A PRESENÇA PORTUGUESA EM TIMOR LOROSA'E (1)

Introdução

Este artigo resulta da evolução de um ensaio prévio intitulado “Timor Lorosa´e – um ensaio”. Com ele pensamos traçar um quadro genérico do Timor actual e da presença militar portuguesa no território. Iniciamos com uma breve descrição geográfica do território, passando depois para uma análise histórica do como os portugueses chegaram, impuseram e mantiveram a sua soberania até à sua retirada em 1975, abordando ainda o período de guerra civil e a ocupação indonésia, para posteriormente se descrever sumariamente a instalação de um protectorado das Nações Unidas no território.

Para uma melhor compreensão da situação social e política actual daquele futuro país pensámos ser útil fazermos uma abordagem à composição da sociedade local, de quais os povos, as suas tradições, a sua religiosidade tradicional, o processo de aculturação do catolicismo e a criação de uma identidade timorense.

Por último, descrevemos qual o papel do Contingente Militar Português naquelas paragens.

1. Enquadramento geográfico do território

O então Capitão Miguel Garcia ( à esquerda) no ponto mais alto de Timor

Situada na vasta zona da Insulíndia, a ilha de Timor, com um comprimento de cerca de 470 quilómetros e 100 quilómetros de largura compreende uma superfície total de 32300 quilómetros quadrados. A Sul liga-se à Austrália através do mar de Timor, a noroeste, pelo mar de Savu distancia-se das ilhas de Sumba, Flores e Sabor, e está separada da ilha de Weter, pelo mar do mesmo nome.

Timor Lorosa´e ocupa na parte oriental da ilha uma extensão de 14.924 km2, o enclave de Oé-cussi/Ambeno com 812 km2, a ilha de Ataúro, com 141 km2, e o ilhéu de Jaco com 5 km2.

O Clima é tropical, com duas estações, uma das chuvas, de Novembro a Abril, e uma seca, de Junho a Setembro. Os meses de Maio e Outubro são meses de transição. Na parte Sul e Leste da ilha, a estação das chuvas dura de Dezembro a Abril, a estação seca em Maio, ocorrendo chuvas frequentes de Junho a Agosto. Apesar deste quadro genérico, o clima é muito variado de região para região. O litoral é quente e húmido, oscilando as temperaturas médias e máximas entre os 19º e os 31ºc. A nebulosidade média é mais intensa de Novembro a Maio e diariamente, após o meio-dia. A humidade relativa do ar oscila entre os 50% e os 90%.

O relevo é bastante acentuado na zona central, tendo por espinha dorsal a cadeia montanhosa do Ramelau, com numerosas ramificações para Norte e para Sul. Na costa norte as ramificações da cordilheira central prolongam-se, por vezes, até ao mar; na costa sul os contrafortes esbatem-se ao longo do mar, formando assim uma faixa litoral plana, constituída por formações aluviais planas. Na região oriental encontra-se o Pico mais alto, o Tat Mai Lau, com 2963 metros de altitude. À medida que caminhamos para Leste, o relevo suaviza, dando lugar a superfícies planálticas, de onde por vezes emergem elevações de vertentes escarpadas. Dos planaltos os mais importantes são os de Baucau e Fuiloro, na parte leste da ilha.

A cadeia montanhosa central serve de linha de festo e nela nascem praticamente todos os cursos de água de Timor. A principal bacia hidrográfica do território é a ribeira de Lois, resultante da junção de três outras ribeiras, a Be-Bai, a Morôbo, e a Lau-li continuada pela ribeira de Gleno. A sua foz encontra-se a 20 quilómetros a sudoeste de Maubara. A ribeira com maior extenção é contudo a Lacló (cerca de 80 quilómetros), com a foz a Manatuto. No território encontramos ainda algumas lagoas, destacando-se a Surobec, na ponta leste da ilha. Na foz de algumas ribeiras (nomeadamente na costa sul), como regiões susceptíveis de cheias, por vezes formam-se pântanos.

A divisão administrativa do território assenta em 13 distritos , incluindo o enclave de Oé-Cussi/Ambeno. Os distritos estão divididos em 62 sub-distritos, que por sua vez estão repartidos por 464 Sucos, que ou consiste num agrupamento de aldeias ou em bairros citadinos.

