A PRESENÇA PORTUGUESA EM TIMOR LOROSA'E (2)

4. A situação actual

Desde o governador António Coelho Guerreiro que o Poder utilizava uma organização de milícias para-militares para a defesa do território. Também o governo indonésio utilizou sob seu treino, comando e controlo, a partir de 1980, uma estrutura semelhante para combater os grupos pró-independência, nomeadamente as FALINTIL . A partir do momento em que a Indonésia admitiu uma eventual independência (1999), teve início uma operação de terror, com o nome de código Operasi Sapu Jagad, conduzida pelas milícias que integravam não só timorenses com militares dos TNI (Tentarra Nasional Indonesia / Forças Armadas da Indonésia).

O terror instalado na sequência dos tumultos de Setembro de 1999 provocou dezenas de milhares de deslocados e de refugiados. Aproximadamente 250 mil pessoas foram forçados a abandonar os seus lares. O regresso destes refugiados tem sido um processo lento; até finais de Setembro de 2001 cerca de 185 mil retornaram a Timor Leste por via aérea, marítima e terrestre. Nos campo de refugiados em Timor indonésio, ou Nusa Tangguerra Timur, ainda se encontram milhares de pessoas. Esta situação é habilmente aproveitada pelo remanescente das milícias e pela sua estrutura política (UNTAS) , pois opõem-se à presença da UNHCR e da OIM em Timor Lorosa´e.

A UNTAS reafirma que o referendo em 1999 foi fraudulento; todavia, alguns dos seus dirigentes já começam a admitir mesmo os resultados eleitorais de 30 de Agosto de 2001, e falam já num eventual regresso ao território. Este processo está a ser conduzido nos bastidores com negociações complexas, onde as cedências são muitas, mas as cumplicidades também. É um jogo de contrapartidas, de que se espera o regresso de alguns dirigentes e cujo retorno de populações por si controladas já começou. Parece ser consensual o regresso e a detenção dos elementos sob quem pende um mandato de captura pelos crimes cometidos durante o pós-referendo; porém esta situação só se concretizará se a sua posterior libertação for garantida pelo decretar de uma amnistia. Estas negociações só são compreensíveis ao nível da estratégia global, das meias palavras, e das inverdades, mas, a troco da criação de um eventual clima de estabilidade, concretizam-se.

Para se criar e manter um ambiente de estabilidade e consequentemente progresso e desenvolvimento, os elementos retornados necessitam de ser membros activos no processo de reintegração e de reconciliação nacional, caso contrário estes contribuirão para uma expiral de instabilidade social. O regresso das populações aos seus territórios levanta não só o problema da sua reintegração e aceitação na comunidade de origem, do desemprego, mas também o da posse da terra.

A Indonésia durante a sua ocupação utilizou uma estratégia demográfica tipo aldeamentos coloniais, de concentração e de transferência de populações, o que levou a uma redistribuição do chão; depois, com a situação criada em Setembro de 1999 e a sequente fuga para o exterior, inúmeras terras ficaram ao abandono sendo posteriormente ocupadas por elementos da população que permaneceu no território. Com o regresso às terras levanta-se hoje o problema da legitimidade do dono do chão, com as consequentes implicações no investimento e mesmo na comercialização dos produtos.

Apesar de a pressão internacional começar a dar os seus frutos, dado que se iniciaram os julgamentos de alguns elementos responsáveis pelos acontecimentos de Setembro de 1999 , do processo eleitoral ter decorrido sem incidentes, de se estar a verificar um regresso acentuado de retornados e de a actividade das milicias não se verificar à cerca de um ano, mantem-se a ameaça e a possibilidade de acções limitadas de guerrilha no interior de Timor Leste, com apoio militar e mesmo político de algumas facções da Indonésia.

Os riscos de segurança e de instabilidade não vêm só de eventuais guerrilhas a criar, ou das milícias existentes. Internamente, existem situações preocupantes que provocam agitação e instabilidade social. No pós referendo, e com a Administração Transitória das Nações Unidas, o grande problema social passou a ser o desemprego. Estima-se que cerca de 80% da população urbana esteja desempregada, vivendo do pequeno expediente. Muitos jovens e inúmeros quadros qualificados, por exemplo, vagueiam por Dili e Baucau, almejando a timorisação dos cargos públicos presentemente ocupados por funcionários internacionais da UNTAET.

