo tempo de um forte. Lembra algum tanto as descripções de Andanson[9] na sua viagem ao Senegal. Destaca-se como neste a frescura da primeira impressão, fortemente gravada num espirito muito vivo. O Commercio do Porto do dia de S. João deste ano não publicou nenhum artigo de Newton nem nada que se pareça. De resto, se esteve no Daomé em Novembro, só com bola de cristal podia ter publicado o relato cinco meses antes. Os únicos textos publicados que conhecemos de Newton são ambos sobre o Daomé. Aquele que trata da exploração, e em termos oficiais, pois foi publicado no Boletim oficial de S. Tomé, está datado de 23 de Julho de 1886 e o seu estilo não corresponde em nada ao que sugere Bettencourt Ferreira. É uma carta bastante vaga, que refere como tipos de aves mais características do Daomé os géneros Merops, Corvus, Centropus e Tocus. Nos demais assuntos de História Natural é ainda mais vaga. Retenha-se apenas que também coligiu objectos etnográficos, as perigosas armas de guerra que encontrará especificadas nos Resultados científicos, algumas pertencendo aos papuas da Guiné Portuguesa: Alem da parte zoologica entendi approveitar as horas vagas para collecionar alguns exemplares ethnographicos, representados por specimens de tecidos, metaes, ceramica, etc.. Atribuir a outrem feitos imaginários ou alheios é comum na língua científica da Diva-garrafa, também conhecida por língua diplomática, que nem sempre tem a delicadeza dos diplomatas. Encontrámos exemplos notáveis na que trata de assuntos caboverdianos, em especial vulcanologia, remetidos para João da Silva Feijó, naturalista que no século XVIII sofreu em Cabo Verde martírios a que se dava o nome de viagens filosóficas. Cardoso Junior também atribui a Newton elementos curriculares importantes, ao incluí-lo na Bibliografia Colonial Portuguesa da sua macarrónica obra em dois volumes, como tendo publicado no Boletim da Sociedade Broteriana algo designado Ultramar Português, sem mais. Podíamos pensar: são os artigos de Júlio Henriques em que cataloga as plantas coligidas por Newton em Angola, Daomé, ilhas do Golfo, etc.. Mas justamente: Cardoso Júnior não só conhece estes artigos como aquele em que Júlio Henriques fala da exploração de Moller, referindo a seguir Quintas e Newton. Acontece porém que Cardoso Junior só menciona herborizações de Newton em S. Vicente, e só em 1881. Na terceira carta, é Newton quem diz já ter estado em Ajudá. Sim, esteve no Daomé a falar com o chacha, entre 2 e 8 de Novembro de 1885, segundo as listas de saída e entrada de pessoas nas duas ilhas, publicadas no Boletim official de S.Thomé e Príncipe, a que montei dupla e tripla vigilância ao longo dos dez anos que Newton ali passou. Necessário advertir que os frutos de tal espionagem são indigestos e pouco fiáveis: as listas de passageiros só dizem respeito aos navios que atracavam no porto da cidade de S.Tomé e no de Santo António, na Ilha do Príncipe; acontece o navio partir antes de ter chegado (talvez para se desviar da taxa portuária), como a canhoneira Nachtigal, que chega a 13 de Fevereiro de 1889 a S. Tomé e sai a 12. Desde que alguém viaje para Ajudá, a seguir perde-se-lhe o rasto. Quando Newton se lembra de sair para Fernando Pó, também é escusado esperar por ele, não volta. Quando damos por ele, no ano seguinte, está a sair de S.Tomé sem oficialmente ter regressado. De outra parte, nem todos os passageiros são identificados, às vezes diz-se apenas qual o número de cabeças transportadas na 3ª classe, o que não é impedimento para perder o nosso Eneias, que viaja em classe VIP, com o criado Mihami, ou então com os governadores. Sem o considerarmos mais nem menos verdadeiro que outras fontes, o Boletim oficial constituirá para nós um ponto de referência privilegiado para teste de outras informações - o oficial, precisamente. A observação das listas de passageiros pôs-nos à frente dos olhos o que não esperávamos - a realidade social em que Newton operou: S. Tomé já a entrar em decadência, por falta da mão-de-obra em quantidade que a escravatura legal lhe tinha oferecido no passado para a cultura do cacau. Esta foi a única das nossas colónias que, além de não ter dado prejuízo, dava sempre lucro. Por isso a palavra cacau se tornou sinónima de riqueza. Vi passar famílias respeitáveis que se faziam acompanhar de menores, filhos de pais incógnitos. Ou pessoas acompanhadas por menores, [10] sem outra indicação, o que pareceu suspeito de escravidão doméstica. Degredados também circulavam em abundância. Entre estes vimos passar o carbonário director de O Conimbricense, Joaquim Martins de