Ao nível das infra-estruturas, Timor possui 9 áreas portuárias (Dili, Hera, Karabela, Batugade, Suai, Beaco, Com, Pante Macassar), das quais se destaca a de Dili; 6 aeroportos (Dili, Baucau, Maliana, Suai, Los Palos e Oé-Cussi), sendo Baucau o único com capacidade para aviões de grande porte; exeptuando o aeroporto de Dili, os restantes, são basicamente aeródromos. A rede viária, longitudinal e transversal a todo o território, foi sujeita a grande degradação, quer pelo efeitos das condições climatéricas, quer pela falta de manutenção, fazendo-se assim a circulação rodoviária com dificuldade (com algumas excepções), sendo a distância medida em tempo e não em quilómetros.

Ao nível económico, Timor depende ainda de uma agricultura praticamente de subsistência. Produz-se café, arroz, batata, batata doce, milho e borracha. A riqueza deste sector provêm ainda da pecuária, com os seus búfalos de água e os porcos; há ainda imensas aves de capoeira, nomeadamente galos, espalhados por todo o território. De notar que a grande maioria dos animais domésticos são de pequeno porte e criados em regime de liberdade. Ao nível do artesanato, assinala-se a tecelagem dos famosos taes, a cestaria, os adereços de prata, as espadas tradicionais e alguma estatuária, nomeadamente a de Ataúro.

O sector terciário desperta agora, nomeadamente pela mão de estrangeiros. São inúmeros os restaurantes, alguns bares, e hotéis. Os transportes são assegurados pelas inúmeras microletes (ou TP muito na nossa gíria) e taxis.

Em Timor existe ainda gás natural e mármore em Manatuto, petróleo na região de Suai e Viqueque, Manganésio em Vemasi e Loi Lubo, ouro em Ainaro, Lacio e Elena e Hidrocarbonetos no Timor Gap .

2. A sociedade timorense

Quando os portugueses aportaram na ilha de Timor, a organização social encontrada possuía uma hierarquia tipo feudal, com chefaturas locais (Liurais), tendo por base a família extensa, de cariz patrilinear . A nível religioso as populações praticavam religiões tradicionais, não se verificando quaisquer influências hindus ou muçulmanas. Tradicionalmente o culto timorense é dirigido aos espíritos dos antepassados (ancestrolatria), e aos objectos sagrados (lúlic), que pode ser materializado, sendo sempre considerado com poderes sobrenaturais, inexplicáveis. Podemos considerar que os lúlic são intermediário entre Deus e o Homem, e são geralmente conservados nos locais de culto, os uma-lúlic .

Na religião tradicional timorense, o ente supremo, Deus, é designado em tétum por Marômac, que significa "o brilhante", a quem não se presta nenhum culto especial. Os ritos da religião tradicional foram designados por estilos, e consistem essencialmente em sacrifícios. O estilos mais exuberante é o do funeral (hacoi-mate) e destina-se a alimentar a alma do morto.

Não há uma hieraraquia religiosa constituída; porém, podemos encontrar o daot-lúlic ou sacerdote, conhecedor profundo dos lúlic, e que presta serviço de consultoria a troco de alguma prenda. Não tão frequentemente, mas ainda é possível encontrarmos alguns matan-dooc (feiticeiro), que preside a alguns estilos, nomeadamente de adivinhação.

A introdução do cristianismo em Timor verifica-se a partir do estabelecimento dos missionários em 1556 (quarenta anos depois dos primeiros mercadores), mas é incrementado principalmente devido à actividade dos dominicanos sediados em Solor desde 1562.

As missões locais atravessaram diversas crises de missionários, nomeadamente em meados do século XVIII, com a decadência das missões dominicanas, mas sobretudo com a expulsão das ordens religiosas em 1834. Timor a partir de 1875 passa a depender do bispado de Macau, até então dependia do Bispado de Malaca, que viria a ser extinto (1886). Este constitui um sinal claro da falta de capacidade para sustentar o esforço missionário nestas paragens.

