Numa época em que a sociedade internacional vivia num clima de confrontação mútua entre as superpotências, que se digladiavam em inúmeros conflitos limitados, providenciando a guerra fria, segundo Noam Chomsky, “(...) easy formulas to justify criminal actions abroad and entrenchment of privilege and state power at home. Without the annoying need for thought or credible evidence, apologists on both sides could explain reflexively that however regrettable, the acts were undertaken for reasons of «national security» in response to the threat of the cruel and menacing superpower enemy (...)”(1); a forma de actuação nestas zonas marginais de desempate, na procura de objectivos que lhes conferissem uma posição geopolítica compatível com os seus interesses, passou a ser a confrontação interposta, por procuração.
Nestas zonas incluíam-se, evidentemente, os territórios “Alcora” (2), que, considerados na balança mundial de poderes de equilíbrio estratégico nuclear, onde da confrontação se passou para a negociação estratégica, possuía vantagem, pelo menos aparentemente, o Bloco Leste, que passou então a conferir especial ênfase à estratégia indirecta, face à qual o ocidente respondia defensivamente.
Liddell Hart explica a estratégia de aproximação indirecta como: “(...) la manera más efectiva de transtornar el equilíbrio psicológico y físico del contrario y hacer así posible su derrubamiento (...)”(3). Obviamente, quando esta explicação foi dada, o referencial em mente era Hitler e a sua estratégia de aproximação indirecta para alcançar o poder ao explorar os pontos débeis da República de Weimar, mas bem se pode aplicar à estratégia soviética e chinesa para infiltração em África, na Ásia e na América Latina.
De acordo com o documento do Secretariado - Geral da Defesa Nacional, “Operações Alcora”, a estratégia indirecta, utilizando todos os meios ao seu alcance, visava, quanto a Portugal (4):
a) Desacreditar o país aos olhos do mundo, por forma a mobilizar simpatias para a sua causa;
b) Fragmentar e corromper a sociedade estabelecida e, assim, promover as condições internas necessárias para a expansão política do movimento subversivo;
c) Ganhar o controlo da população pela persuasão, pelo terror, pela força, com a finalidade de destruir a autoridade e o prestígio do governo;
d) Inspirar o estado de espírito revolucionário na mais vasta quantidade possível de população, a fim de alimentar a “chama da guerra”;
e) Manter a população num estado de insegurança para, desse modo, invalidar a campanha do governo para “corações e espíritos”;
f) Dispersar as forças armadas do governo por meio de ataques muito afastados de terrorismo e de guerrilhas e desprovendo-as, desse modo, de poder para proteger as populações;
g) Impor ao Governo Português o máximo de encargos económicos, financeiros e psicológicos;
h) Edificar a sua própria fortaleza por meio da mobilização do apoio popular local, do estabelecimento de bases e da captura de equipamento, a fim de aplicar o golpe de misericórdia final.
A adopção de uma estratégia deste género visa provocar uma alteração no equilíbrio das forças, através de acções pontuais de desgaste e não por meio de um golpe decisivo. Mas, para isso o desgaste provocado no adversário tem de ser proporcionalmente superior ao provocado nas próprias forças.
O shock point canal de Moçambique viu a sua importância estratégica acrescida com o encerramento do canal do Suez, em Junho de 1967. Além de uma maior distância a percorrer, o percurso deixou de ser feito em área OTAN, logo sem a protecção das respectivas forças navais (5). No início da década de setenta, mais de cinquenta por cento do abastecimento petrolífero europeu passava pela rota do Cabo (6), sendo preocupante para a OTAN a capacidade que os soviéticos demonstravam em projectar poder com forças navais de superfície e com submarinos nucleares, quer no Atlântico Sul, quer no Índico, onde se encontravam desde 1968, combinando a esquadra com a frota pesqueira e navios oceanográficos. O domínio deste oceano era vital para que as esquadras soviéticas no Mar Negro, no Mediterrâneo e no Extremo Oriente pudessem unir-se, assegurando a defesa das rotas comerciais e dos programas russos espaciais e de telecomunicações (7).
A OTAN actuava sempre dentro dos limites definidos pelo seu Tratado, descurando o princípio elementar de que a defesa de regiões que não são auto-suficientes não se faz apenas na sua fronteira, pois a área de influência e mesmo de interesse deve ser tida em conta; ou seja, apesar do objectivo ser regional, a consecução desse objectivo terá de forçosamente, se situar também nas áreas de produção e nas vias de comunicação vitais, sem o que será possível, com facilidade, asfixiá-la sem violar a mais pequena parcela do seu território. Nesta ordem de ideias, em finais de 1970, apesar das objecções políticas conhecidas, a opinião do SACLANT (Supreme Allied Command Atlantic) consistia na necessidade de findar com o limite Atlântico Sul, justificando a manutenção dessa fronteira artificial como uma fraqueza da defesa da Aliança, o que afectava significativamente a capacidade da OTAN deter ou responder a uma atitude agressiva soviética no oceano (8). O Conde de Marenches, à data Director - Geral do Serviço de Documentação Externa e de Contra-Espionagem francês, propunha mesmo que se repensasse a OTAN, suprimindo o “N”(9).
Face à ameaça de infiltração comunista no Médio Oriente, Norte de África e África Central, a presença de poder marítimo no Mediterrâneo, Índico e Atlântico, em conjugação com outras, onde as posições ocidentais pudessem ser firmes, tais como a África do Sul, em situação privilegiada para o controle da rota do Cabo (de importância vital para a manutenção das linhas de comunicações externas com a Metrópole), os territórios portugueses na África Austral serviriam de apoio para uma estratégia global de contenção e contra-ataque.
Uma qualquer tentativa de accionamento de massas tem, necessariamente, de se enquadrar numa visão maximalista da estratégia global, pelo que é necessário termos presente que Moçambique controlava o canal do mesmo nome, logo da rota do Cabo, e que possuía linha de fronteira com 5 países, tendo acesso facilitado a matérias primas vitais. Estes factores, só por si, constituem razão bastante para que o território fosse disputado no tabuleiro internacional. O processo de autodeterminação conduziria, obrigatoriamente, à filiação num dos grandes poderes, ou com ambos, por diversas formas de exercício de influência, pelo que os movimentos independentistas seriam, forçosamente, factores a suscitar ou a apoiar por estes.
Qualquer análise da aproximação soviética a África, ou a qualquer outra região do terceiro mundo, deve ter sempre em conta a visão soviética da balança dos poderes mundiais. A sua insistência em que os movimentos de libertação do terceiro mundo representavam um dos factores decisivos no processo revolucionário global, afectou, em consequência, a relação socialismo/capitalismo, nestas áreas, exercendo influência decisiva no resultado final desta disputa (10).
Se, como vimos os europeus consideravam o continente africano como um complemento económico da Europa e a salvaguarda militar de todo o seu flanco meridional, os norte-americanos encaravam-no como possível mercado para colocação dos seus produtos e como fornecedor de matérias primas. Persistia a ideia de que, onde fosse eliminada a influência europeia, ganhar-se-ia um novo campo de influência norte-americana.