Carvalho, especialista em história da tipografia, que fora espancado quase até à morte por ser um activista republicano. Os conterrâneos, daqui a uns anos, hão-de fazer uma subscrição para lhe erigir o jazigo. E vi passar ainda, ironias do destino, Newton e José de Almada Negreiros, poeta de Orpheu, futurista e tudo, criança ainda. Francisco deve ter-lhe passado a mão pelos cabelos, Almada Negreiros-pai era um dos fornecedores do Museu de Lisboa. Duas das espécies de que o administrador de concelho enviou representantes foram descobertas por Newton; uma delas, de morcego, veremos Leonardo Fea procurá-la em vão - Phyllorhina commersoni var. thomensis. Outra, de rato, igualmente raríssima - Sorex (Crocidura) thomensis. Embora não fosse um profissional, o pai do poeta conseguiu o prodígio de as encontrar. Almada, nome de guerra, título que nos pertence, não é verdade, Ernesto de Sousa? Fiquei a ver navios e estes faits divers distrairam-me do gravíssimo problema da origem geográfica e genética dos líquenes, algas, rochas, ratos e morcegos coligidos por Miss Bonde 33, do que peço desculpa. Newton não pode ter deixado de conhecer o chacha, em Ajudá não havia muito mais gente com quem falar. O chacha era uma pessoa impressionável, nesta e naquela direcção - Entre os afro-brasileiros que após a abolição da escravatura voltaram a África, conta-se um Sousa, que tomou aquele título.[11] Chegado pobre ao Daomé, enriqueceu e tornou-se pessoa influente junto do rei Adandozan. O título foi passando de uns para outros, até chegarmos ao quinto chacha, J.F. de Sousa, com o qual Newton entabulou negociações. Foi J.F. de Sousa quem manobrou os orixás no sentido de o Daomé se tornar protectorado português. Em castigo, foi preso, metido numa cuba de indigo, destruiram-lhe a casa e confiscaram-lhe os bens (Ki-Zerbo). Ora a mais comovente notícia saída nos jornais, em 1885, não foi a de Newton no dia da noite de S. João, sim esta portaria assinada por Pinheiro Chagas a 20 de Agosto: Attendendo ao que me representou o governador de S.Thomé e Principe, com fundamento no acrisolado patriotismo e relevantes serviços prestados pelo cidadão portuguez, Xaxá na cidade de Ajudá, Julião Felix de Sousa: hei por bem conceder-lhe as honras de tenente coronel de 2ª linha de Africa occidental. GRALHAS Receamos que o texto de Pinheiro Chagas esteja ligeiramente gralhado, ficámos sem saber para que exército foi o chacha nomeado e que porta larga atravessou para dispensar rito de passagem a tenente-coronel. Importa é que nos dois anos de protectorado ele recebeu mensalmente um ordenado equiparável ao de governador. Alguns destes afro-brasileiros e descendentes tornaram-se famosos pela riqueza e origem dela: escravatura e aclimatação em África de espécies americanas. É o caso também dos Bustamante, administradores da roça Rio do Ouro, que desempenharam importante papel na economia de S.Tomé, introduzindo na ilha muitas espécies de plantas brasileiras. Foi nesta roça que ficou alojado o Dr. Greeff, descobridor da nova espécie de peixe de água doce, Gobius bustamantéi, por ali andará também F. Newton, atrás do Gobius Bustamantem, do Gobius bustamanti e das malfadadas rãs de que Greeff só dera notícia vaga. Greeff, aquele senhor que, antes da descoberta dos lagartos gigantes e negros (Gallotia) das Canárias e dos lagartos gigantes de Cabo Verde (Euprepes ou Macroscincus coctei) já avisava, e de forma nada vaga, que nas Canárias viviam uns lagartos horrorosos, grandes como gatos, Euprepes coctei. Já sabemos que as Canárias tinham sido exploradas antes, e até por um naturalista de renome internacional, director do British Museum, E.J. Gray, que para cúmulo era especialista em répteis, e ninguém, nem sequer o herpetologista, se atreve a denunciar esses lagartos. Oficialmente, Newton esteve no Daomé de Janeiro a 13 de Julho de 1886, de onde regressa com o criado Mihami. Por isso, nos meses restantes, em que ficou por S.Tomé, podia ter coligido as malfadadas rãs e outros exemplares que Porto e Coimbra reclamam terem sido apanhados por Moller. Mas Newton esteve no Benim? Que Daomé é este, para Júlio Henriques lhe assinalar localidades como Passé em Dahomé e Dahomé em Bamé?