O grande restaurador da acção missionária em Timor foi o Padre Medeiros, nomeado Bispo de Macau em 1885. A acção dos Jesuitas também foi de destacar. Estes em 1898 criam o Colégio de Soibada, responsável pela formação de uma pequena elite local.

A partir do momento em que as relações entre a Santa Sé e o Estado Português se normalizaram, através da assinatura da Concordata e do Acordo Missionário em 7 de Maio de 1940 e da publicação do Estatuto Missionário a 5 de Abril de 1941 , punha-se termo à questão religiosa suscitada com a implantação do Liberalismo e agravada com a República , a acção missionária conhecia um importante incremento.

Em 1940 o Estado Novo assina com a Santa Sé o Acordo Missionário e a Concordata. Com aqueles novos instrumentos políticos, o Estado Português garantiu à Igreja Católica o livre exercício da sua autoridade na esfera da sua competência . As Missões Católicas que eram “(...) consideradas instituições de utilidade imperial e sentido eminentemente civilizador (...)” , ficaram com a liberdade de expansão para exercerem formas de actividade que lhes eram próprias, nomeadamente para fundar e dirigir escolas , e os missionários, não sendo funcionários do Estado, eram considerados “(...) como pessoal em serviço especial de utilidade nacional e civilizadora (...)” que deviam consagrar-se exclusivamente “(...) à difusão da fé católica e à civilização da população indígena (...)” .

Assim, foi com estes novos documentos que a actividade missionária, sofreu um ímpeto em Timor, sendo Dili erecta como Diocese nesse mesmo ano; contudo, D. Jaime Garcia Goulart, o primeiro Bispo, só tomou posse após o fim da II Guerra Mundial. Este Prelado também foi responsável pela criação o Seminário em Soibada em 1936, transferido em 1954 para Dare, sendo confiado aos Jesuítas em 1958.

A difusão do cristianismo foi então rápida, e em extensão, pecando por não ser profunda, pois ainda hoje, apesar de a grande maioria da população se ter convertido ao catolicismo, subsistem elementos das religiões tradicionais. Apesar de o cristianismo constituir para a grande maioria da população sobretudo um revestimento, constitui um dos pilares da identidade timorense. Os padres e missionários muitas vezes são tratados por amo lúlic, o que mostra a integração do cristianismo nos cultos tradicionais, a sua permissividade; ou seja, apesar da cristianização, permaneceram os valores sócio-religiosos do tribalismo, resultando dessa aculturação uma face católica formal.

Os missionários não foram apenas responsáveis pela assimilação da cultura portuguesa por parte dos timorenses. Estes, em resposta ao processo de aculturação imposto pela Indonésia aquando da sua permanência no território, traduziram os textos litúrgicos para tétum praça e mantiveram ainda o ensino do português nas suas escolas bem como alguns cânticos religiosos. Esta atitude permitiu conservar não apenas a religião católica numa então província do maior país muçulmano do mundo, como preservar a individualidade de Timor Leste bem como transformar o tétum praça em língua franca. O papel desta instituição foi ainda determinante para a realização do referendo e para o divulgar da situação que se vivia em Timor durante a ocupação indonésia.

Não há uma identidade cultural timorense única e homogénea. Cada uma dos vários grupos étnico-linguísticos, apesar de “aparentados”, possui um património cultural que sofreu, em maior ou menor grau consoante a localização, uma aculturação com elementos introduzidos inicialmente pelo contacto com a cultura portuguesa e depois com a indonésia.

A primeira foi trazida sobretudo pelos missionários, é mais nítida no aspecto espiritual (religião, língua e arte) que no material. Portugal conta com mais de 400 anos de presença religiosa e cultural em Timor, sendo que esta presença precedeu em mais de um século a presença política (o primeiro governador português só se instalou em Timor em 1703); além do mais Timor não foi conquistado, foi abordado por mercadores privados, sendo o catolicismo aceite independentemente de qualquer relação de dominação. Assim a cultura portuguesa foi proposta e não imposta .

A influência da Indonésia deveu-se sobretudo a três factores:

· a presença militar;

· a imposição da língua oficial (bahasa indonésio);

· a presença económica.