Para Portugal, a URSS considerava a África como indispensável na corrida para o domínio do mundo. Este continente serviria de plataforma indirecta para poder atacar os povos “capitalistas ocidentais”. Desde o Congresso dos Povos Oprimidos, realizado em 1920, em Baku, a URSS começou a manifestar preocupação pela África e pela Ásia, tendo como propósito criar um ambiente que lhe permitiria “(...) colocar-se no papel de dirigente e inspiradora da luta dos povos asiáticos contra o imperialismo britânico e francês (...)”(11), marcando, assim, aquilo que podemos considerar o início de um programa de infiltração e de penetração, para manipulação daquilo que, no tabuleiro do jogo mundial dos grandes blocos, viriam a ser periferias de desempate, retomando, deste modo, a URSS a velha ambição czarista de conquista dos mares quentes.
São de extrema importância para a clarificação destas intenções as declarações feitas por Estaline, em 1948, segundo o qual o plano de expansão comunista, em África, seria: “(...) roubando ao Ocidente as suas possessões coloniais, reduzimos o lucro do capitalismo, baixando, assim, o padrão de vida das classes trabalhadoras e criando a situação propícia para os movimentos revolucionários, que facilitarão o movimento de cerco da Europa através da África (...)”(12).
O comunismo de controlo soviético procurou, então, introduzir em África toda a sua influência, aliando-se aos movimentos separatistas das colónias, em nome do movimento proletário internacional, passando, após Bandung, a dispor de um instrumento eficaz. Neste contexto, Bulganine e Kruchtchov deslocaram-se, de 18 de Novembro a 21 de Dezembro de 1955, aos países do Sudoeste Asiático, consagrando a sua adesão aos princípios da Conferência de Bandung.
Podemos considerar que os primeiros passos dessa caminhada russa, rumo ao Sul, num movimento envolvente do Continente Africano, por Oriente e pelo Ocidente, teve como principais pontos de apoio: o Ghana e a República da Guiné, na costa ocidental, e a Somália, na costa oriental, a questão do Suez, em 1956, a revolução argelina e a realização da 1ª Conferência de Solidariedade Afro-Asiática, no Cairo, em Dezembro de 1957. Este movimento processou-se ao ritmo do despertar dos nacionalismos africanos e foi condicionado pelos interesses das outras potências.
A política soviética visava objectivos mundiais e um apoio sólido assente no seu potencial estratégico nuclear em crescimento, num exército convencional poderoso e num respeitável poder naval de guerra e mercante, ou seja, dispunha de forças armadas preparadas para actuarem à escala mundial, quando e onde necessário, na defesa dos seus interesses.
A Europa era uma área de interesse e, em simultâneo, de preocupação. Interesse em manter, a Oeste, um esforço na exploração de situações divisionistas da Aliança Atlântica, no retardamento da Comunidade Europeia, na diminuição de influência política dos EUA e na retirada das forças americanas da Europa. E, a Leste, preocupação em consolidar a sua esfera de influência.
Assim, a estratégia maximalista da URSS, para «laqueação» dos domínios vitais da Europa, consistia em (13):
– Obter o controlo das zonas de passagem entre as áreas N e S do Atlântico, visando, em última análise, a partir de Cuba, atingir os EUA, ou fixá-los a partir da América Central, desviando, desta forma, as atenções norte-americanas da Europa e da África (14);
– Garantir a presença directa (ou interposta), no Próximo, Médio e Extremo Oriente, e o controlo da “Rota do Petróleo”, bem como todo o restante movimento comercial marítimo com passagem pelo Cabo da Boa Esperança (15), pelo que expandia a sua presença militar ao longo do Rimland do Continente, ganhando acesso a portos e aeroportos-chave;
– Obter, pela negação de acesso a esses portos, o respectivo controlo e acesso a matérias primas, das quais relevavam as afins da alta tecnologia bélica, e, eventualmente, colocar a União Soviética em posição de domínio das linhas de abastecimento de África para as nações industrializadas ocidentais (16);
– Accionar os aparelhos quinta-colunistas formais, ou inocentemente utilizados, exercendo prática constante da manipulação dos instrumentos de luta pela aquisição e domínio do poder político (17).
No que dizia respeito a África, tinha em vista dividi-la em África do Norte e África Negra, para as poder conquistar em separado. Para o conseguir, penetrava em direcção ao Golfo da Guiné, conjugando esta com duas outras penetrações: uma, em direcção ao Atlântico, pelo eixo Cairo-Tripoli-Tunis-Argel-Rabat, e uma segunda, a Leste, em direcção a Moçambique, pelo eixo Cartum-Addis Abeba-Nairobi-Beira (18). Nestes territórios, procurava implantar a política económica soviética, encorajava políticas anti-ocidentais e procurava servir de suporte para expansão da influência aos países vizinhos, apoiando em larga escala movimentos independentistas específicos e encorajando o estabelecimento de regimes com orientação marxista, em países com comandamento sobre corredores de comunicações ou energéticos. Angola e Moçambique eram um alvo remunerador, de per si, acrescido de vantagem conferida pela possibilidade de exercer pressão sobre países destes dependentes.
Ao exortar a exploração das dependências ocidentais em matérias primas, a União Soviética esperava provocar a erosão dessas economias e, ao mesmo tempo, exacerbar as divergências entre os EUA e os seus parceiros atlânticos.
Apesar do quadro de dominação mundial por nós traçado, a política soviética, quanto à África Negra, foi lenta, cautelosa e oportunista, uma vez que, para a URSS, “(...) a África não constituía a máxima prioridade, sendo menos importante para ela do que outras áreas do Terceiro Mundo, como o Médio-Oriente e o sub-continente Indiano (...)”(19). Contudo, todas as oportunidades surgidas para obter influência e demonstrar a sua posição de superpotência foram aproveitadas pelos soviéticos.
Com a sua estratégia maximalista e indirecta para domínio do Terceiro Mundo, a União Soviética procurou não só suplantar a influência ocidental mas também conter a influência chinesa. O seu processo de penetração em todo o Terceiro Mundo foi reflexo dos interesses gerais sobre o plano ideológico, económico e de estratégia militar, adoptando características, consoante o lugar geográfico a que se dedicava. A sua influência estendeu-se de forma activa à maioria dos territórios compreendidos entre a Argélia e a Índia, exercendo alguma influência em territórios da África Negra e da América Latina. No Sudeste-Asiático, a actuação ficou reduzida ao Vietname do Norte, dado que, nesta região, prevaleceu a influência da rival, a China.
Uma vez que os dirigentes preferiam sustentar os nacionalismos progressistas à acção violenta preconizada por Pequim (20), o primeiro processo de penetração foi ideológico.
A propaganda soviética visava uma penetração a longo prazo. Moldando-se às circunstâncias, adoptava a forma de uma ajuda cultural, oficial ou clandestina, doutrinando os futuros líderes nas suas Universidades. Recorrendo a uma diversidade de técnicas — da rádio, livros, acordos comerciais e técnicos, assistência económica, entre outros —, assentava, essencialmente, sobre três temas (21):
– O socialismo era a única via, face ao subdesenvolvimento;
– A ajuda soviética aos países em vias de desenvolvimento reforçava a sua independência económica e política, ao passo que a ajuda ocidental/capitalista aumentava a sua dependência;
– A URSS era pacifista e condenava o racismo.