[12] Henriques não escreve Dahomey, sim Dohamey. As armas de Newton vão magoar alguém, e a Henriques também lhe doía, porque Portugal já no século XVIII publicara as primeiras leis anti-esclavagistas, mas a escravatura permanecia nas plantações de cacau em S.Tomé, para onde eram levados daomeanos. O tráfico fazia-se às claras, vi passar grupos de crianças de idades compreendidas entre oito e dez anos. No Daomé, com alegação de não haver alimento para os presos, estes condenavam-se todos à morte, mas podiam ser resgatados. Isto fazia da compra um acto humanitário. É às claras, no Boletim official, que lemos dois telegramas, trocados em 1891 entre o governador de S.Tomé e Príncipe e o capitão Rolim, governador do forte de S. João Baptista de Ajudá: Governador forte portuguez Ajudá Conformidade minhas instrucções diga quantos prisioneiros, alem dos 100, estão promptos resgate boas condições serviço agricultura e quando poderei mandar buscal-os. Governador Governador S.Thomé Alem dos 100 até 500 quando quizer. Resgate o mesmo á vista em especie. Não letras nem prazo. Em officio fim do mez explicarei. Rolim Por menos do que isto, o governador Firmino da Costa pediu a exoneração e foi repreendido em portaria por Sua Majestade: tinha publicado no Boletim official telegramas sobre matéria confidencial - recusa de integrar degredados nas tropas regulares.[13] Perguntemos que interesse podia ter um governador em divulgar matéria confidencial, sujeitando-se a ser punido. Quando digo que é às claras que vemos certas notícias no Boletim official, entenda-se que alguém correu riscos enormes, para nos oferecer a nós, que lemos à distância de cem anos, as luzes necessárias. A escravatura disfarçada de acto humanitário era o único comércio do Daomé, e este comércio era o único interesse de Portugal nesse país. De qualquer modo, mal lá passámos, os franceses apropriaram-se dele logo a seguir. A luso-francofonia transparece noutras localidades daomeanas fornecidas pelo tripeiro Newton: Gebé, Passé, Apé, isto é, Je bais passer a pé. A dificuldade de transporte era grande, motivo por que a lagoa de Ano Bom também foi conhecida À pata.[14] Newton coligiu no Dahomey em 1886. Porém dá-se o caso de que neste ano esteve demasiado ocupado a apanhar moluscos em vários locais de Timor, segundo o seu amigo Augusto Nobre (1937), informação confirmada pelo CGRA[15] e vice-versa. Acrescentada ainda a viagem ao Lobango, no sul de Angola, e não falando da Ilha do Príncipe, de onde regressou em Setembro sem o ter visto entrar. O Lobango fica longe para quem está a investigar o Daomé. Para coligir em Timor, Newton só Passé em Dahomé. Em 1885, esteve. Esteve em conversações de chacha. Em 1886, passou para lhe dar os parabéns, pois em portaria assinada por Pinheiro Chagas a 13 de Janeiro, o chacha, tenente coronel honorário de 2ª linha do exército da África ocidental, tinha sido nomeado para o logar de residente-chefe no territorio do protectorado.[16] Newton teve mesmo de passar para participar ao residente-chefe que ia a Timor. Como do protectorado se pode dizer - Passé em Dahomé. E como no ano seguinte o residente-chefe foi exonerado desse cargo de chacha,[17] também ele podia dizer - Passé. Passé à La Retrete.[18] E que foi Newton fazer ao Lobango? Missão delicada e perigosa: caçar um Chamaeleo anchietae, camaleão que, antes de seduzido por Anchieta, pertencia à ala virgem dos Chamaeleo dilepis. @ Segundo as cartas, Newton não sai daquela área restrita do Golfo, e farta-se de enviar exemplares e de estar doente. Em 1887 explora a Ilha do Príncipe, onde já tinha estado quatro vezes, mas nunca na célebre localidade Ó que S. João,[19] embora nem baptista nem evangelista. É um ano científico e trabalhador, distribuído pelas duas ilhas, sem sobressaltos, a não ser o seu próprio lapsus calami, a garantir que chegou ao Príncipe a 5 de Junho, no Cazengo, quando oficialmente só o fez vinte dias depois, e a não ser também a estabilizadora informação de Ferreira, segundo a qual, em 1887, Newton viajou pela costa de África, desde o cabo de S. Paulo (Gana) a Ajudá, aqui tendo ficado uns tempos antes de voltar a S.Tomé. Foi então em 87 que explorou a Fortaleza da Mina e o Daomé. Se quisermos saber qual a origem dos exemplares daomeanos de 1885-1886, o melhor é perguntar ao chacha. A respeito das plantas não me sei pronunciar. Já da cosmopolita osga Hemidactylus brooki, apanhada em Ajudá, direi que é a mais vulgar da Índia.[20] O incidente mais grave de 1888 foi a queda do cavalo, que nos obrigou a reorganizar as cartas, pois por outras lógicas ele não teria caído neste ano. Porém, sem o arranjo, Newton estaria a sofrer da queda da cabala[21] anos depois de se ter restabelecido. Dá-se o nome de cavalo à árvore que serve de suporte a uma enxertia de outra espécie vegetal. Nada leva a pensar que tenha saído de S.Tomé, excepto as cartas que lhe não puderam ser entregues, entre elas uma multada, a sua própria informação de que foi a Ajudá, e notícias erróneas, segundo as quais esteve no Príncipe este ano, controladíssimo de Janeiro a Dezembro. Por muito importante que seja para a botânica a declaração de Gossweiler, confirmada por Henriques (1889b), de que Newton explorou a Ilha do Príncipe, onde coligiu exemplares de uma nova espécie de planta para a ciência, Dedalea Newtoni, nós não a confirmamos. Oficialmente, Newton saiu em Março para Ajudá e não regressou. Facto a registar, pela importância económica de que se revestiu para o explorador, um aumento de ordenado.