As sociedades locais tem sofrido uma influência cultural intensa devido à presença dos funcionários das NU, de ONG e de outras Organizações, o que determina, em parte, a sua desagregação sem, contudo, se assistir a uma correlativa assimilação da cultura dos novos Poderes instituídos. Estes fluxos e refluxos culturais (primeiro o português, depois o indonésio e agora o dos funcionários internacionais) provocam, dependendo das circunstâncias, uma destribalização ou então a coexistência forçosa do destribalizado com a sociedade tradicional. A posição do destribalizado origina um sentimento de vácuo pela falta das estruturas tradicionais que o explicam perante si mesmo. Nascem, então, as hierarquias de compensação , por forma a preencher o vazio e insegurança resultantes da desagregação das instituições tradicionais. A insegurança resultante da destribalização, acrescida de um sentimento de frustração, face a uma cultura manifestamente diferente, que dificulta a sua integração e, em consequência, o seu progresso social, vulnerabiliza estes homens a propagandas aliciantes e conduz ao reagrupamento, feito sob novas formas, para readquirir a segurança perdida.

Acrescido a este fenómeno, emerge uma outra tendência, a de lutar contra a situação de inferioridade social, emergindo então as mais diversas formas associativas de cariz reivindicativo . Tais associações, como são os "gangs" e as escolas de artes marciais, tendem a organizar-se com base étnica, comportam, nomeadamente, jovens e representam assim um esforço dos marginais ou dos que estão prestes a ingressar nessa categoria para se adaptarem aos novos tipos de condicionalismos sociais em que têm de viver. Estas massas de proletariados suburbanos, vivem à margem da disciplina dos respectivos grupos étnicos e das comunidades originárias, transformando-se num perigo para aquela que era encarada como a paz social. Estes "gangs" (ninjas, masters, escorpião, setia hati, sacunar, cowboys, etc.), dedicam-se a actividades como a extorsão, o contrabando, os assaltos, o câmbio ilegal de divisas e a outras actividades ilegais perturbadoras da Lei e Ordem.

Durante o processo eleitoral verificou-se a criação de grupos de segurança dos partidos; alguns deles envergando uniforme camuflado e espadas tradicionais realizavam a cerimónia de hastear e arrear da bandeira do seu partido com todas as honras . Surgiram também diversos grupos que se intitulavam de autodefesa das populações. Estas oranizações para-militares, no fundo emergem como uma tradição cultural de defesa dos aglomerados populacionais, muito enraizada localmente.

Também não podemos esquecer que o timorense, pelo que temos observado e conversado, não tem patamares intermédios de violência; com relativa facilidade passa de uma aparente calma para uma cólera incontrolável.

A população continua a ser o elemento chave, pelo que o controlo das mesmas passa inegavelmente pelo seu conhecimento detalhado. Da análise do tecido humano do território pensamos que qualquer processo ou sistema político que se pretenda para Timor terá de passar pelo apoio de duas estruturas fundamentais que detêm um papel primacial, a Igreja católica e as autoridades tradicionais. Estes ainda mantêm o contacto e um real comandamento e accionamento sobre as populações. Esta é uma situação que inicialmente foi descurada pela UNTAET, que aos poucos vai assimilando a sua importância.

Nesta ordem de ideias, o futuro Estado de Timor Lorosa´e tem de criar um eficaz sistema de informações internas/externas, apoiado preferencialmente na antiga estrutura clandestina, por forma a prestar um apoio isento e esclarecido aos órgãos de soberania, sem complexos nem má consciência. Estes, que têm por obrigação manter a integridade do território e das suas fronteiras, estão portanto sempre carentes de um conhecimento oportuno e o mais completo possível das ameaças ou actividades hostis, para poderem orientar o dispositivo e a prontidão dos meios de defesa e, assim, manter o status quo, evitando atempadamente o desenvolvimento de qualquer manobra que vise a tomada técnica do poder ou apenas o seu desgaste.

