FRANCISCO PROENÇA GARCIA

A IMPORTÂNCIA DAS INFORMAÇÕES
na condução da guerra em Moçambique (1964-1974) (3)

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A pesquisa táctica era efectuada a nível da companhia de caçadores, que não possuia no entanto qualquer estrutura de Informações a nível orgânico, nem sensibilidade trabalhada para tal. Só a partir do Comando de Zona, a nível militar, apareciam verdadeiras estruturas de Informações. Os Batalhões laboravam com base na pesquisa efectuada pelas unidades operacionais, que realizavam diversos tipos de operações de informação. Normalmente utilizavam os métodos HUMINT (Human Intelligence), IMINT (Imagery Intelligence), COMINT (Communications Intelligence), exploração de elementos informadores, documentação e equipamento apreendidos, interrogatórios de prisioneiros ou capturados, depoimentos de apresentados, reconhecimentos aéreos e do terreno e escuta de rádio, entre outras, sendo a melhor fonte o contacto com o adversário e o pessoal capturado, que era explorado logo a nível de escalão de Companhia (1). Nas Normas de Execução Permanentes da RMM, era referido explicitamente: “(...) mais do que em qualquer outro tipo de guerra, o carácter das operações militares, em Moçambique, exige a colaboração total de todos os combatentes que, em serviço, ou fora dele, devem prestar o máximo da sua atenção e dedicação a tudo o que os rodeia, de modo a constituírem órgãos de pesquisa activos e permanentes do SIM/RMM (...)” (2). Existiam ainda equipas especiais de Informações, que se constituíam em unidades de caça, destacando-se a do Tenente miliciano Orlando Cristina, o qual desempenhou depois papel de relevo junto a Jorge Jardim e, enfim, na Resistência Nacional Moçambicana.

Era imperioso que a utilização táctica das Informações fosse feita em tempo oportuno e logo fornecidas de imediato ao comandante. A restante informação era fornecida e difundida através de diversos tipos de relatórios. As fugas de informação resultavam em actuações militares falhadas, encontrando as forças apenas o local abandonado (3).

O emprego de agentes infiltrados secretos e de informadores, já referido por Sun Tzu (4), é imprescindível em qualquer conflito. Conduzem um conjunto de actividades necessárias para o conhecimento do adversário, como alterar informações, corromper ou subverter oficiais ou mesmo "(…) exacerbar a discórdia interna e fomentar o Quinta Colunismo (…)" (5). Estes agentes, que no fenómeno subversivo são designados por agentes subversivos, podem ser empregues em simultâneo, mas não podem "(…) ser suspeitos (...) não se podem desmascarar facilmente (…)" (6).

No confronto Poder português/FRELIMO, as partes utilizaram profusamente esta figura. A PIDE infiltrava elementos na organização subversiva, subornando/chantageando ou forçando quadros daquela frente. Por outro lado, a FRELIMO, para além de utilizar mulheres na recolha de informações (7), colocava os seus agentes em locais chave da Administração e do Comando-Chefe.

Nas Normas Gerais para a Actividade da Informação na Província de Moçambique, postas em execução pela portaria N.º 18773, de 17 de Julho de 1965, do Governo-Geral de Moçambique, estabeleciam-se os princípios da relação entre os serviços de informação civil e os militares e definiam-se as responsabilidades relativas no esquema geral de planificação das Informações na Província. Nestas, especificava-se que o Governador-Geral e o Comandante-Chefe eram os responsáveis pela política de informação a seguir nas Províncias, dentro de cada sector de competência. Ao primeiro competia fixar as normas para as actividades da informação, ouvido o Conselho de Defesa, bem como determinar as medidas necessárias para aumentar a eficiência no território das actividades de informação. Ao Comandante-Chefe competia coordenar as acções do SIM. O Conselho de Defesa, entre outras atribuições, apreciava as normas gerais sobre Informações.

A integração das notícias e informações pesquisadas era feita pelos Serviços de Informações Militares (SIM), pela PIDE (depois DGS) e pelos SCCIM. A PIDE era utilizada em assuntos específicos com interesse militar e estava organizada provincialmente, distritalmente e com brigadas a nível local. Este serviço, que trabalhava muito bem a nível de pesquisa operacional, já não era tão bom na análise. Além do mais, tinha estreitas ligações com o Poder político, em Lisboa, não aceitando, assim, a coordenação local (8). Aos SCCIM, entre outras atribuições, competia orientar, coordenar e accionar todos os órgãos do Serviço de Informação Civil (SIC), bem como coordenar os SIC e as autoridades civis com o SIM ou o SIC com a PIDE (9). A nível da administração civil, actuava a própria malha administrativa.

Estes eram os canais de informação formais. Porém, informalmente, Jorge Jardim tratava de Informações através dos seus próprios serviços, os Serviços Especiais de Informação e Intervenção, sediados na Beira e chefiados pelo Major Arnaud Pombeiro,

0s Serviços de Informações eram e são um órgão indispensável para a elaboração em tempo oportuno de relatórios, estudos prospectivos e análise sobre os mais diversos assuntos. Numa guerra de cariz subversivo/revolucionário, cuja organização é clandestina, onde é empregue uma diversidade de meios, e com a “(...) justaposição, em superfície, dessa organização com as forças da ordem e com a população (...)” (10) a torná-la mais complexa, a orientação do esforço de pesquisa e a obtenção das almejadas notícias sobre o adversário são claramente dificultadas.