Esta propaganda apoiava-se em institutos especializados da Universidade de Moscovo e em centros de amizade e culturais espalhados pelo mundo. As representações diplomáticas distribuíam gratuitamente livros, jornais e revistas. As estações emissoras de Moscovo e Baku, Erevan, Tachkent e Duchambe difundiam programas para os países em vias de desenvolvimento. Como procurava atingir sobretudo a juventude, possuía ainda centros de acolhimento de estudantes, como a Universidade Patrice Lumumba, em Moscovo.
A ajuda económica e técnica (22), considerada de grande importância, foi o segundo processo utilizado, procurando colocar nesses mercados os seus produtos (pouco competitivos no mercado ocidental).
A coberto da assistência técnica, tentava substituir as companhias ocidentais e, assim, alcançar o controlo sobre a produção e comercialização dos recursos naturais, nomeadamente, dos hidrocarbonetos.
A terceira forma de penetração baseava-se na ajuda militar, feita normalmente através de acordos bilaterais e secretos que podiam ir desde a venda de material à formação de pessoal (23).
Moscovo desenvolvia o seu esforço nas instituições internacionais, apresentando em 1957 uma moção ao Conselho de Tutela das Nações Unidas com a finalidade de se criar uma comissão de investigação sobre os territórios ultramarinos cuja administração não se encontrava sob a alçada da ONU. Nas conferências de solidariedade afro-asiáticas, as Províncias portuguesas são incluídas, por influência comunista, na lista dos povos a libertar do colonialismo e imperialismo. Quanto ao caso português, não podemos esquecer que Kruchtchov declarou que apoiava a rebelião anti-portuguesa, considerando-a mesmo como uma guerra sagrada (24).
Em 1957, o PCP, subordinado às decisões do XX Congresso do Partido Comunista da União Soviética, desenvolveu intensa campanha anti-colonial. A infiltração comunista nos territórios verificava-se nos sindicatos, círculos administrativos e meios estudantis, num apoio e inspiração aos movimentos independentistas, por acções diplomáticas, de propaganda ou de quinta-colunismo (25).
Apoiada pelos seus satélites, aos quais cedeu muitas vezes primazia neste movimento de penetração, a URSS viu abrir-se uma nova frente de competição política, económica e diplomática, quer com as potências ocidentais, quer com a China. Com esta última, a rivalidade agravava-se à medida que o diferendo sino-soviético se ia intensificando.
Estes condicionalismos levaram a URSS a comprometer cada vez mais os seus “Estados Satélites” numa penetração ao Sul do Equador, numa tentativa de contrariar a penetração chinesa. Daí, o incremento da ajuda política, económica, militar e cultural concedida pelos seus satélites aos países de África — começando pela Argélia e pelo Egipto e atingindo a Zâmbia e a República Malgaxe — e o desejo de antecipação, no reconhecimento oficial dos novos estados africanos, com a consequente penetração diplomática.
Movidos por uma política secular, os russos procuraram, através de uma política tríplice, assegurar da participação das principais nações do Índico, como a União Indiana e o Paquistão — contíguas à URSS —, para assegurar o domínio dos mares naquela zona e, se possível, reduzir a presença do Ocidente, rechaçando ao mesmo tempo a influência chinesa. A China Continental seria, desta forma cercada por todos os lados. A URSS tentaria, igualmente, erigir uma barreira entre a Europa e a África, isolando o Médio Oriente ao largo da costa do Norte da África.
As actividades da União Soviética e da China na África sub-sahariana, de acordo com documentação do Foreign Office, em Londres, serviam dois objectivos:
1. Incremento da respectiva influência nacional na região;
2. Persuasão da sua declarada intenção global de criação de condições para a construção do socialismo e do comunismo no continente (26).
Face ao policentrismo comunista em que ambos detinham o maior interesse em conquistar os favores africanos, estes últimos eram apenas espectadores eventuais, na possível contra - ofensiva ideológica ocidental (27).
A Administração Portuguesa estava ciente da rivalidade em África entre as teorias do comunismo russo e as do comunismo chinês, tendo a perfeita noção que o objectivo básico de “todos os comunistas” era o domínio do mundo, procurando, assim, não se deixar iludir numa falsa sensação de segurança (28). Mesmo os líderes africanos reconheciam que “(...) o perigo que hoje ameaça a África é o comunismo, tingido de amarelo de Pequim (...)” (29).
Para a China, potência em franca ascensão, que ambicionava influência internacional, a África surgiu como zona de expansão e como um futuro terreno para a colocação dos seus excedentes demográficos.
Chou En-Lai marcou a entrada oficial da China na cena africana, num discurso proferido em 1964, em Mogadíscio, tendo então afirmado: “(...) existe hoje em África uma excelente situação revolucionária (...)”(30).
Dentro do quadro das relações existentes entre a China e a África Negra, podemos destacar acordos comerciais, empréstimos ou a realização de projectos com interesse (31). De 1959 a 1964, o montante de empréstimos chineses (estimados, mas não realizados na totalidade) atingiu os 340 milhões de dólares (32).
Após o golpe de estado em Zanzibar, em 12 de Janeiro de 1964, Pequim passou a desempenhar o papel de líder incontestado dos movimentos independentistas em África, estreitando as relações diplomáticas com todos os estados e movimentos que o desejassem. Apoiou, nomeadamente, os movimentos dos territórios portugueses africanos e da África do Sul.
Os interesses chineses por África, neste século, tiveram diversas fases: de um alinhamento inicial com Moscovo, de quem se afastou, passou para um interesse na região Central e do Norte, para depois exercer o seu esforço na vertente Oriental, sendo forçada, com a revolução cultural, a um esforço de introspecção, até que, com o findar daquela, em Agosto de 1968, a ofensiva tomou novo rumo, mais clássico: o da assistência técnica e financeira (33).
Com o fim da revolução cultural, a política externa chinesa, nomeadamente para com a África, sofre grandes alterações. Num esforço de compensação dos erros cometidos, e porque com eles aprendera, procurava, adoptando uma postura de diplomacia mais flexível, no mínimo, manter as bases diplomáticas que ainda detinha. Até à revolução cultural a tendência era para interferir nos assuntos internos. A partir desta, o interesse fundamental passou a residir no apoio económico e militar.
A inspiração das relações deixou de lado a sua ideologia e o desejo revolucionário. A ênfase passou para os contactos inter-Estados e para a diplomacia normal (34), passando, assim, a vigorar o seu interesse como grande potência, competindo não só com a Rússia e o Ocidente mas também com Taipeh. Chou-en-Lai, em 1970, proclamou mesmo a sua vontade de não se imiscuir nos assuntos internos dos outros países, admitindo que a revolução do tipo chinês não poderia ser transposta para África, pois o caso deste Continente era muito diferente do seu (35).
O marxismo chinês contém alguma originalidade, sendo de salientar a forma como foi aplicado, na prática, às condições específicas chinesas, onde o proletariado era quase inexistente, sendo a força revolucionária imputada à classe rural (36).
A estratégia de Mao não visava o ataque directo à sede do poder. Deslocou o centro da luta para os camponeses e, a partir destes, cercaria as cidades até à conquista destas. Ou seja, esta estratégia partia da periferia para o centro, apoiada em núcleos internos, pelo que necessitava de iniciativa, flexibilidade e planeamento (37). Na China, o partido comunista dirigia uma guerra revolucionária que, segundo Mao, além de representar o estandarte da sua libertação, revestia-se também duma importância revolucionária internacional, uma vez que considerava:
“(...) os olhares dos povos revolucionários do mundo inteiro estão fixados em nós (...) exerceremos uma influência profunda sobre o movimento revolucionário no Oriente e no Mundo (...)”(38).