Na construção do novo Estado de Timor Leste há três instituições fundamentais que estão a ser criadas com o apoio português: a Assembleia Nacional, a polícia TLPS e as FDTL (Forças de Defesa de Timor Leste). Estas últimas devem ter a noção da importância de manter a “Escola” de guerra de guerrilhas e de luta na clandestinidade, factor que será dissuasor de quaisquer riscos ou ameaça externos.

Ao nível político partidário Timor vive uma situação em tudo idêntica ao PREC (Processo Revolucionário em Curso) do Verão Quente Português, em 1975. Os partidos proliferam e a actividade partidária intensifica a sua actuação.

Destacamos pelo papel de relevo desempenhado até à sua dissolução a 1 de Junho de 2001, a coligação de partidos e movimentos políticos criada durante a ocupação indonésia para unir os grupos independentistas, o CNRT (Conselho Nacional da Resistência Timorense). Em Agosto de 2000 esta coligação adoptou a designação de CNRT/CN (Congresso Nacional), que se considerava uma estrutura representativa dos timorenses, congregando no seu seio representantes de todos os partidos políticos que defendam estatutariamente a independência nacional, a soberania e a integridade territorial. A UDT, APODETI, KOTA e o PT actualmente são pró–independência e aderiram ao CNRT. Integravam ainda o CNRT/CN a UDC, o PSD, o PT e o PDC.

Destacamos ainda no período pré-eleitoral e mesmo eleitoral o movimento CPD-RDTL (Comité Para a Defesa da República Democrática de Timor Leste), que fora presidido por Xavier do Amaral até a criação do ASDT (Associação Social Democrática Timorense). A criação do novo partido pelo seu ex-presidente provocou cisões no movimento com a sequente transferência de alguns quadros.

O CPD-RDTL defende que Timor já é independente desde 1975, situação que pretende seja reconhecida por Portugal e pela Indonésia. O CPD-RDTL foi reabilitado em 1999 por jovens Timorenses aquando das comemorações da proclamação da independência em 1975. Com base na declaração unilateral de independência, entende ser o legítimo governo. Pare o CPD-RDTL as eleições eram desnecessárias pois ele era o governo em exercício aquando da invasão da Indonésia. O seu apelo é atractivo para a juventude sem esperança e revoltada, para ex-FALINTIL e ex-milícias, bem como para todos os destribalizados e desempregados que vagueiam pelos centros urbanos.

Durante o período eleitoral sempre se considerou a possibilidade (não verificada) de os elementos mais radicais deste movimento causarem alguns desacatos. O movimento, que efectuou uma nítida colagem à FRETILIM durante as eleições, também aceitou pacificamente os resultados eleitorais anunciados oficialmente a 10 de Setembro de 2001.

Concorreram às eleições para a Assembleia Constituinte, visando eleger os 86 representantes do povo, 16 partidos e 4 candidatos independentes. Os partidos e os respectivos lideres são:

APODETI – Associação Popular Democrática Timorense. Frederico Santos da Costa

ASDT – Associação Social Democrática Timorense Francisco Xavier do Amaral

FRETILIM – Frente Revolucionária do Timor Leste Independente Lu Olo

PARENTIL – Partido Republicano Nacional de Timor Flaviano Pereira Lopes

PD – Partdo Democrático Mariano Sabino Lopes

PDC – Partido Democrata Cristão António Ximenes

PDM – Partido Democrático Maubere Paulo Pinto

PL – Partido Liberal Armando da Silva

PNT – Partido Nacionalista Timorense Abílio de Araújo

PPT – Partido do Povo de Timor Jacob Xavier

PSD – Partido Social Democrata Mário Carrascalão

PST – Partido Socialista de Timor Pedro da Costa Martins

PTT – Partido Trabalhista de Timor Paulo Freitas da Silva

KOTA - Klibur Oan Timur Aswai/Filhos dos Guerreiros da Montanha; Leão Pedro dos Reis Amaral

UDC/PDC – Partido Democrata Cristão de Timor Vicente da Silva Guterres

UDT – União Democrática Timorense João Carrascalão

Nas eleições que decorreram num ambiente seguro e demonstrativo do civismo dos timorenses, os partidos mais votados foram por ordem decrescente a FRETILIN que elegeu 55 deputados, o PD com 7 deputados, o PSD e a ASDT elegeram 6 deputados cada.