[22] @ 1889 é um ano tão pacato como o anterior. Tirando o Ultimato, não paira no céu uma única ave de mau agouro: cartas e outras fontes fidedignas asseguram que Newton não saiu de S.Tomé. Há só um erro insignificante a macular o ano: Bocage e Osório garantem que ele esteve na Ilha do Príncipe, e é verdade. Mas em Mai estava em S.Thomé, o que é arte de música, e em Maï na Praia Salgada e no Rio dos Papagaios, no Príncipe, o que já é cabala fonética - língua dos papagaios. Oficialmente, em Abril foi para Fernando Pó, bem esperei por ele no cais, mas nem disfarçado de Mata Hari o vi regressar. Afora isto, para ir ao Príncipe precisava de passaporte, que oficialmente lhe não foi passado em S.Tomé; em contrapartida, teve direito a dois vistos para regressar do Príncipe, em Julho, um na Ambaca e outro na Mandovy, o que prova que a sua ubiquidade é oficial. 1890 é um ano tão pouco ruidoso como o do Ultimato. Newton prosseguiu na exploração de S.Tomé, ilhéus das Rolas, das Rolhas e das Relas, com umas escapadas ao Príncipe, com o criado, Manuel da Boa Morte, governador e família. Houve imensa confusão outra vez com a Ambaca e a Mandovy, mas não há dúvida de que não saiu desta estável área geológica, que agora tem mais duas ilhas do que consta nos mapas. Newton é um íntimo dos governadores Rodrigues Sarmento e Firmino José da Costa, não consigo é descobrir por que motivo as canhoneiras ficam sempre transtornadas quando os levam a passear. @ Com tudo isto, Newton já passou cinco anos em S.Tomé, fora os antecedentes, e não se entende bem porquê. Ficará dez anos a explorar um cisco de terra, quando dez anos foi o tempo que durou a exploração dos naturalistas do século XVIII em regiões imensas como o Brasil, Angola e Moçambique. A ilha já está explorada de norte a sul e de este a oeste, sem contar com os novos ilhéus entretanto emersos do fundo das águas, onde há pelo menos uma espécie nova para a ciência, a famosa Sphyraena Bocagei, descrita por Baltasar Osório com os exemplares que Newton descobriu no Ilhéu das Rolhas[23]. Em 1891, ano da revolução do Porto, manteve-se calma a situação, excepto que Newton coligiu em Malange (em Iogo-Iogo, S.Tomé), na Ilha do Príncipe, em Cabo Verde e em Angola, onde além do Lobango existe Malange, que podia ter visitado, mas o que visitou foi Malange de S.Tomé. De Cabo Verde enviou rãs, seres que a ciência ainda não sabe que lá vivem - ou viveram.[24] Afora isso, importante é o facto de uma vez em anos, ou na vida, a Talisman entrar no porto de S.Tomé, dizendo Newton que recebera instruções do comandante, o que é provável. Já é inadmissível que a Talisman[25] tenha ido a Ponta Figo. Na data em que Newton escreve de Ponta Figo, estava ele no porto de S.Tomé, a gozar Miss Ale com o comandante Marques, no bar da Talisman. Estes problemas são ociosos. Saber onde estava o explorador zoológico e botânico em certas alturas é curiosidade, e a curiosidade só abala os trabalhos e as espécies mencionados nos Resultados científicos, o que não é motivo para alarme. Ocupemo-nos por isso do Manel, que sempre é um tipo agradável. Em Dezembro, Newton vai a Ajudá de propósito deixá-lo, mas verifica-se este fenómeno de biotecnologia, o rapaz entretanto mutou, já não é o Manuel de Boa Morte, sim o Manuel de Boa Esperança.[26] Deve ter viajado incógnito para Timor ou Lobango, pois não o vi regressar como Manel. Excepto gralhas tão pouco palradoras como estas, nada há de discrepante nos seus movimentos. Só temos cartas a partir de Maio, aceitemos que houve tempo para nos primeiros quatro meses do ano ir a Cabo Verde, descer, penetrar no interior de Angola até ao Lobango - ou Sá da Bandeira[27], a colónia fundada na Huíla por madeirenses - e regressar à base. E que foi ele fazer ao Lobango? Missão delicada e perigosa - caçar outra vez o camaleão de 1886, que entretanto involuira para a primitiva forma de Chamaeleo dilepis.