Assim, e de acordo com um documento das Informações Militares portuguesas, traçou um memorando de conquista do mundo em cinco fases, englobando (39):
- O Sudeste da Ásia, a Índia e o Japão;
- O Médio Oriente e o Suez, rumo ao Norte de África;
- O progresso para a África a Sul do Sahara, facilitado pelo domínio dos anteriores, e o consequente enfraquecimento da Europa;
- O restante da África, abrangendo depois a Austrália e a América Latina;
- O Hemisfério Ocidental, conseguido por centros subversivos a instalar nas Caraíbas e pelas massas da América Latina.
Mao terá afirmado ainda que “(...) uma vaga de revolução estender-se-á, então, através de todo o Continente Africano, e os imperialistas e colonialistas serão empurrados para o mar num futuro próximo (...)”(40).
Para concretizar estas ideias, a estratégia subversiva chinesa actuou em África através de propaganda, infiltração política, infiltração económica e acção subversiva típica (41). Apesar desta actuação diferenciada, mas complementar, não é facilmente discernível uma estratégia global chinesa em relação a África. Por intermédio de uma política externa agressiva, visava-se isolar África, quer do Ocidente, quer do Leste, instalar aí bases de apoio e, se possível, provocar alterações na conjuntura mundial, por forma a favorecer a expansão comunista e a afectar a unidade do mundo livre.
O esforço, como vimos, teve várias fases e era exercido sobretudo na Tanzânia e na Zâmbia, onde os chineses detinham interesses na linha de caminho de ferro que liga Dar-es-Salam à região do Coperbelt, na Zâmbia, o que possibilitava a esta libertar-se da sua dependência em relação aos territórios da África Austral (42).
Entre outros motivos para o esforço se concentrar na parte Oriental do Continente incluía-se a tentativa de enfraquecimento da influência soviética e ocidental, bem como a disputa da liderança do movimento comunista e dos círculos revolucionários. Porém, a China não pretendia combater directamente a actuação soviética. Procurara mesmo evitar colidir com esta nas áreas onde aquela possuía já relativa influência, numa tentativa para impedir a progressão abaixo da linha que passava pela Tanzânia, Zâmbia, Congo (Brazzaville), Angola e Congo (Kinshasa), territórios onde a presença portuguesa e a influência americana, interrompiam essa linha. Em certos aspectos a política chinesa até se mostrava complementar à soviética, mas sempre e acima de tudo, essa posição pretendia suplantar a outra pela inovação de uma ideologia e de métodos de luta que se afirmavam ser os mais adequados às condições concretas do meio africano (43)..
A indisponibilidade financeira impedia a China de um auxílio maciço aos amigos africanos, representando os seu projectos mais um simbolismo de solidariedade moral e mesmo política, pois a sua tecnologia, obsoleta em termos ocidentais, absorvia efectivos superiores em mão de obra, o seu crédito era mais favorável do que o soviético ou mesmo que o das democracias estabilizadas ocidentais e, rapidamente, renunciava ao controlo do governo hospitaleiro (44).
O acordo relativo ao caminho de ferro Tanzan veio dar outra abertura à China em África. O seu comportamento relativamente a este Continente produziu também os seus dividendos nas Nações Unidas, transformando progressivamente, o voto africano anti-Pequim. A admissão da China nas Nações Unidas, a 25 de Outubro de 1971, com 21 votos contra e 36 votos a favor de estados sub-saharianos, são o demonstrativo numérico do percurso traçado pela China depois de Bandung.
O método revolucionário chinês era considerado, pelos dirigentes chineses como o melhor e o único. Para aqueles dirigentes, o centro revolucionário mundial ficaria situado em África. Já Mao, em mensagem ao 5º Congresso do Partido Comunista da Albânia, a 25 de Agosto de 1966, referira: “(...) vivemos uma nova e grande época da revolução mundial. As tempestades revolucionárias em África desferirão, inelutavelmente, no velho mundo, golpes esmagadores decisivos (...)”(45).
De facto, a China apresentava algumas vantagens relativamente às outras potências, penetrando com facilidade em África. Ali, o seu Regime era encarado como comunismo dos pobres, possuindo virtudes impossíveis no Regime soviético; o povo de cor amarela era considerado vítima do colonialismo, pertencente, como os africanos, ao Terceiro Mundo, oprimido e explorado pela raça branca. Além do mais, os seus padrões de desenvolvimento pareciam mais adequados, tinha demonstrado um excepcional progresso na sua economia e nas soluções técnicas, práticas e simples, que permitiram esse progresso. Apresentava ainda soluções de compromisso, que permitiam a convivência entre os povos ex-colonizados e as antigas metrópoles, afirmando que havia oposições, não só entre as classes mas entre os povos, que não podiam ser superadas senão por guerras revolucionárias e infiltrava-se em todos os meios com alguma receptividade revolucionária, organizando e difundindo uma propaganda extremamente bem adaptada a cada caso concreto (46).
Por outro lado, os Soviéticos consideravam essa tese como anti-marxista, onde a solidariedade das classes era substituída por algo semelhante a um racismo anti-branco. Porém, era esta vertente da doutrina chinesa que identificava não só a sua doutrina como anti-ocidental e anti-colonial como atraía pelo facto de a revolução agrária parecer vitoriosa num estado que se libertou do Ocidente e de apresentar uma teoria racista que estava de acordo com as necessidades dos líderes africanos, no seu empenho em manter um clima emocional que lhes permitisse dar unidade de nação aos grupos tribais e a sequente viabilidade política dos seus projectos nacionais (47).
No despique sino-soviético, entre 1971 e 1972, a intervenção chinesa, mais bem sucedida, fruto do seu esforço, ocorreu na Tanzânia e na Zâmbia, sendo crescente a influência no Congo, Guiné e Somália. De 1970 a 1973, a China Popular auxiliou o Continente Africano com 900 milhões de dólares, 400 dos quais para o caminho de ferro Tanzan, e os russos apenas com cerca de 40 milhões. A ajuda económica chinesa revestia, nomeadamente, a forma de projectos sem necessidade tecnológica elevada, contudo, com prestígio considerável (48).
A sua influência e apoio cresceram, sendo o seu esforço principal concentrado no apoio aos movimentos anti-Portugal. Disputou com a Rússia a influência em relação à FRELIMO e COREMO, em Moçambique, ao MPLA, em Angola, e ao PAIGC, na Guiné. Este apoio aos movimentos independentistas, em competição aberta com a Rússia, resultou com certeza em benefício para a guerrilha, mas encerrava em si o efeito divisório entre eles.
A influência chinesa estendia-se em finais de 1973 à África Ocidental, designadamente à Mauritânia, Togo e Daomé, iniciando a penetração na Guiné-Conacry, Gana, Mali, Nigéria, Congo, Senegal e Alto Volta. Na África Oriental estava bem estabelecida na Tanzânia, Zâmbia, Etiópia e Sudão. Na África Central estabelecera relações diplomáticas com o Zaire.