O II Governo da transição timorense foi empossado a 20 de Setembro de 2001 pelo administrador transitório do território, o brasileiro Sérgio Vieira de Mello. O novo Governo é composto por um ministro chefe, dez ministros, sete vice-ministros e três secretários de Estado. A composição do novo elenco confirma a prevalência no executivo de membros da FRETILIN com seis dos 10 ministérios do executivo, considerado por Sérgio Vieira de Mello "o primeiro verdadeiramente representativo e democrático de Timor-Leste". A Assembleia Constituinte ficou presidida por Lu Oulo, o presidente da FRETILIM, sendo o Governo chefiado por Mari Alkatiri, secretário-geral da mesma Frente, que acumula com as funções de ministro da Economia e do Desenvolvimento. Esta Frente detém ainda as pastas da Justiça, das Águas e Obras Públicas, dos Transportes e Comunicações, da Administração Interna e Agricultura e Pescas. O independente Ramos-Horta foi nomeado ministro do Estado, dos Negócios Estrangeiros e da Cooperação, assumindo-se como o número dois do governo. Outros elementos independentes detêm as pastas das Finanças, Saúde, Educação, Cultura e Juventude. O Partido Democrático (PD), segunda força mais votada nas constituintes, participa no governo, apenas a nível de vice-ministro, sendo-lhe atribuídas as pastas de vice-ministro dos Negócios Estrangeiros e da Saúde.

5. A Peace Keeping Force

A estrutura militar em Timor está organizada de acordo com a Resolução do Conselho de Segurança 1272 e 1338 (extensão do mandato até 31 Janeiro de 2001). A Peace Keeping Force (PKF) tem por missão apoiar a manutenção de um ambiente seguro em Timor Leste e apoiar a UNTAET, de acordo com as necessidades, na realização de eleições livres e democráticas e apoiar a ETTA (East Timor Transitorial Administration), dentro das suas capacidades, no desenvolvimento em Timor Leste de organizações e infra-estruturas sustentadas.

O dispositivo territorial da PKF está assente em quatro sectores (Este, Central e Oeste) e outro no enclave de Oé-Cussi/Ambeno.

O Sector Oeste de comando australiano tem uma área de responsabilidade definida pelos distritos de Covalima e de Bobonaro, compreendendo o Batalhão sob comando Neozelandês (NZBATT), com tropas dos Fidgi, Singapura e Irlanda, e o Batalhão Australiano (AUSBATT), respectivamente.

O Sector Central de comando português compreende 6 Distritos (Dili incluindo a ilha de Ataúro, Liquiça, Ermera, Aileu, Ainaro e Manufahi), cabendo a responsabilidade pelo Distrito de Ermera à Companhia Queniana (KENCET), compreendendo o Batalhão Português (PORBATT), os restantes. No Sector a população registada é de 359.021 habitantes, num total de 737.811 registados em todo o território.

Sob comando tailandês o Sector Este tem atribuído o Batalhão filipino (PHILLBATT), o Batalhão tailandês (THAIBATT) e o Batalhão Coreano (ROKBATT), com as seguintes áreas de responsabilidade: distrito de Manatuto, os distritos de Baucau e Viqueque, e o distrito de Lautém, respectivamente.

Portugal participa actualmente nesta missão de paz com um Contigente de aproximadamente 911 militares que integram a estrutura do Quartel-General da PKF (11 elementos), do Comando do Sector Central (52 elementos), do 2º Batalhão de Infantaria da Brigada Ligeira de Intervenção (PORBATT com 823 elementos) e do Destacamento da Força Aérea (PORAVN com 25 elementos).

O Sector Central conta na sua orgânica com um Batalhão português (PORBATT), uma Companhia queniana (KENCET) e uma Companhia de Polícia Militar brasileira (MP BRAZIL), com um efectivo de 1219 homens.