[28] Exactamente como o Manoel. @ Em 1892 o que há de mais interessante não é a conferência de Newton no Ateneu Comercial do Porto acerca do comércio no Daomé, nem a informação de Gossweiler, ruído que qualquer um comete, segundo o qual saira uma portaria a nomeá-lo para a exploração de Angola, sim a exploração de Ano Bom, onde existe a lagoa À pata, como crocita Girard. O nosso herói, segundo Baltasar Osório, em Ano Bom explorou Santo António, S. Pedro, o Rio S. João, o Fleuve Saint Pierre e o Fleuve Saint Jean, o que soma três santos e com a sua ajuda três rios, mas ainda faltam dez para os treze que Newton ali descobriu, à revelia do capitão Bottler, que só registara uma ribeira. Muito extraordinariamente, Exell (1944), o conhecido botânico do British Museum, ignora que Newton tenha estado em Ano Bom, ignora que havia plantas de Newton no Herbário do Jardim Botânico de Lisboa (LISU), apesar de o seu trabalho incluir o LISU, onde nós encontrámos plantas com anotações de Exell. Das colheitas de Newton, Exell só regista plantas do Príncipe (Oquê Nazareth, Oquê S. João, Sundí, Birimbau, Oquê Gaspar, S. António, Infante D. Henrique) e de S. Tomé (Angolares, Binda, S. Miguel, Pico Quingómbó, Diogo Nunes) conservadas nos herbários de Coimbra, Kew, British Museum, Paris e Berlim. No aditamento (Exell, 1956), já passa a ver plantas da colecção de Newton de Ano Bom, mas só as que Sobrinho lhe enviara. Sobrinho não lhe enviou a figueira arrependida (Ficus repens) de ser figueira, a arrastar pelo chão os cabelos de aboboreira. O ano de 1893 é calmo, nem um corvídeo ensombra os céus equatoriais. Nevvton, ajudado pelo seu mutante criado, que agora é de novo Manuel de Boa Morte, continua a explorar o Lac À pata, de onde temos ainda hoje belos exemplares de herbário, e S.Tomé que, ao fim de 8 anos de intensa e extensa prospecção, já não deve oferecer mais nada de novo, apesar de Júlio Henriques nos contrariar. Este botânico eminente, que tanto contribuiu para promover o explorador, antes de ele ter explorado nada, vem dizer em 1917: É bem de crer que uma exploração bem feita de S. Thomé dará maior número de representantes do reino animal, atendendo a que uma grande parte da ilha está por explorar. Todos os terrenos altos para sul do Pico compreendendo o Pico de Ana de Chaves e o Cambombey estão ainda não estudados. Refinada mentira. Dez anos consecutivos e sem interrupção passou F. Newton em S.Tomé, as cartas são fonte primária de absoluta confiança, ele subiu ao Pico Cabombé em Junho de 1891, passou 16 dias no interior, fez uma exploração completa e bem feita da ilha, de todos os ilhéus e inclusivamente da Ponte-que-Deus-fez[29], nicho ecológico de raríssimos e preciosos morcegos. Dez anos numa ilha que outros exploram em meses, e em 1917 ainda não estava explorada. Há aqui gritante lapsus cála-ti por parte de Júlio Henriques, que já nem se lembra de quando esteve Newton em S.Tomé, a menos que declare ter sido só em 1885: O conhecimento exacto dos animais que na ilha vivem assim como no vizinho ilheu das Rolas é devido às explorações de C. Weiss em 1847, e muito especialmente às do Dr. Greeff em 1884 e dos Srs. A. Moller em 1885, Francisco Quintas e Francisco Newton, e últimamente dos naturalistas franceses Ch. Gravier e A. Chevalier. Entre dezenas de gralhas, ou mais propriamente corvos, que este artigo apresenta, há duas que me surpreendem. A primeira figura na transcrição: julgava eu que Francisco Joaquim Dias Quintas, morador em S.Tomé, onde era regedor da freguesia de Santa Maria Madalena, tinha acompanhado Moller em 1885, e depois ficara encarregado de completar ele a exploração da ilha para o Museu e Jardim Botânico de Coimbra.[30] Se Quintas morava em S.Tomé, necessariamente conhecia Newton, mas nunca ninguém os tinha emparelhado como faz agora Júlio Henriques. Newton fala de Quintas nas cartas? Mas quem lhas punha no correio, enquanto ele ia a Timor ou ao Lobango disfarçado de Chamaeleo newtoni? Quem plantou o cacau em Ano Bom pelo menos três anos antes de 1893, para neste ano Newton dizer que tinha produzido bem?[31] Entre outras, viveram três pessoas em S.Tomé mais directamente ligadas à exploração científica, susceptíveis de darem cobertura a Newton: Quintas, o farmacêutico Agostinho Sisenando Marques, que fora sub-chefe da expedição ao Muata-Yamvo[32] e se desloca entre Angola e S.Tomé, e António Lopo de Almada Negreiros. A outra gralha interessante vem numa referência bibliográfica: Bocage, dr. J.V. der.