Estas estratégias globais de penetração no Terceiro Mundo tinham como pano de fundo a guerra revolucionária, cuja coluna vertebral é, de acordo com Carrero Blanco, “(...) socavar, debilitar, dividir, azuzar las reacciones ante las injusticias, exacerbar las passiones, ir desmontando las reservas morales y materiales de las naciones, de las sociedades e del indivíduo, (...) La mentira, la calumnia, la traición, el crimen, todo es bueno; (...) tudo vale (...) para llegar um dia a dominar al mundo (...) ”(49).
Por vezes, confunde-se a expressão guerra revolucionária com a de guerra subversiva. Esta última é definida como:
“(...) luta conduzida no interior de um dado território, por uma parte dos seus habitantes, ajudados e reforçados ou não do exterior, contra as autoridades de direito ou de facto estabelecidas, com a finalidade de lhes retirar o controlo desse território ou, pelo menos, de paralisar a sua acção (...)”(50).
Segundo Franco Pinheiro, a guerra revolucionária, além dos conceitos já inseridos no conteúdo sobre a guerra subversiva, caracteriza-se por ser conduzida nos pressupostos do marxismo-leninismo, pretender, em última análise, a implantação do comunismo e utilizar uma amplitude de meios e processos, que vão da guerra convencional à guerra subversiva, ou simples aspectos de guerra fria, ou ainda, o mero esquema de agitação/propaganda (51). Segundo Amaro Monteiro, a estas características podemos ainda acrescentar uma outra: a prática de um desenvolvimento lento, procurando a guerra prolongada e o esgotamento da ordem constituída (52).
Para Claude Delmas, a guerra revolucionária também se caracteriza pela crueldade à «escala humana» e pelo assumir de um aspecto terrorista, pois aqueles que a dirigem “(...) tomam a seu cargo a responsabilidade dos humilhados e prometem a esse ressentimento a satisfação da vingança, mas também porque tendem, por doutrina, à dominação da sociedade, porque não podem negligenciar ou fazer reverter a seu proveito as forças obscuras do indivíduo e das massas (...)”(53), assumindo, assim, o terror um maior poder de ruptura na revolução.
Existe também uma outra confusão frequente entre o conceito de guerra subversiva e o de subversão. Esta defini-la-íamos como uma técnica de assalto ou de corrosão dos poderes formais, para cercear a capacidade de reacção, diminuir e/ou desgastar, e pôr em causa o Poder em exercício, mas nem sempre visando a tomada do mesmo (54). A subversão, como aqui é definida e adoptada por nós, nem sempre conduz à guerra subversiva, mas temos por certo que ela antecede e/ou acompanha a guerra subversiva.
Convém no entanto notar que nem todas as guerras subversivas são revolucionárias, mas todas as guerras revolucionárias são subversivas. O domínio das guerras subversivas é mais vasto do que o das segundas, dado que a acção subversiva, no projecto de tomada do Poder, também se pode acomodar à ideologia marxista/leninista.
Parece-nos oportuno esclarecer que, daqui em diante, referiremos, indistintamente, guerra subversiva/guerra revolucionária/guerra de libertação, pois o confronto Administração Portuguesa/movimentos independentistas, apesar de ser interpretado pela primeira como revolucionário e ser apelidado pelos últimos de guerra de “libertação” (entenda-se libertação do jugo colonial), travava-se em ambiente subversivo. Contudo, em Moçambique, como veremos adiante neste estudo, o termo guerra revolucionária entendido pela FRELIMO não significava, logo de início, a implantação do marxismo-leninismo. Este só começou a ser admitido a partir de 1969 e instaurado, formalmente, em 1977. Guerra revolucionária significava, sim, a transformação da luta em revolução, pois, uma vez destruída a sociedade velha, através de um sistema de educação revolucionária, emergiria um homem novo (55). Também o posterior confronto da guerra civil FRELIMO/RENAMO se desenvolveu em ambiente subversivo.
No desenvolvimento da guerra subversiva, em princípio, distinguem-se 2 períodos e 5 fases (56), de limites mal definidos, frequentemente indistinguíveis, e que são o período pré-insurreccional, que compreende a fase preparatória e a fase de agitação, e o período insurreccional, que compreende a fase armada (de terrorismo ou guerrilha), a de Estado Revolucionário e a fase final. O seu valor é relativo pelo que os conflitos devem ser estudados casuisticamente, pois a implantação das mesmas fases pode não ser simultânea, na totalidade do território-alvo, procurando, em todo o caso, respeitar a lógica do esquema e evitar ser detida na transição do estado pré-insurreccional para o insurreccional.
Assim, normalmente no 1º período, em segredo, numa organização ainda embrionária, a manobra é estudada e planeada. Nesta fase, o movimento subversivo deve compreender um órgão de direcção e alguns elementos para enquadrar a população, outros para ligações e recolha de Informações e outros ainda para acções de agitação/propaganda.
Ao passar-se para a fase de agitação ou de criação do ambiente subversivo, ainda se permanece na clandestinidade; todavia, como os resultados se começam a tornar visíveis, abandona-se o segredo. Desenvolvem-se intensas acções de propaganda que, segundo Hitler, devem preceder o desenvolvimento da organização, conquistando, assim, o material necessário a tal (57).
A propaganda de agitação, com o propósito de “ganhar” o apoio dos neutros, elevar a moral entre os subvertidos e seus apoiantes, minar a confiança no Poder instituído e enfraquecer a moral das suas forças, está ligada à ideia de revolução como levantamento popular contra um poder opressivo ou repressivo, ideia que procura empolar ou canalizar os descontentamentos, de os modificar em indignação e cólera, transformando-os rapidamente em agressão àqueles que são considerados os responsáveis da situação insustentável (58).
Nesta fase fomentam-se perturbações da ordem e cria-se um clima de medo, visando a desmoralização do Poder, o descrédito da autoridade, “(...) a ruptura aberta no tecido social, através da organização de contradições entre as hierarquias estabelecidas e da constituição de forças polarizadoras paralelas; o facto consumado do levantamento, com ou sem o recurso ao confronto armado, mas procurando, na hipótese afirmativa, prolongar as situações de «contacto» das Forças Armadas regulares com a massa popular, para naquelas criar a “má consciência” e, por fim, a desobediência aos altos comandos e seu consequente colapso (...)”(59).
A organização é reforçada, os sistemas de infiltração e de informação são consolidados. O status quo encontra aqui o seu período crítico: ou responde eficientemente ou já não controla a evolução dos acontecimentos na generalidade, apesar de os poder controlar pontualmente, em determinados aspectos ou situações.
A fase armada (de terrorismo ou guerrilha) aparece já no 2º período, o insurreccional. Aqui, a guerrilha emerge como técnica de tomada do Poder e, se necessário ou útil, usa o acto do terror. A subversão armada, através das suas actuações, que na maioria das vezes são espectaculares, procura instaurar o clima psicológico, fomentar a agitação geral, mantendo a excitação emocional, e, se possível, a anarquia, tentando também provocar a reacção repressiva, criando mártires e preparando a subversão para provocar a unidade defensiva dos grupos visados.
Tais situações, se retransmitidas ampliadamente pelos media numa engenharia de opinião, podem criar a convicção pública de que, na generalidade, o Poder é impotente, que a guerrilha atingiu a impunidade e que aquele, além de opressivo, é repressivo (nos casos em que não é impotente...).
Esta fase é decisiva, dado que, de certa forma, coloca já a subversão armada em superioridade sobre as forças da ordem constituída. Consolida-se a organização, intensificam-se e generalizam-se as acções violentas, completa-se o estabelecer de estruturas político-administrativas e procura-se dominar algumas áreas do território.