O PORBATT é constituído por duas companhias de atiradores, a 1ª CAt e a 2ª CAt, uma companhia de fuzileiros (21CFuz), um esquadrão de reconhecimento (ERec), uma companhia de apoio de serviços, um destacamento de engenharia e um módulo de apoio.

A 1ª CAt. com o seu comando em Maubisse com um pelotão em Ainaro e outro em Aileu, tem como área de responsabilidade os distritos de Aileu e Ainaro; a 2ª CAt. tem a responsabilidade pelo distrito de Liquiçá, onde tem o comando, e pelos subdistritos de Hera e Metinaro; a 21º CFuz tem a responsabilidade pelo distrito de Manufahi com o seu comando em Same, competindo ao Erec o distrito de Dili.

O PORBATT para além de manter a segurança na sua área de responsabilidade nomeadamente pela acção de presença em todos os distritos, mantêm uma estreita ligação com a CIVPOL (polícia civil das NU) no reforço da Lei e Ordem, e com ETTA e a Administração local. O Batalhão português é ainda responsável por garantir:

· um pelotão de reserva (OPCON do Sector) a 12H NTM; uma força de reacção rápida a 30’ NTM;

· uma Unidade de escalão Companhia como reserva do Force Comander a 24h NTM;

· a segurança dos pontos sensíveis de Dili (Local de reabastecimento de água; Heliporto; Aeroporto de Comoro; Hospital Militar; Centro de trânsito de retornados).

A companhia queniana efectua praticamente as mesmas tarefas para cumprir a sua missão no distrito de Ermera.

A Polícia Militar brasileira garante a segurança do aquartelamento do Comando do Sector Central, conduz escoltas de segurança; executa postos de controlo de viaturas (VCP); assegura a segurança pessoal (CPP) ao Brigadeiro General Taur Matan Ruak ; conduz investigações policiais e mantém uma estreita ligação com a CIVPOL.

O conceito de operações definido para cumprir a missão deste Comando português está assente no patrulhamento de reconhecimento e segurança em áreas remotas em conjugação com actividades CMA (Civil Military Affairs), utilizando infiltração e exfiltração aérea; na monitorização de actividades políticas desenvolvidas; no providenciar assistência médica à população local; no efectuar de operações conjuntas com unidades do sector, CIVPOL e serviço de fronteiras, para detectar a posse ilegal de armamento; e no efectuar de patrulhas marítimas na costa sul da área de responsabilidade do Sector.

Durante o complexo período eleitoral, o intenso patrulhamento incidiu sobretudo nas áreas remotas, tendo o esforço passado para as áreas urbanas 10 dias antes das eleições e extendendo-se até 15 dias após o final das mesmas. Foram ainda efectuadas operações de dissuasão em diversos sub-distritos, nomeadamente em Turiscai. Estas acções seguiram a velha premissa (não se vence pela acção militar, mas perde-se pela inacção militar), na situação em apreço, neste tipo de operações não se cumpre o mandato só com a presença e acção militar, mas de certeza que não se cumpre sem esta.

Ao nível das actividades CMA, o Sector efectua a ligação com a administração distrital e com as autoridades locais, efectua a ligação e faz a gestão dos pedidos das Organizações Internacionais e das ONG´s, com quem realiza projectos comuns.

Timor Leste apresenta grandes carências na área da saúde no que diz respeito a instalações bem como no pessoal para exercer esta actividade. No Sector Central podemos contabilizar apenas a existência de 1 hospital em Dili, 1 em Maubisse e 1 em Liquiça (este recuperado pela Fragata Hermenegildo Capelo mas que não se encontra a funcionar por falta de pessoal qualificado).

As doenças que mais se fazem sentir no território são: Malária , Paludismo, Tubercolose, Dengue, Doenças das vias respiratórias. Assim, uma das actividades de grande importância desenvolvida ao nível CMA é a assistência médica às populações. Os médicos das sub-unidades do Sector, além de participarem activamente nas patrulhas CMA deslocando-se a zonas remotas para apoiarem sanitariamente os timorenses, dão consultas em diversas ONG e nos próprios aquartelamentos.