Porém e apesar da transferência imposta de populações de outras ilhas, nomeadamente de Java, e da proliferação de mesquitas, nunca conseguiu impor o islamismo. O Poder indonésio procurou depois conquistar a adesão da população apoiando a construção de locais de culto católicos como a Catedral de Dili e a Via Sacra do Cristo Rei, este último, ironicamente com 27 m de altura simbolizando a 27ª província. O Poder indonésio preservou ainda símbolos da presença portuguesa.

No território encontramos ainda muito pequena comunidade muçulmana de rito xafeíta; e uma miscelânea interessante de confucionismo, budismo e tauismo e algum catolicismo, que surge entre os chineses, que são essencialmente comerciantes.

Para além do cristianismo, outro pilar da identidade timorense é a língua tétum . Isto apesar de no território podermos considerar 31 grupos étno-linguísticos distribuídos por seis agrupamentos: Bunak, Fataluku, Makasae, Maku´a, Mambae e Tetum.

No território encontramos duas grandes categorias linguísticas, o austronésio e o não austronésio, cobrindo 12 línguas, os quais podem ser divididos em 35 dialectos e sub-dialectos .

A língua portuguesa penetrou na Ásia pela acção colonial, pela influência dos comerciantes e da acção missionária. Ao longo da presença portuguesa a nossa língua não chegou nunca a ser a língua de comunicação oral, foi sobretudo a língua administrativa, clerical e de cultura, porém cimento aglutinador da identidade cultural entre as povos do Timor Oriental .

Apesar das intenções para que a língua oficial venha a ser o Português, este é falado e compreendido apenas por uma pequena parte da população, geralmente de meia idade e dificilmente entre os jovens. Porém, depois do esforço do Estado português em reintroduzir aquela língua, apoiando quer através do Centro de Línguas, quer da atribuição de bolsas de estudo em Portugal, quer do próprio ensino no território com professores portugueses, a situação tem melhorado consideravelmente: pensamos que cerca de 12% a 14% da população local compreende e fala a língua de Camões. A Rádio Televisão Portuguesa (RTP Internacional) e a Rádio Renascença também aqui desempenham papel considerável.

O tétum (grupo de língua austronésia) é falado sobretudo em Dili, Liquiça, Suai, Viqueque, Galole, Manatuto, Laclubar, Mambai, Aileu, Ermera, Ainaro e Same. O tétum é falado com língua própria na região fronteiriça, ou seja é uma língua transfronteira. Este é um pormenor que não poderá ser esquecido pelo Poder em Dili.

O Bunak (grupo de língua não austronésio), é falado em Baucau, Lautem, Bobonaro, Kemak, Makassai, Viqueque, Dagada, Ambenu, Balkenu, Idate, Kairul, Laleia, Nldiki.

Timor apresenta assim uma situação linguística complexa; ao nível interno podemos considerar as línguas locais, as línguas veiculares, a língua oficial de administração e as línguas de relação com o exterior como o inglês, o português e o bahaasa indonésio. Um pequeno exemplo da utilização das diferentes línguas no território para tratar do mesmo assunto passa pela sua própria designação; na documentação em inglês este aparece designado por East Timor, em português é Timor Leste, na cartografia mais utilizada as designações são em bahaasa indonésio, surgindo assim Timor Timur, e em tétum aparece-nos Timor Lorosa´e.

Em Timor a literatura, assim como a história, é essencialmente oral, tendo os seus textos sido conservados de memória pelos lia-na’in (senhores da palavra), que geralmente são os oradores oficiais das cerimónias tradicionais e guardiões dos lúlic. Podemos encontrar duas formas principais de texto: ai-cnanoic (memórias) em verso ou prosa e ai-cnanânuc (canções) em verso destinadas a ser cantadas.

Os trajes tradicionais são panos elaborados em teares rudimentares de bambu e designam-se por taes, existindo ainda as lipas. Normalmente os taes são de algodão, com motivos decorativos diversos e cheios de cor. Por norma os seus trajes festivos dos Liurais é composto por taes, penas de galo a adornarem os tornozelos, diversas pulseiras de cobre, a espada e, à cabeça o símbolo tradicional que dá pelo nome de Kaibauk (corno de búfalo).