Uma quarta fase foi típica, quer em Moçambique, quer na Guiné, onde, respectivamente, a FRELIMO e o PAIGC reclamaram a existência de áreas libertadas, alegando que o território e a população estavam cingidos pela sua organização político-administrativa. Esta fase pode ser designada por “Estado Revolucionário”.
Por fim, a fase final. Nesta, a máquina subversiva acciona um exército, que procurará, a partir de bases, dominar todo o território, recorrendo já a operações convencionais, reclamando, frequentemente, durante o desencadear desta fase, o direito ao estatuto de combatente, nos termos previstos nas Convenções de Genebra e Protocolos Adicionais.
São bom exemplo de guerra subversiva/revolucionária, entre as múltiplas e encadeadas situações de afrontamento ocorridas após o final da II Guerra Mundial, os conflitos em África, como os de Angola, de Moçambique e da Guiné. Estes conflitos (no conjunto dos muitos anos, que, em qualquer dos casos, antecedeu as partes envolvidas e mesmo, as ultrapassou) (60) são manifestações divergentes da mesma realidade que já apelidámos de regionais ou “por procuração”, apenas porque se encontram relativamente circunscritos em termos geográficos, ou porque as grandes potências se defrontam interpostamente.
Baseada na exploração de problemas ou contradições evidentes de natureza social, ideológica, política e económica, susceptíveis de conquistar a adesão de variados sectores da população, a subversão pode surgir em qualquer tipo de sociedade e apresentar-se como uma proposta e/ou alternativa para a resolução de problemas ou contradições. Partindo do princípio de que as sociedades dos países subdesenvolvidos ou em vias de desenvolvimento são aquelas onde surgem as maiores contradições internas, seriam estas que, face a uma primeira observação, se encontrariam particularmente vulneráveis à subversão de qualquer sinal e procedência. Porém, são as democracias ocidentais que se encontram mais atreitas ao fenómeno.
Estes Regimes, se, por um lado, não ignoram “(...) as intenções revolucionárias daqueles agrupamentos para os quais a referência ao ideal e às realidades democráticas mais não é do que um pretexto para a subversão (...)”(61), por outro lado, neles, as reacções à violência limitam-se ao horizonte ético, cuja violação afectaria um conceito que moldou o próprio Estado. Os tempos de resposta são lentos, na medida em que os aparelhos jurídicos o são, por escrúpulo ou força intrínseca (como se queira ver); “(...) as limitações na montagem e funcionamento de dispositivos preventivos, as restrições à instalação (assumida) dos repressivos, o fosso tradicional entre pensamento político e pensamento estratégico, a ausência de estruturas de propaganda e contra-propaganda, a vincada dualidade civil/militar, não capacitam as democracias ocidentais à contra-subversão, em termos de isolar eventuais grupos, desencadear, se preciso, a «operação verdade» (para obtenção de crédito por parte da opinião pública), evitar a situação de «tribunal popular» (onde o Poder aparece réu face à colectividade) e implementar, com eficácia, vigilâncias (milícias, por exemplo) locais (...)”(62).
Deste modo, as democracias ocidentais tornam-se vítimas dos seus próprios conceitos. Uma vez conhecedoras da ameaça subversiva/revolucionária, segundo Claude Delmas, só se poderiam preparar e reagir contra ela, em princípio, reorganizando-se de acordo com princípios totalitários (63). Todavia, esta situação implica uma renúncia aos seus ideais pelo que acreditamos que, para a sobrevivência das democracias, essa preparação e reacção passará forçosamente pelo recurso a um eficaz sistema de Informações internas/externas que preste um apoio isento e esclarecido a órgãos de soberania, sem complexos nem má consciência. Estes, que têm por obrigação manter a integridade do território e das suas fronteiras, estão portanto sempre carentes de um conhecimento oportuno e o mais completo possível das ameaças ou actividades hostis, para poderem orientar o dispositivo e a prontidão dos meios de defesa e, assim, manter o “status quo”, evitando atempadamente o desenvolvimento da manobra subversiva.
Este não é um ponto de vista inédito. Já Sun Tzu, na Antiguidade, sustentava “(...) se ignorante de ambos, do inimigo e de ti próprio, estarás de certeza em perigo em todas as batalhas (...)”(64) e que a chamada «presciência» ou «previsão» é a razão do êxito do príncipe iluminado ou do general vencedor. Nesta mesma linha de pensamento, no século XVI, Maquiavel refere a necessidade de o príncipe estar sempre informado: “(...) os príncipes sensatos devem fazer, isto é, pensar nas desordens futuras, e não só nas presentes, e servir-se de toda a habilidade para as evitar, pois certo é que, prevendo-as à distância, mais facilmente as remedeiam (...)”(65). Clausewitz, no século XIX, refere também a importância das Informações ao definir este termo como o “(...) conjunto de conhecimentos relativos ao inimigo e ao seu país e, por consequência, a base sobre o qual se fundamentam as nossas próprias ideias e os nossos actos (...)”(66). No século XX, Mao, por seu turno, acrescenta: “(...) os erros resultam da ignorância sobre o inimigo e sobre nós próprios (...)”(67).
O facto de existirem problemas reais e contradições em determinadas sociedades não é sinónimo da existência de subversão, embora aqueles sejam propícios a esta. É no entanto necessário um agente catalisador que desperte as consciências para tais problemas, ampliando-os, se preciso, vencendo a tendência das massas para o conformismo e outros factores de inércia. Porém, devemos distinguir entre condições/factores favoráveis e causas (68). As primeiras serão genéricas; as causas, pelo contrário, são particulares. Apesar de assentes em factores propícios comuns, cada situação deve ser estudada de per si.
Podemos apontar factores favoráveis de ordem política, como a falta de quadros, a corrupção, a falta de liberdade, o défice democrático e de respeito pelos direitos básicos do homem, em sentido ocidental e factores de ordem económica, de ordem militar, psicológica e de descontinuidade geográfica.
Favorecem ainda a subversão os factores de ordem social, onde podemos incluir as diferenças étnicas, religiosas e culturais, sendo uma das condições favoráveis a quebra das bases sociais tradicionais (69). A conurbação será hoje uma das condições favoráveis da maior relevância.
Com a colonização e respectiva missionação, as sociedades nativas primitivas, que se encontravam em regime tribal, sofreram uma influência cultural intensa, que determinou, em parte, a sua desagregação sem, contudo, se assistir a uma correlativa assimilação da cultura do colonizador. Estes fluxos e refluxos culturais provocam, dependendo das circunstâncias, a destribalização ou então a coexistência forçosa do destribalizado com a sociedade tradicional. A posição do destribalizado origina um sentimento de vácuo pela falta das estruturas tradicionais que o explicam perante si mesmo. Nascem, então, as “(...) hierarquias de compensação (...)”(70), por forma a preencher o vazio e insegurança resultantes da desagregação das instituições tribais. A insegurança resultante da destribalização, acrescida de um sentimento de frustração, face a uma cultura manifestamente diferente, que dificulta a sua integração e, em consequência, o seu progresso social, vulnerabiliza estes homens a propagandas aliciantes e conduz ao reagrupamento, feito sob novas formas, para readquirir a segurança perdida (71). Acrescido a este fenómeno, emerge uma outra tendência, a de lutar contra a situação de inferioridade social, então, surgindo “(...) as mais diversas formas associativas, religiosas ou não, sempre de cariz reivindicativo (...)”(72). Tais associações, que tendem a organizar-se com base étnica, comportam, nomeadamente, jovens e “(...) representam assim um esforço dos marginais ou dos que estão prestes a ingressar nessa categoria para se adaptarem aos novos tipos de condicionalismos sociais em que têm de viver (...)”(73). Estas massas de nativos, tal como hoje os proletariados suburbanos, viviam à margem da disciplina dos respectivos grupos étnicos e das sociedades dos colonos/assimilados, transformando-se num perigo para aquela que era encarada como a paz social (74). Nos indivíduos destribalizados encontra a subversão campo fértil para proliferar, aliciando-os e recrutando-os para a sua causa.