A monitorização do movimento dos refugiados é das principais preocupações do Sector, pois o seu regresso implica não só a segurança dos retornados mas também a sua reintegração social. O processo é coordenado pela UNHCR e pela IOM, que se responsabilizam pelo processamento e transporte, respectivamente. À PKF compete-lhe apenas a segurança dos movimentos.

O apoio à transferência do Mercado Central de Dili para os mercados de Comoro, Bécora e Taibessi, que era uma das prioridades da ETTA, foi uma operação cujo início foi sucessivamente adiado no tempo, nomeadamente devido à falta de decisão política para se efectuar. Os receios eram inúmeros, esperava-se grande oposição da população e das famílias que vendiam e habitavam no local (cerca de 6 mil vendedores e respectivas famílias). A surpresa foi total; devido à campanha de informação desencadeada pelos órgãos distritais e CIVPOL, à coordenação do Sector e ao apoio do PORBATT, a operação decorreu em apenas três semanas, sem qualquer incidente. O sucesso desta operação levou a ETTA a solicitar, de novo, apoio para a transferência do Mercado do Peixe, que também decorreu de forma pacífica. Esta foi mais uma situação em que a população timorense demonstrou grande civismo e vontade de colaborar na construção do seu país.

A ilha de Ataúro é também uma das grandes preocupações do CMA do sector, pois, devido ao seu isolamento as necessidades são ainda mais gritantes e qualquer pequena acção tem efeitos imediatos e de grande visibilidade, nomeadamente o apoio médico/sanitário e mesmo a distribuição de roupas e material escolar.

O Sector ainda foi responsável pelo acompanhamento e coordenação de outras actividades como o ministrar de cursos de informática, a reparação das estradas e melhoramentos de escola e o apoiar projectos de reabilitação de edifícios; o acompanhamento da campanha e acto eleitoral e o garantir apoio a viveiros de café e centros de melhoramento de café, onde se melhoram as sementes para garantir uma produção de melhor qualidade.

Conclusão

Portugal contactou com estas paragens orientais à mais de 400 anos, aqui deixando a religião e contribuindo para a identidade cultural distinta desta população. Retirou em período conturbado da nossa história, mas, cumprindo uma obrigação constitucional debateu-se nos fora internacionais pela autodeterminação do povo de Timor Leste, regressando de outra forma. Vencida a luta pelo referendo, colabora agora no processo de transição para a independência do território ainda sob administração das Nações Unidas. Esta colaboração verifica-se em diversas frentes e com custos financeiros avultados.

O apoio na área do ensino da língua de Camões e na manutenção de um ambiente seguro, são das tarefas mais visíveis do esforço português. A presença militar portuguesa na sua área de responsabilidade contribuíram para a realização de umas eleições livres e justas num ambiente de segurança. Este ambiente de segurança é conseguido pelo esforço dos nossos militares em acções de nomadização nas áreas remotas, de um intenso patrulhamento das áreas urbanas e do apoio decisivo para o bem estar das populações através das acções CMA. Assim, Portugal, com o apoio das suas Forças Armadas colabora com a sua quota parte para o sucesso da primeira missão de Country Building das Nações Unidas.

O investimento com a presença militar, com o ensino da língua e com a formação dos quadros por forma a assegurar a manutenção da nossa língua e cultura, não podem ser acções isoladas. Portugal precisa de se lembrar dos seus objectivos estratégicos permanentes, objectivos que passam forçosamente por Timor, devendo ter sempre a noção de que é necessário gerir com cuidado a ajuda para a construção do novo país e, acima de tudo ter a real noção da dimensão do nosso país, das nossas capacidades, dos nossos recursos e dos nossos interesses, não esquecendo a conjuntura em que nos inserimos, num mundo interdependente, onde as relações internacionais, apesar dos códigos e das intenções existentes, na realidade não se regem pelos princípios teóricos e éticos que aprendemos nos bancos da escola, pelo que temos de ser pragmáticos e não viver apenas emocionalmente na nostalgia da mitologia do império.

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