Na música tradicional os instrumentos utilizados são essencialmente de percussão, como os gongos de metal, os tambores de pele, o lacadou , e um instrumento de sopro, o pífaros de cana. Na música com influência cultural do exterior, os instrumentos mais comuns são o violino, o cavaquinho, o bombo, o tambor e os ferrinhos.

A dança populares mais frequente é o tebedai, onde, as mulheres avançam lentamente em linha ao ritmo dos tambores, circulando; os homens diante delas agitam ritmadamente lenços ou pequenos taes. No tebe, os dançarinos formam um grande círculo, que se move lentamente sem acompanhamento de instrumentos, cantando ao desafio versos espirituosos. Há uma dança chamada Lorosa´e (sol nascente), que consiste numa demonstração da actividade guerreira para celebrar a “Vitória”.

Um uso muito arreigado no timorense (assim como em todo o oriental) é o jogo. Por todo o território de Timor se realizam apostas nos combates de Galos; estes, depois de verificada a vontade de combater, são equipados com um esporão afiado na pata. Soltos os animais, estimula-se o combate com a populaça formando uma roda até que o combate acabar com a morte de um dos animais. O vencedor leva consigo o lucro das apostas e o galo morto.

3. Análise histórica

Portugal em 1494 assina o Tratado de Tordesilhas, quatro anos mais tarde, descobriu-se o caminho marítimo para a Índia e em 1500 foi oficializada a descoberta do Brasil, ficando aberta uma via marítima para todo o hemisfério, das Terras de Santa Cruz até às Molucas. Graças aos novos descobrimentos e às novas navegações, os portugueses abriam novos mundos ao mundo, este ampliara-se espantosamente.

A acção de corso e a actuação dos calvinistas no Brasil, forçam D. João III a reflectir e a assumir um conceito estratégico, que se traduziu na intenção de abandonar o Norte de África, de manter o possível no Oriente e exercer o esforço no Brasil (1548-1822).

A partir da conquista de Malaca pelos portugueses (1511), o caminho para as ilhas Molucas e outras zonas de especiarias ficaram acessíveis à causa lusa. Foi a procura do sândalo que conduziu ao primeiro contacto português com a ilha de Timor (1514). A soberania portuguesa sobre as ilhas de Solor e Timor, tal como noutras paragens, seria disputada durante os séculos seguintes com holandeses, espanhóis e ingleses.

Antes da chegada dos portugueses, Timor encontrava-se dividido em diversos "reinos" que se encontravam agrupados e sob influência dominadora de dois grandes Liurais. Dezasseis "reinos" da denominada província de Servião (hoje Timor Ocidental), aceitavam a supremacia do régulo de Senobai, enquanto que 46 "reinos" da chamada província dos Belos (a que corresponde Timor Oriental acrescido do reino de Atambua hoje indonésio), reconheciam o predomínio do régulo de Behale.

Os "reinos", abrangiam diversos sucos chefiados por um chefe. Os sucos incluíam algumas povoações ou aldeias, designadas por leo, lissa ou ili, conforme o dialecto. Tanto os Liurais como os chefes de suco e mesmo alguns chefes de povoação eram datós (príncipes), formando a classe nobre que recebia do povo o rai-ten (imposto da terra) . Era uma organização tipicamente feudal.

Foi a procura do sândalo que conduziu ao primeiro contacto português com a ilha de Timor (1514). O enraizamento da presença lusa inicia-se com a missionação do franciscano António Taveira, em 1556 na ilha de Solor. Esta ilha foi a grande base da actividade missionária na região; a partir dela irradiou para as ilhas das Flores, Savu, Adunara e Timor. Em 1646 os portugueses edificam em Cupão (Kupang) uma fortaleza. Através da actuação dos missionários dominicanos, diversos Liurais convertidos ao cristianismo iam-se colocando sob a alçada do Poder português. O forte de Cupão foi conquistado pelos holandeses em 1652, o que implicou a passagem dos portugueses para Lifau, no actual enclave de Oé-Cussi/Ambeno em 1670. Os holandeses, apesar de protestantes, "(...) não empreenderam propriamente um conflito religioso, mas uma guerra económica, que trouxe, como é lógico, implicações de natureza religiosa (...)" .