[33] Antes do Ultimato, Bocage negociara secretamente com os alemães o apoio destes à soberania portuguesa nas zonas do mapa-cor-de-rosa, mas os ingleses tiveram conhecimento dos secretos acordos que Portugal fez sem os consultar e dispensando o seu apoio de eternos aliados (Calvet de Magalhães). De acordo com a informação prestada por Júlio Henriques, a exploração de S.Tomé não estava completa em 1917; Newton e Quintas formaram dupla pelo menos até 1889[34]; não se sabe quando explorou Newton S.Tomé. Frade informa que esteve em S. Tomé de 1885 a 1888. Não espanta, o coronel Cardoso Júnior, naturalista e farmacêutico em Cabo Verde quando Newton explorou o arquipélago, e que portanto o conhecia pessoalmente, só reconhece a Newton uma exploração, a de 1881 em S. Vicente. Mas transcreve na íntegra - sem um comentário, a título apenas de recolha de utilidades médico-farmacêuticas - a história dos dromedários e da abada de Brochado. Os cornos de rinoceronte, como é do conhecimento geral, têm poderosos efeitos afrodisíacos. Dos do camelo da Arábia fico impotente para me pronunciar. Em Janeiro de 1893 diz Newton que foi a Angola, o que é verdade: a Errática confirma-o e até especifica o local, nas cercanias de Luanda: Cassoneca. Em Cassoneca não parou para dormir nem descansar, sim para cumprir a missão de capturar um lagarto da ordinária espécie Mabuya maculilabris, prima do lagarto gigante de Cabo Verde. Também foi a Ano Bom com o súbdito britânico Gerhardt Ludwig Lutterodt. Vindo de passagem a S.Tomé, Lutterodt afinal estabeleceu-se na cidade com a família, que incluía esposa de nome português e um primo Abraham. Lutterodt era um fotógrafo especializado em vistas e roças - exteriores.[35] Para que foram eles fotografar Ano Bom e porque é que o especialista falhou na sua especialidade? Terá passado pela cabeça de alguém usar a ilha como base de ataque ao Congo não-português? 1894 seria um ano completamente monótono, nem uma gralha abriria o bico nos textos equatoriais, se não fosse dar-se o caso de S.Tomé estar em pé de guerra, por causa dos excessivos impostos e outras impropriedades cometidas pelo governador, que assim teve de ser deslocado para Angola, antes que a população ousasse algum grave erro de ortografia. Com efeito, lemos no prestigioso diário de Bento Carqueja duas notícias inquietadoras, a primeira das quais estabelece uma singular isotopia de sentido com as luzes de bengala da expedição de Newton ao Pico de Clarence, como o leitor apreciará de seguida: S.Thomé, 23 de novembro. - No dia 15 do corrente seguiu para Loanda, a tomar conta interinamente do governo geral dAngola, o governador desta provincia, snr. Francisco Eugenio Pereira de Miranda, vindo expressamente buscar s. excª a canhoneira Douro, ficando o governo da provincia entregue ao novo secretario geral, snr. Joaquim José Duarte Guimarães. Grande parte da população da ilha estava pouco satisfeita com a administração de s. excª, e foi bem manifesto este desgosto quando s. excª embarcou para bordo da canhoneira. Dias antes da partida do snr. Governador, alguem, de bom ou mau gôsto, lembrou-se uma noute de deitar foguetes sem a competente licença. A casa dessa pessoa foi cercada pela policia, como vimos pela manhã, sendo dada ordem de prisão contra o inquilino para quando sahisse de casa, mas ás 11 horas foi sustada essa ordem. Nessa noute, porém, subiram ao ar, e em diversos pontos da cidade, alguns foguetes; foi o sufficiente para a policia andar numa correria, que muito divertiu os indifferentes, prendendo arbitrariamente quem ella queria, bastando só suspeitar que tivesse lançado foguetes, e foi tal o excesso de zêlo policial, que chegaram a arrombar, ás 8 horas da noute, o portão de um predio dos snrs. Jacob Levy Azanot & C.ª, prendendo dentro do quintal um dos empregados a quem maltrataram, não sendo respeitada a inviolabilidade do domicilio indicada na Carta Constitucional. Por este motivo foi levantado o competente auto de corpo de delicto, correndo o respectivo processo. Parecia que estavamos em estado de sitio.[36] A segunda notícia, por nazarena coincidência assinada por J.C., embora não precisássemos dela para saber que Newton nada teve a ver com o assunto da primeira, incapaz como era desse subversivo foguetório, fornece-lhe o mais perfeito alibi, e confirma sem margem para dúvidas que na data indicada ele não estava em Timor: - Chegou hoje do Principe, no vapor Zaire, o nosso amigo e habil explorador zoologico snr. Francisco Newton, seguindo para Fernando Pó, e continuando os seus trabalhos zoologicos. [37] [1] Bol. Off. S. Tomé, 3 de Outubro de 1885. [2] Pinheiro Chagas tomou posse do cargo no governo de Fontes Pereira de Melo, em Outubro de 1883, sucedendo no lugar a J.V. Barboza du Bocage, que na mesma altura recebe a pasta dos Negócios Estrangeiros. Hintze Ribeiro, a que Newton alude nas cartas, neste governo é nomeado ministro da Fazenda. [3] Diário do