MAJOR MIGUEL GARCIA

TIPOLOGIAS DE GUERRA
Francisco Proença Garcia

 

“Talvez a Guerra não vos interesse, mas a Guerra interessa-se por vós”.
Trotsky

 
Introdução
 

Este ensaio está organizado em quatro partes distintas mas interrelacionadas, iniciando-se com uma breve descrição dos estudos sobre a guerra como fenómeno cientifico passando depois para um enunciar de situações de violência global permanente ao longo de todo o século XX. Em terceiro lugar descrevemos as tipologias e o espectro da guerra à luz dos conceitos tradicionais adoptados nas escolas militares nacionais, e por fim enunciamos apenas mais algumas tipologias não abrangidas naquele espectro e que hoje estão mais em voga.

 
O estudo da guerra como método científico
 

Desde o início dos tempos que ocorreram guerras em todas as partes do mundo. Este tema que inspirou a literatura, a arte e a música tem sido uma preocupação de longa data também entre os historiadores, analistas, políticos e militares.

A Arte da Guerra de Sun Tzu, constitui o mais antigo tratado da guerra de que se tem conhecimento. Esta obra permanece actualizada, pois neste iniciar de século e de milénio onde impera a tecnologia, inúmeros conflitos se disputaram/disputam baseados em técnicas muito simples perfeitamente decalcados dos ensinamentos de Sun Tzu enunciados 500 anos a.C. (1).

Podemos considerar que o estudo da guerra com método científico surge apenas no século XIX. Os esforços pioneiros de Ivan Bloch (2) no final daquele século, e de Pitirim Sorokim (3) e Quincy Wright (4) já na primeira metade do século XX, ajudaram a efectuar a transição das promessas de Condorcet e de Buckle, para o movimento de investigação científica da paz marcado pela obra de David Singer Quantitative International Politics: Insights and evidence (5).

A abordagem estatística da guerra, serve sobretudo para a criação de modelos de análise que ajudem a compreender o fenómeno que se apresenta como a manifestação da violência em cada época histórica que também é determinada pela organização social e respectiva base técnica.

David Singer e Melvin Small (6), numa das mais completas tentativas de reunião de dados entre 1816 e 1965, concluem: Nos anos considerados, 60% das guerras entre Estados envolveram pelo menos um grande poder.

Jack Levy (7) em 1983 também efectuou estudos semelhantes e começou por definir grande poder (com dificuldades, dada a multiplicidade de abordagens possíveis) e enumerou as guerras em que os grandes poderes participaram. Uma vez aceite o seu critério, apesar de tudo, obtém-se uma base minimamente sólida para reunir dados estatísticos.

No estudo de Jack Levy, os dados abarcam as guerras que provocam mais de mil mortos militares em combate, sendo também só consideradas as guerras que têm implicações nas áreas metropolitanas, excluindo os conflitos coloniais. Este autor procura elaborar um padrão para um tipo particular de conflitos essenciais a fim de se compreender o sistema dos grandes poderes.

Desde 1495 até 1974, por cada época histórica, Jack Levy identifica pelo menos 4 e no máximo 8 grandes poderes. Com o seu critério detecta 119 guerras, onde se envolveu pelo menos um dos grandes poderes. De entre elas destacam-se a guerra dos 30 anos, Sucessão de Espanha e da Áustria, a guerra dos 7 anos, as guerras napoleónicas e as duas Grandes Guerras.

Tendo como índices de medida a magnitude, a severidade e a intensidade (8) desses mesmos conflitos, Jack Levy concluiu que em mais de metade dos anos registou-se, pelo menos, uma guerra que envolvia um dos grandes poderes – ou seja, trata-se de um fenómeno normal e frequente. Durante estes 5 séculos, a média de baixas militares só neste tipo de guerras foi de 6500 mortos por ano.

Se a análise for efectuada tendo em consideração apenas o critério da severidade das guerras, detecta-se um padrão muito diferente dos conflitos em cada período histórico.

Entre 1700 e 1815, os períodos de paz são raros e curtos, duram no máximo 5 anos, sendo registados conflitos em três quartas partes daquele período temporal, marcado pela luta pela hegemonia global entre a França e a Inglaterra. São 4 os grandes conflitos que se destacam com baixas superiores a 100 mil (guerra dos 7 anos – 992 mil), terminando o período com as guerras napoleónicas, as mais intensas até então, provocando 2,5 milhões de baixas militares em 23 anos.

Daniel Geller e David Singer surgem-nos em 1998 com um detalhado estudo intitulado Nations at War – A Scientific Study of International Conflict (9). Neste estudo os autores procuram uma explicação para a guerra na política internacional apoiada em bases de dados elaboradas a partir de estudos empíricos. O objectivo que presidiu a esta obra, foi o de gerar uma série de leis e probabilidades desenhadas a partir de regularidades empíricas consistentes e em múltiplos níveis de análise. A investigação é centrada a quatro níveis de análise: o Estado, relação dual de Estados que entram em conflito, as regiões e o sistema internacional, sendo ainda analisados os modelos de decisão (racional e irracional).

 
 

(1) TZU, Sun, A Arte da Guerra, Lisboa, Editorial Futura, 1974.

(2) BLOCH, Ivan, The future of war, New York , Doubleday and McClure, 1998.

(3) SOROKIM, Pitirim , Social and cultural Dynamics: Fluctuations of social relationships, War, and Revolution, (Vol. 3). New York , American Books, 1937.

(4) WRIGHT, Quincy, A study of war, Chicago, University of Chicago, 1942.

(5) SINGER, David, Quantitative International Politics: Insights and evidence, New York, The free press 1968.

(6) SINGER, David e SMALL, Melvin, The Wages of War 1816-196, New York, 1972.

(7) LEVY, Jack, War in the Great Power System, 1495 – 1975, The University of Kentucky , 1983.

(8) Idem, Size and Stability in the modern Great Power System. International Interactions 11, pp. 341-358.

(9) GELLER, Daniel e SINGER, David N ations at War – A Scientific Study of International Conflict . Cambridge, Cambridge University Press, 1998.