Foi apenas com o terceiro governador oficial (António Coelho Guerreiro), que tomou posse de Oé-Cussi em 1703 que surgiu o entendimento com os Holandeses; este iniciou a organização do território, integrando os Liurais na estrutura administrativa. De entre estas autoridades tradicionais também se passou a escolher os capitães-mores das províncias do Servião e dos Belos.

O Holandeses a partir de Cupão avançavam para Leste, sendo detidos nos reinos de Oé-cussi e de Ambeno, que passaram a constituir um enclave no meio do território holandês, e em Atapupo, ocupado por estes em 1818.

A 20 de Abril 1869, através de Tratado (apenas executado em 1861), a Ilha é dividida entre Portugal e a Holanda. Este Tratado atribuiu a Portugal a região dos reinos dos Belos (Timor Oriental), cabendo à Holanda a região chamada de Servião (Timor Ocidental).

Por convénio entre a Holanda e Portugal, a 10 de Junho de 1893, efectuam uma revisão das fronteiras, facto que só veio a acontecer em 1902, em Haia. A 1 de Outubro de 1904, através da ratificação da Convenção luso-holandesa, Portugal troca o reino de Maucatar pelo reino de Naimuti, definindo-se a linha de fronteira por acidentes naturais do terreno.

A administração indirecta do território conduziu a uma reduzida ocupação efectiva da ilha de Timor. Ao longo de todo o século XVIII limitava-se a algumas localidades costeiras, Lifau, Batugadé, Manatuto e Dili, esta fundada em 1668, viria a ser capital a partir de 1769. Os Liurais governavam então livremente os seus territórios.

Foi no governo do Major Celestino da Silva (1894-1908), que instalou o regime de administração directa, que a afirmação da soberania portuguesa sobre a totalidade do actual território se efectuou. Assim, podemos considerar que desde meados do século XVII até pelo menos meados do séc. XIX (altura em que foi criado o primeiro esboço de administração colonial no interior), Timor foi um mais um protectorado português do que uma colónia , contudo, a aceitação da soberania não foi pacífica, por vezes havia conflitos entre as forças dos reinos fiéis e a dos reinos sublevados.

Diversas rebeliões e sublevações contra a Administração portuguesa ocorreram na primeira metade do século XVIII. Estas eram por norma instigadas pelos holandeses, sendo a revolta mais conhecida a de Cailaco em 1726. Este foi o período em que o comércio de sândalo conheceu o seu apogeu, sendo praticamente todo escoado para Macau, de quem Timor passara a depender, logo após a queda de Malaca (1641).

A defesa do território era assegurada não por militares metropolitanos, mas pelos arraiais de tropas levantados pelos Liurais. Foi o Governador António Coelho Guerreiro (1702/1705) quem atribuiu postos de Coronel aos Liurais, de Major aos chefes de suco e de capitão aos chefes de aldeia; mesmo as chamadas campanha de pacificação foram efectuadas com tropas maioritariamente locais .

A instabilidade provocada com a implantação de República é aproveitada pelos holandeses para incentivarem uma nova revolta, desta vez em Manufahi, e questionar a delimitação das fronteiras (1911-1913). Os limites terrestres acabaram por ficar definidos por sentença arbitral a 25 de Junho de 1914.

A partir daqui inicia-se um período de estabilidade apenas perturbada em 17 de Dezembro de 1941, quando numa tentativa de criar uma “zona tampão”, em total desrespeito pela neutralidade e pela soberania portuguesa, australianos e holandeses desembarcam em Timor Leste. A condição para a sua retirada era a chegada do contingente militar que viria de Moçambique, contingente que partiu de Lourenço Marques a 26 de Janeiro de 1942, mas que acabou por ser desviado para o Estado da Índia, pois em 19 Fevereiro de 1942, véspera da data inicialmente prevista para o desembarque português, após intenso bombardeamento, os japoneses ocupam o território.