Nos territórios portugueses em África, encontrávamos factores e condições de diferença significativa entre a minoria branca, com um nível social mais elevado, e a maioria da população negra, com um nível social e de progresso comparativamente, muito inferior, acrescido de diminutas perspectivas da sua melhoria. Diminuta era também a percentagem de indivíduos assimilados.
A subversão como técnica que visa não só o poder como também atingir subtilmente a opinião pública, utiliza os conhecimentos das leis da psicologia e da psicosociologia. A ruína do Estado ou a destruição do inimigo são alcançados por vias distintas e radicalmente diferentes das da guerra e da revolução. O exército inimigo cessará o combate pois estará completamente desmoralizado e doente do desprezo que o rodeia. Qualquer tentativa de restabelecimento do status quo ante, será actuação em “saco roto” e o Poder deposto, em virtude da sua própria porosidade, partirá só, sob o olhar indiferente da população (75). Assim, a subversão, sejam ou não violentos os processos utilizados, visa sempre: “(...) desmoralizar ou desintegrar, desacreditar a autoridade, neutralizar e/ou arrastar as massas para impedir uma intervenção espontânea a favor do restabelecimento da ordem estabelecida (...)”(76).
A subversão, tal como a guerra entendida por Clausewitz, destina-se a “(...) forçar o adversário a submeter-se à nossa vontade (...)”(77). Contudo, os processos da guerra serão sempre violentos, ao passo que os da subversão podem nem sempre recorrer à violência física, mas apenas à manipulação frequentíssima das vontades.
A subversão, utilizando uma estratégia que é total, que actua ao nível interno/externo através de uma manobra indirecta e por lassidão, não necessita de travar batalhas decisivas. Alastra lentamente e, procurando convencer da sua razão e equidade e do inverso da contra subversão, absorve, como o fenómeno do mercúrio derramado, a população que é o seu factor de sucesso determinante. Assim, procurando controlar/ocupar áreas territoriais e preservar, sob seu controlo, as populações aderentes, desgastando ao mesmo tempo as restantes e os meios da contra-subversão (78), dirige-se ao seu objectivo final: a capitulação da autoridade.
Podemos considerar que o enquadramento colectivo e a preparação psicológica são a base de toda a manobra subversiva (79), sendo o primeiro fundamental para a mobilização da opinião pública, tarefa que, uma vez concretizada, permitirá, através de uma correcta Acção Psicológica, operar a transferência de universo político/ideológico.
Também em Moçambique, a subversão visava, sobretudo, a conquista da adesão das populações, seu objectivo, meio e ambiente, procurando actuar no seio do povo como o peixe na água, para usar o princípio de Mao.
Já Clausewitz desenvolveu considerações sobre o povo na guerra; mais propriamente sobre o armar do povo (Landsturm) (80), afirmando que essa acção conduziria à ruína “(...) as bases do exército inimigo tal como uma combustão lenta e gradual. Como ele, exige tempo para produzir efeitos (...)” (81). Para Clausewitz, uma tropa popular não podia chegar ao combate decisivo, pois, mesmo em circunstâncias favoráveis, o levantamento popular seria derrotado (82). Ela podia e devia, portanto, atacar as áreas de retaguarda e linhas de comunicações.
A importância do povo na guerra, tal como em Clausewitz ou Mao-Tse Tung, é referida por Debray, para quem “(...) apenas a incorporação progressiva do povo na guerra permite à vanguarda combatente escapar ao esgotamento ou ao aniquilamento, apenas ela permite a extensão do combate em todas as suas modalidades (...)”(83). E acrescenta ainda: “(...) ou a guerrilha, na qualidade de organização política, se implanta profundamente entre as massas numa região precisa, ou vê-se condenada, num prazo mais ou menos curto, a desaparecer fisicamente como organização militar (...)”(84) pelo que tem de convencer as massas das “(...) suas boas intenções, antes de envolvê-las directamente (...)”(85). Este objectivo será conseguido pelo trabalho de agitação e de propaganda, por forma a explicar-se à população a nova organização e fazer passar às mãos de organizações de massas a administração da sua zona, para que, assim, a rebelião se converta, de facto, em guerra do povo.
A conquista das populações foi área a que Giap se dedicou, especialmente no Vietname, procurando doutriná-las para conseguir destas, por um lado, uma atitude permanentemente hostil face aos ocidentais e, por outro lado, protecção e apoio aos guerrilheiros. Giap refere os bons contactos do Exército Popular do Vietname com o povo, obrigação escrita no ponto 9 do juramento de honra, onde se especifica: “(...) nos contactos com o povo, conformar-se às três recomendações: respeitar o povo, ajudar o povo, defender o povo (...) para ganhar a sua confiança e o seu afecto e realizar uma perfeita harmonia entre o povo e o exército (...)”(86).
No fundo, a população serve de elemento de apoio, pois não só fornece os elementos para a luta e permite a circulação despercebida do agente subversivo como, na generalidade, é a base da subversão. Este é o principal justificativo do estudo das populações, para se poder processar uma eficiente conquista da sua adesão e desencadear, assim, uma intensa acção de propaganda, utilizando as mais diversificadas técnicas e meios.
As técnicas de propaganda foram desde sempre utilizadas pelo Poder, na procura de induzir opiniões e comportamentos por diversos métodos de pressão, para a modificação e persuasão, ou de conversão dos espíritos, para recrutar e expandir um ideal. Assim, para se desencadear qualquer acção de propaganda, é necessário ter presente as necessidades, as paixões e as crenças do grupo alvo para se poderem utilizar e canalizar motivações, utilizar o medo e a angústia e explorar os valores humanos universais habilmente associados à causa a defender ou, por outras palavras, as técnicas de propaganda tenderão a explorar ressentimentos, descontentamentos e esperanças da população.
Segundo Serge Tchakhotine, a organização de uma moderna campanha de propaganda deve seguir, no mínimo, as seguintes regras gerais (87): controlo exacto de execução e do alcance das medidas adoptadas, centralização de direcção, quadros, equipas de especialistas, agitadores, instrução, meios financeiros. Contudo, não podemos esquecer que o seu objectivo “(...) não é a educação científica de cada um, mas sim chamar a atenção das massas sobre determinados factos, necessidades, etc., cuja importância só assim cai no círculo visual das referidas massas. A arte está em fazer isso de um modo tão perfeito que provoque a convicção da realidade de um facto, da necessidade de um processo e da justeza de algo necessário, etc. Como ela não é e não pode ser uma necessidade em si, como a sua finalidade (...) é a de despertar a atenção das massas e não a de ensinar aos cultos ou àqueles que procuram cultivar o espírito, a sua acção deve ser cada vez mais dirigida para o sentimento e só muito condicionalmente para a chamada razão (...)”(88).