Governo, 29 de Dezembro de 1885. [4] Bedriaga (1893b), que de facto comete as gralhas mencionadas, mente em relação às de Bocage: Et mon illustre adversaire a eu tort de me reprocher davoir mis dans le mot PHILOTHAMNUS à trois reprises un y et à deux reprises un i; il a grandement tort, en me le reprochant, décrire lui-même: PHTLOTHAMNUS!! Em Bocage não se estropia o nome da cobra, sim o do cágado, Sternotherus Derbianus, que aparece como Stérnothaérus Bérbianus. [5] A expressão uba-budo significa por cima da pedra, ubua-budo é que quer dizer muro de pedra (Inocência Mata, comunicação pessoal). Newton marca a sua presença como construtor de muros - liberi muratori são os pedreiros livres ou franco-maçons. P.S. De Angus Gascoigne recebi no dia 19.12.2000 o seguinte e-mail: Ola Estela [7] O Museu dEl-Rei era o de D. Pedro V e tinha sido doado ao Museu de Lisboa, juntamente com o conservador, José Augusto de Sousa, ornitólogo, que publicou catálogos das aves coligidas por Newton. Pelos vistos, a representar aves de Portugal havia exemplares de faunas exóticas. Uma delas era decerto a Certhilauda duponti, que viera da Quinta do Infantado, em Alfeite, propriedade real que se tornou símbolo das guerras entre saldanhistas e cabralistas. Estava arrendada ao Marquês de Tomar, Costa Cabral. A última intervenção deste no Parlamento, dois dias antes de Saldanha tomar o poder, fora acerca desse arrendamento. J. A. de Sousa foi de propósito à Quinta do Alfeite logo que o guarda da quinta o alertou. Coligiu três calhandras, duas a 6 de Outubro de 1886 e a terceira a 5 de janeiro de 1887. Estes três únicos indivíduos serão objecto de paródia pelos ornitólogos, ao dizerem que tinham sido sido coligidos em Junho, Julho, Setembro, Outubro e Dezembro. Portanto não era só no museu, mas também nas propriedades reais que se depositavam exemplares de espécies que ainda não voltaram a ser vistos em Portugal. O mesmo se diga das revistas do governo, em que se adverte que há dromedários e abadas carnívoras no Cunene. Em Espanha, sim, há populações desta ave norte-africana, hoje chamada Chersophilus d. duponti. [8] Carta de Manuel Paulino de Oliveira para Bocage, Coimbra, 31 de Março, sem ano. Arquivo histórico do Museu Bocage, CN/O-7. [9] Adanson andou, talvez ao encontro de Anderson. [10] Sisenando Marques, em Abril de 1888, fazia-se acompanhar por Seladino e Zenobia, de 9 anos. João e Manuel da Penha Mystica e Miguel da Penha Mystica Xavier transitam regularmente entre as ilhas, transportando menores. [11] Nos Annaes do Conselho Ultramarino, I, 1854, vem parte da história dos Sousa e rol do que o Daomé produzia. [12] Dahomé embaumé - Newton não foi só o primeiro naturalista a coligir no Daomé, ele embalsamou-o e remeteu o país inteiro para o Ministério da Marinha. [13] Suplemento ao nº 19, 1891. [14] Lagoa Ápata. [15] Arquivo histórico do Museu Bocage, Rem.-247. [16] Diário do Governo, 21 de Janeiro de 1885. Além do vencimento como tenente-coronel, o chacha recebia a gratificação de 720$00 réis como residente-chefe. O governador geral de Angola vencia 4.500$00 réis (Diário do Governo, 7 de Janeiro de 1886). [17] J.F. de Sousa foi exonerado a 31 de Dezembro de 1887 por Henrique de Macedo. [18] Da palavra francesa retraite provém a portuguesa, significando retiro, a parte mais recatada da casa. Não confundir retrete com reforma neste exemplo de cabala fonética. [19] Óque S. João. Certos rituais maçónicos realizam-se com a Bíblia aberta no Apocalipse de S. João. [20] Também existe em várias ilhas de Cabo Verde e na costa ocidental africana, onde é mais conhecida como subespécie - H. brooki angulatus, originariamente descrita por Gray (1845) com exemplares de Bornéu, de onde não se conhece ainda. Como a Tarentola gigas ou Tarentola borneensis, a osga gigante que Newton vai descobrir em ilhas de Cabo Verde (S. Nicolau e ilhéu Rombo) de onde era desconhecida até aos nossos dias. Também foi descrita por Gray com exemplares de Bornéu, e em Bornéu ainda não apareceu tal osga, de maneira que a etiqueta do exemplar tipo de Tarentola borneensis Gray, 1845, conservado no British Museum, foi considerada trocada (Schleich). [21] Na língua dos pássaros, cabala vem de cavalo. [22] Newton passa a receber, além do vencimento, uma gratificação de 15$000 réis (quinze mil réis) mensaes, todas as vezes que este naturalista tiver de proceder a digressões scientificas fóra da capital dessa provincia (Bol. Off. S. Thomé, 2 de Junho de 1888). [23] O Ilhéu das Rolas fica a sul de S. Tomé e os outros não existem, estamos sempre face à cabala fonética ou diva-garrafa. Este