O Governo de Salazar aquando das negociações da base das Lages com os americanos impôs como condição a ajuda americana na libertação do território de Timor. Com o fim da guerra a ilha é colocada sob controlo administrativo da Austrália, que devolve os poderes à Holanda e a Portugal.

Apesar de Portugal enfrentar nos territórios continentais africanos uma guerra subversiva, no território insular de Timor nunca se registaram actividades de movimentos independentistas. Estes surgiram apenas na sequência do golpe militar ocorrido a 25 de Abril de 1974 e que alterou a situação política em Portugal. Contudo, a admissão de que a solução das guerras no ultramar era política e não militar não foi imediata. A proclamação oficial do princípio da autodeterminação só surgiu após a aprovação por unanimidade pelo Conselho de Estado, da Lei N.º 7/74, de 27 de Julho, que esclarecia o alcance do N.º 8 do capítulo B do Programa do Movimento das Forças Armadas Portuguesas

Os partidos e organizações políticas proliferaram então em Timor. Surgiram a União Democrática Timorense (UDT), apologista de uma autonomia com vista a uma eventual independência, porém integrada numa comunidade lusíada; a Associação Popular Democrática Timorense (APODETI), a favor de uma integração na Indonésia; e a Associação Social Democrática de Timor (ASDT), depois Frente Revolucionara de Timor Leste Independente (FRETILIN), conotada com a FRELIMO de Moçambique, defensores da independência. Surgiram também pequenos partidos como o KOTA (Klibur Oan Timur Aswai/Filhos dos Guerreiros da Montanha), apologistas da restauração do poder tradicional dos Liurais e o Partido Trabalhista, que pretendia mobilizar a classe trabalhadora.

Apesar do golpe militar, o Coronel Alves Aldeia, então Governador, foi mantido em funções, todavia o seu poder era diminuído pelos elementos da comissão do Movimento das Forças Armadas (MFA). Após a sua demissão é substituído pelo Tenente-Coronel Níveo Herdade e mais tarde, já após a demissão do General Spínola, pelo Tenente-Coronel Lemos Pires

Em Timor instalou-se assim um clima subversivo/revolucionário típico, que na sua essência conduziu :

· à desmoralização do Poder;

· ao descrédito da autoridade, a qual acabou por ser vítima de uma “psicose da impotência”;

· à ruptura no tecido social, através da organização de contradições entre as hierarquias estabelecidas e da constituição de forças polarizadoras paralelas.

Em Janeiro de 1975 a FRETILIN e a UDT formaram uma coligação para conduzirem a transição de poderes e evitarem o maior dos riscos, a anexação pela Indonésia. A UDT acaba por abandonar a coligação, e a FRETILIN, na sequência do 11 de Março em Portugal Continental, pretende ser reconhecida como único representante legítimo do povo de Timor, recusa-se a participar na conferência em Macau, onde se discutia o futuro do território, e começa a concentrar tropas na fronteira e a recrutar milícias.

Em Lisboa é entretanto publicada a 17 de Julho a Lei 7/75, que definia para o processo de descolonização de Timor a criação de um governo de transição até Outubro de 1978, presidido por um Alto Comissário, contando com a participação dos partidos timorenses. Era ainda proposta a formação de um Conselho do Governo de Transição.

Nas eleições desse verão quente de 1975 (Julho), a FRETILIN obteve 55% dos votos. No mês seguinte, a UDT, não aceitando os resultados parte para uma ofensiva que desencadeia a guerra civil no território (Agosto de 1975). O Governador português, face à falta de orientação política, de decisão na Metrópole e à sua avaliação da situação, retira para Ataúro a 27 Agosto de 1975, ficando Timor desprovido de qualquer tipo de autoridade.

No clima de guerra civil que então se vivia, Nicolau Lobato, líder da FRETILIN, a 28 de Novembro declara como um Estado Independente a República Democrática de Timor Leste (RDTL), tendo Xavier do Amaral como presidente. A 30 do mesmo mês, o ministro dos Negócios Estrangeiros indonésio, na presença de elementos da UDT, APODETI, KOTA e Trabalhistas, assinam uma declaração que solicitava a integração de Timor Leste na Indonésia, invadindo esta o território a 7 de Dezembro. O apoio dos EUA e uma conjuntura internacional favorável foram decisivos.