Tal como para Sun Tzu (89), Clausewitz (90) e Lenine (91), para Mao "(…) a guerra é política e é em si mesma, um acto político (…)" (92), mas pode ter objectivos extra-políticos, como "(…) conservar as suas próprias forças e destruir as do inimigo (…)" (destruir o inimigo significa desarmá-lo ou privá-lo da capacidade de resistir e, não destruir fisicamente todas as suas forças) (93). Também a guerra subversiva/revolucionária continua a política por outros meios, uma vez que, como vimos, a guerra revolucionária, através de uma estratégia maximalista, pretende, em última análise, a implantação do sistema marxista/leninista pela prática de um desenvolvimento lento, de guerra prolongada e de esgotamento da ordem constituída, ou seja, recorre a outros meios, para além dos políticos, para alcançar o objectivo político pretendido.
Para Lenine, as guerras são inevitáveis, “(...) enquanto a sociedade estiver dividida em classes, enquanto existir a exploração do Homem pelo Homem (...)”(94), mostrando, assim, a compreensão da ligação inevitável entre as guerras e as lutas de classes no interior do país, dado que “(...) é impossível suprimir as guerras sem suprimir as classes e sem instaurar o socialismo (...)” (95). Em Moçambique, a luta desencadeou-se também segundo este pressuposto: acabar com a exploração colonialista e imperialista levada a cabo pela Administração Portuguesa, procurando instaurar uma democracia revolucionária, desencadeando necessariamente uma guerra prolongada (96).
A FRELIMO (97) justifica a luta revolucionária de uma forma muito explícita: “(...) na luta revolucionária é necessário saber os motivos primários que nos levam a empreendê-la de modo a não pôr em dúvida este sagrado dever do povo; Saber o que queremos, porque lutamos, e contra quem lutamos, serve para o povo revolucionário como guia para poder levar a cabo a sua luta revolucionária (...) o combatente revolucionário deve (...) procurar unir-se às massas populares, consciencializando-as, de modo a poder continuar a lutar (...). A nossa luta revolucionária é popular, por isso mesmo deverá ser feita junto: das massas populares, dos militantes, e dos outros possíveis aliados (...)”, acrescentando: “(...) queremos a Independência política e económica (...). Não devemos esquecer que depois da Independência Política, Portugal deixará o nosso país com: (a) Pobreza, (b) Analfabetismo, (c) Sub-desenvolvimento. (...)”; apontando soluções para cada uma, sendo que, para a pobreza, implicava um trabalho contra os monopólios estrangeiros neocolonizadores; para o analfabetismo, a vacina era a organização de campanhas de alfabetização; e para o sub-desenvolvimento, apontava-se para um estudo do solo e sub-solo, para posterior exploração das riquezas em favor do povo. No fundo, pretendiam acabar com todos os vestígios “(...) da exploração estrangeira no país, seus agentes e colaboradores (...) somos obrigados a recorrer a todos os meios para conseguir aquilo que desejamos; o meio mais breve é a luta revolucionária (...)”, encontrando a resposta, ao porquê da luta na necessidade de vencer a vida miserável, pela unidade nacional, pela independência nacional e total, pela emancipação económica e pela perseverança dos direitos do Homem.
Para a FRELIMO, a luta era conduzida contra o Governo Colonial Português, suas instituições e acessórios, como o Exército de ocupação português, a PIDE, os monopólios estrangeiros, o corpo de voluntários anti-revolucionário e os traidores inimigos do povo e da revolução. Como a revolução era um fenómeno popular, a luta revolucionária devia ser feita junto das massas populares, dos trabalhadores e operários, dos camponeses, das organizações sindicais e dos aliados que suportavam a causa (98), sendo a guerra prolongada sustentada pela consciencialização política, por forma a possibilitar a mobilização progressiva de todas as energias do povo, liquidando, ao mesmo tempo e lentamente, a moral, a economia, o material e a fonte de forças humanas portuguesas (99).
A subversão armada sob a forma de guerrilha que «Che», tal como Mao e Giap, considerava como uma simples fase da guerra que por si só não conduz à vitória, mas que “(...) aspira à guerra total (...) ao combinar todas as formas de luta em todos os pontos do território (...)”(100), foi o modelo utilizado em Moçambique pelos movimentos independentistas. Contudo, em nosso entender, o modelo “foquista” (usado por “Che” Guevara, que consistia em desencadear a insurreição armada sem preparação política, esperando envolver as massas camponesas na luta pelo exemplo da atracção), como veremos, não foi o modelo utilizado pela FRELIMO (101). Assim como também não utilizou a teoria preconizada por Carlos Marighela. Este, de forma diferente de “Che” e Mao, preconizou uma estratégia de escalada revolucionária para o Brasil, assente em três formas complementares de luta: a guerrilha urbana, a guerrilha rural e o exército revolucionário de libertação do povo (102). Carlos Marighela considerava fundamental as cidades para a difusão de propaganda, tendo as primeiras manifestações desta guerra surgido em 1968, quer através da guerrilha urbana quer pela guerra psicológica (103). O apoio estudantil e da população em geral aumentava na razão directa da repressão das autoridades governamentais.
Pode-se, assim, concluir que uma subversão metódica, de cunho voluntarista, segue quatro premissas que se encontram nos teóricos da subversão, passando por Mao e indo até Guevara:
“(...)
1. Sustentar que o governo é indigno;
2. Sustentar que o governo não está identificado com valores realmente nacionais e, portanto, se apresenta como estrangeiro;
3. Atacá-lo com violência e persistência, para impressionar as massas;
4. Procurar a impunidade dos ataques, para demonstrar que o governo é impotente e, logo, figuração a derrubar (...)” (104).
A FRELIMO aplicou-as. “(...) O processo é sempre eficiente, reunidas as condições mínimas nos terrenos sobre que incida, como, por outro lado, o sinal da sua concreta procedência ideológica (e, pois, da estratégia em que se integra), só é muitas vezes perceptível quando se pode perguntar e apurar a quem aproveita ele no jogo dos grandes poderes mundiais; isto sem embargo de conjunturas nas quais, perdido o controlo por parte do «autor moral» (situação mais frequente nas organizações terroristas), a subversão entra em órbita irregular (aproveitável então por forças diferentes das da partida) ou passa a funcionar como elemento de erosão passiva (...)”(105).
Face ao que no presente sub-capítulo foi exposto, pode inferir-se, quanto à fenomenologia contemporânea (106), que o conceito de estratégia atingiu alto nível de globalidade e maximalizaram-se as componentes que correlacionam política e guerra, que o conceito de defesa foi transcendido, a adopção da “segurança alargada” nas sociedades, sejam elas “revolucionárias” ou “conservadoras” na sua feição, converteu-se numa necessidade óbvia, exigindo da parte do Poder estadual, submetido a desafio, alta capacidade de resposta.
A contra-subversão, pela sua ética baseada em “(...) princípios de autoridade, coesão moral da nação e no potencial militar e não militar existente (...)”(107), deve cingir-se às normas éticas da conduta das hostilidades, apesar de se poder desenrolar uma luta desleal, com diferentes regras para os jogadores.
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