exemplo é muito curioso porque irradia sentidos em várias direcções. As rolhas são uma sátira à censura e ao mesmo tempo apontam para si mesmas, enquanto marcas da deusa-garrafa. As relas remetem não só para as rãs como para as matracas, usadas na procissão nocturna da Paixão. Ficam aliados num mesmo grupo de signos o pathos e a paródia, as duas faces da gaia ciência de Nietzsche. [24] Apesar de fontes antigas referirem a presença de sapos em Cabo Verde, os Bufo regularis só foram integrados na sua fauna hoje em dia (Schleich). Os cágados híbridos (Pelusios subniger derbianus) do ilhéu de Santa Maria, em frente da cidade da Praia, os mesmos que entretanto foram descobertos em S.Tomé, após um século de ausência, nunca ninguém os coligiu, salvo Leonardo Fea. Os cágados são animais de água doce e no ilhéu de Santa Maria, desértico, só há espaço para lá ter existido uma leprosaria e um depósito de carvão. [25] As campanhas oceanográficas do Travailleur (1880, 1881, 1882) e da Talisman (1883) tiveram como chefe científico A. Milne-Edwards. Foram dragadas áreas da Macaronésia - Madeira, Açores, Canárias, Cabo Verde - e costa africana adjacente, de Marrocos ao Senegal. Segundo França (1908), Milne-Edwards arriscou a vida para coligir Macroscincus coctei, o lagarto-pássaro-mamífero-lesma (no Ilhéu Branco), em Cabo Verde. A Talisman a que Newton se refere, comandada por Marques, era uma corveta de guerra francesa, de 1500 metros cúbicos. Entrou no porto de S. Tomé a 22 de Junho de 1891, vinda do Gabão, 24 horas de viagem, com 189 praças de guarnição. Saiu a 25 para o Gabão novamente. É natural que seja o navio em que decorreram as campanhas oceanográficas. [26] No Boletim oficial de S. Tomé deparei com uma nota a solicitar aos herdeiros de Teodora de Boa Morte que tomassem conta dos seus haveres. Não me passou sob os olhos ninguém chamado Boa Esperança. [27] Sá da Bandeira promulgou leis anti-esclavagistas que não foram obedecidas. [28] Chamaeleo anchietae não sobrevive como espécie válida nos catálogos da fauna de répteis. Ch. dilepis é o mais vulgar camaleão africano. A tendência dos híbridos é para regressarem à forma de uma das espécies parentais. [29] Nos catálogos de colheitas de Newton, aparece a Ponte-que-Deus-fez como local de colheita. Não se trata de um topónimo, sim de um substantivo comum, por isso não tem valor geográfico. As pontes-que-Deus-fez são arcos escavados na rocha pelas ribeiras e há vários em S. Tomé. Pena ter desaparecido a fotografia que diz ter tirado junto dela. [30] Carta de Adolpho Frederico Moller, declarando entregar o material de exploração a Francisco Dias Quintas, bem como o encargo de a continuar, publicada no Bol. Off. S. Tomé, 19 de Setembro de 1885. [31] Agradecemos este esclarecimento agrícola a um especialista do cacau e sua história, Basile Bartley. [32] Sisenando Marques saiu de S. Tomé em Outubro de 1894, reformado como farmacêutico. O chefe da expedição ao Muata-Yamvo era o capitão Henrique de Carvalho. Esta expedição à Lunda, que passou por terras dos jingas, verificou-se em 1884-1888 e restam dela relatos quer do capitão Henrique de Carvalho quer do major Sisenando Marques, que em S. Tomé tinha também a seu cargo as observações meteorológicas. Foram observações climatéricas que fez na viagem, bem como colheita de plantas, animais e exemplares mineralógicos, remetidos a Bocage, ao Conde de Ficalho (Jardim Botânico de Lisboa) e Júlio Henriques (Jardim Botânico de Coimbra). [33] O der não é a única gralha. A forma correcta seria: Bocage, dr. J.V. Barboza du. [34] Quintas foi exonerado por motivo de doença a 23 de Agosto de 1889, e neste mês parte para a metrópole. [35] Publicidade no Bol. Off. S. Thomé de 19 de Março de 1895. A Angus Gascoigne agradecemos a informação sobre os Lutterodt recebida por email: Hi EstelaJust a snippet that I thought you might be interested in. In middle of 1893 according to his letters Newton made a one day visit to Annobon accompanying an English photographer named Lutterodt. This would appear to be Gerhardt L. Lutterodt who was based in Accra, Ghana and started work as an itinerant photographer between Freetown and Douala in 1870, or his nephew Freddy R. C. Lutterodt (1871-1937) who opened the Duala Studio in Accra in 1889. Gerhardt also had a son, Erick P. (1884-1959) who opened the Accra Studio in 1904. All three were pioneers of African photography - see http://www.revuenoire.com/anglais/book/GrandsLivres/AnthoPhoto/GL-anthophoto10.html Best wishes Angus [36] Commercio do Porto, 14 de Dezembro de 1894. [37] Commercio do Porto, 14 de Dezembro de 1894. |