A integração do território na indonésia seguiu um plano estratégico cauteloso e faseado, designado por "Operação Komodo". Algum alto Clero católico quer na Indonésia quer no Vaticano tinham conhecimento deste plano. A primeira fase consistia na Invasão e posterior afirmação da soberania do Poder indonésio no território, seguido de uma fase de consolidação/conquista das populações com o apoio, a partir da ilha das Flores, da Igreja Católica. Este apoio, entre outros aspectos, consistia numa tradução dos textos bíblicos para bahaasa indonésio.

No início de Janeiro de 1976 o governo indonésio estabelece um governo provisório com elementos da UDT e da APODETI. Em Maio, este governo convida a Indonésia a proclamar a soberania sobre o território, que anexa formalmente como a sua 27º província (Timor Timur) em 17 de Julho. Portugal que se declarava ainda como potência administrante, cortou relações diplomáticas com Jacarta e colocou o caso à ONU que condenou a intervenção da Indonésia. A população timorense também reagiu à invasão, iniciando com as FALINTIL (Forças Armadas de Libertação de Timor) um movimento de resistência nas matas de Fatu-Beci

Em 1986 por forma a organizar a resistência, é estabelecido por Xanana Gusmão o Conselho Nacional da Resistência Maubere. Desenvolveram-se acções clandestinas, de propaganda e de agitação, fomentaram-se perturbações da ordem, surgiu o clima de medo, visando a desmoralização do Poder, o descrédito da autoridade e também provocar a reacção repressiva.

O status quo encontrou aqui o seu período crítico: ou respondia eficientemente, o que não conseguiu, pois intensificaram-se as acções violentas (lembramos os acontecimentos em 12 de Novembro de 1991 no cemitério de Santa Cruz, em Dili, e a Prisão de Xanana Gusmão a 20 de Novembro de 1992), ou já não controlava a evolução dos acontecimentos na generalidade, apesar de os poder controlar pontualmente, em determinados aspectos ou situações.

Portugal e a que ficou conhecida para a História como resistência Mau Bere, procuraram obter apoios internacionais para a causa timorense. Findara a guerra fria em 1989, e a conjuntura internacional transformara-se; este foi ainda o ano em que o Papa João Paulo II visita o território (12 de Outubro). Em Novembro de 1991 ocorre o massacre no cemitério de Santa Cruz, e em 1996 Ramos Horta e o Bispo D. Ximenes Belo são galardoados com o Prémio Nobel da Paz. Os trágicos acontecimentos do cemitério relembraram ao mundo o drama do povo de Timor Leste, sendo o gesto de Estocolmo tido como o marco do reconhecimento da Comunidade Internacional pela necessidade da autodeterminação de Timor. O Presidente da República da Indonésia, General Suharto é afastado do Poder. O novo Presidente, General Habibie, inicia um conjunto de reformas políticas, cedendo mediante a pressão internacional, aceitando acordar com Portugal e com as Nações Unidas a realização de um referendo no território sob a égide desta última organização (acordo de 5 de Maio de 1999).

O referendo teve lugar a 30 de Agosto desse mesmo ano sob a responsabilidade da UNAMET (United Nations Mission in East Timor). Os 78,5% dos votos a favor da independência nunca foi o resultado esperado pelo Poder indonésio (pois caso contrário nunca o teriam aceite) que apoiou o desencadear de uma onda de violência sem precedentes por parte das milícias integracionistas. Com o caos instalado, as Nações Unidas decidem constituir uma força internacional para repôr a lei e ordem, forçando a paz. A INTERFET (International Force in East Timor) sob comando australiano com o acordo indonésio entra a 20 de Setembro de 1999 em Dili.

A UNTAET (United Nations Transitional Administration in East Timor) estabelecida pela resolução do CS 1272 de 25 de Outubro de 1999, assumiu a administração do território sob tutela das Nações Unidas a partir de 28 de Fevereiro de 2000. A Indonésia revogou a anexação da 27ª Província, Timor Leste, a 19 de Outubro de 1999.