Nesta ordem de ideias, a primeira fase do ciclo de produção de informações, ou seja, a orientação do esforço de pesquisa, exigia, para o caso português, no período em análise ou outro, que as estruturas estivessem sensibilizadas e instruídas para tal esforço; "(…) ora a eficiência haveria de começar (...) por quem concebendo os planos de pesquisa e/ou orientando o respectivo esforço, compreendesse a globalidade do conflito e apercebesse com sensibilidade as suas especificidades no teatro (…)" (11). Numa fase posterior, carecem os executores de uma preparação mínima, quanto ao terreno humano. Clausewitz acrescenta, a respeito da necessidade de se conhecer antecipadamente o inimigo através das informações, que "(…) a guerra não deve ser para o soldado, e é um ponto extremamente importante a primeira vez que entra em contacto com a realidade, que à primeira vista tanta surpresa e embaraço lhe causa. Bastava que a tivesse visto anteriormente uma única vez que fosse e já se sentiria semi-familiarizado com ela (…)” (12). Em Portugal, a difusão de informações era feita a todos os escalões por diversos tipos de relatório, sendo que os Supintrep (Relatório Suplementar de Informação), pelos conhecimentos essenciais que proporcionavam, cobriam um vasto leque de assuntos com interesse para as operações e para as acções em proveito da população (13), contribuindo, em muito, para a captação das que estavam sob influência preferencial dos movimentos independentistas (14).

Apesar de toda a estrutura de Informações montada e a funcionar, surgiam algumas falhas. Uma falha no sistema e respectiva rede de Informações, com consequências graves para o desenrolar da guerra, ocorreu em 1969 em Tete, quando a manobra da FRELIMO mudou de ataques maciços a Cahora Bassa para a politização da população. Esta alteração táctica permitiu-lhe um rápido alastrar, apanhando os portugueses desprevenidos (15). As falhas na estrutura deviam-se, quanto ao caso de Moçambique, a uma interacção de factores negativos, como o enfraquecimento sectorial da tónica estratégica, acentuada dualidade civil/militar, inadequada (senão ausente) coordenação do esforço de pesquisa e uma disfunção na análise global. A nível do esforço de pesquisa, eram necessários quadros informados sobre as estruturas clânicas e tribais das sociedades negras, para assim poderem accionar mecanismos de comunicação paralelos, ou convergentes, como as linhas de influência islâmica (16). Ainda em 1974 se referia a necessidade de se estabelecer um Serviço de Informações adequado, que detectasse convenientemente, em toda a Zona de Acção, a actividade da FRELIMO. Este serviço serviria de base a toda a actividade (17).

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(1) Depoimento do Major-General Renato Marques Pinto em 6 de Setembro de 1999.

(2) Região Militar de Moçambique, Norma de Execução Permanente do Serviço de Informações Militar, de 8 de Novembro de 1965, Confidencial.

(3) Depoimento do Major-General Garcia Lopes em 7 de Maio de 1997.

(4) Para Sun Tzu, "(…) somente um soberano iluminado e um general valoroso é que são capazes de empregar as pessoas mais inteligentes como agentes e estarem certos de alcançar grandes resultados (…)"; Sun Tzu considerava cinco espécies de agentes secretos: o nativo, o interior, o duplo, o queimável e o vivente. Ob. cit., p. 120 e seguintes.

(5) Griffith, Samuel, na Introdução de "A Arte da Guerra", de Sun Tzu, ob. cit., p. 21.

(6) Muchielli, Roger, “La Subversion”. Paris: CLC, 1976, p. 78.

(7) Estado-Maior do Exército, Boletim de Informação, N.º 16, Abril de 1966, Reservado, p. 12.

(8) Depoimento do Major-General Renato Marques Pinto em 6 de Setembro de 1999.

(9) ASDHM, Região Militar de Moçambique, “Norma de Execução Permanente do Serviço de Informações Militar”, de 8 de Novembro de 1965, Confidencial, Anexo A, “Normas Gerais para a Actividade da Informação na Província de Moçambique”.

(10) Comissão para o Estudo das Campanhas de África, “Subsídios para a doutrina aplicada nas Campanhas de África (1961-1974)”, p. 155.

(11) Amaro Monteiro, Fernando, “O Islão, o Poder e a Guerra (Moçambique 1964-1974)", p.180.

(12) Clausewitz, Carl Von, ob. cit., p. 133.

(13) Os Supintrep continham estudos étnicos, religiosos, sociais, económicos e sobre os países vizinhos, etc., procurando, pelo esclarecimento, contribuir para um bom relacionamento entre as tropas e as populações afectas, com vista à sua captação.

(14) Cardoso, Pedro, “As Informações em Portugal”, p. 189.

(15) Cann, John, ob. cit., p. 171.

(16) Monteiro, Fernando Amaro, “O Islão, o Poder e a Guerra (Moçambique 1964-1974)”, p. 280.

(17) Comando-Chefe de Moçambique, “Directiva Geral de Contra-Subversão «Rumo Norte»”.