MAJORES DE INFANTARIA
CONCEIÇÃO ANTUNES, CAMILO MONTEIRO, BRITO TEIXEIRA, JORGE BASTO,
PROENÇA GARCIA & SANTOS MARTINS

CONTRIBUTOS PARA O EMPREGO DO BATALHÃO DE INFANTARIA
NA LUTA CONTRA-SUBVERSIVA ACTUAL (3)


A contra-subversão nas CRO/PSO
Princípios Gerais da Contra-Subversão nas CRO/PSO
Missões das Forças de Paz em ambiente contra-subversivo
Missões para evitar a subversão
Missões para reprimir a subversão
O papel da Cooperação Civil-Militar na Contra-Subversão
A Contra-Subversão nos Conflitos assimétricos de Média e Baixa Intensidade

5. A contra-subversão nas CRO/PSO


«No Kosovo temos de actuar em contra-subversão, porque é de uma situação subversiva que estamos a falar (...) Infelizmente, no Kosovo, só conhecem a linguagem da força visível e reconhecível como tal» (19)
Tenente Coronel Antunes Calçada


A luta contra a subversão, nas CRO/PSO assenta em três pressupostos fundamentais:

    • a autoridade, conferida por mandato de uma Organização Internacional;
    • a coesão moral, dos países participantes e das suas forças militares no cumprimento das decisões dessa Organização Internacional;
    • o potencial militar e não militar colocado no Teatro de Operações.


A subversão estará na ilegalidade de acções tomadas pelas partes em conflito, que colidam com a Resolução aprovada/mandato e ameacem o poder instituído e o clima de paz e estabilidade, criado ou procurado.

A actuação das forças militares subordina-se à autoridade legalmente reconhecida e visa entre outros:

    • evitar a subversão, enquanto esta não se manifestar por perturbações graves da ordem;
    • reprimir a subversão, logo que esta se manifeste por acções violentas;
    • tem como fim último, procurar ganhar tempo para que uma solução política do conflito possa ser sustentada, ou no mínimo, garantir um clima de estabilidade e segurança, que permita desenvolver as estratégias globais para a paz.

No pano de fundo da guerra fria, as Operações de Paz realizaram-se com o consentimento das partes em conflito. No pós-guerra fria, o mandato passou a ter por objectivos o restabelecimento, a imposição ou a consolidação da paz, em condições de grande risco e por vezes sem o consentimento das partes. É neste contexto que a luta contra-subversiva se assume como base das missões a desempenhar pelas forças militares nas operações CRO/PSO. Normalmente estas forças actuam em dispositivo de quadrícula e constituem forças de reserva para fazer face às contingências e potenciar uma força num local e no momento oportuno. Nestas operações a actuação da força militar apesar de ser ao nível táctico, pode ter repercussões estratégicas e mesmo políticas, pelo que o emprego da força terá elevadas restrições, que estão prescritas em dois documentos: no SOFA (Status of Forces Agreement) e nas ROE (Rules of Engagement). Esta limitação eleva o escalão de comando e controlo deste tipo de operações, exige militares especializados em determinadas missões específicas e uma instrução individual com base no princípio que a actuação de um simples soldado, pode comprometer o cumprimento da missão “ao mais alto nível”.

a. Princípios Gerais da Contra-Subversão nas CRO/PSO (20)

Julgamos que em determinados aspectos existe um conjunto de conceitos desenvolvidos na doutrina de contra-subversão que são directamente aplicáveis na generalidade dos TO das CRO/PSO. Como complemento, como consequência natural da luta contra a subversão ou ainda como factor limitativo, nesta análise teremos sempre presentes os princípios das PSO: o respeito mútuo, a imparcialidade, a credibilidade, o uso mínimo da força, a transparência, a legitimidade e a versatilidade.

- A luta contra a subversão é uma luta pela população e nunca contra a população

A contra-subversão não tem possibilidade de sucesso, se não for conduzida no sentido de impedir que a população se deixe convencer pela propaganda e pelos agitadores subversivos ou, se tal já tiver acontecido, no sentido de a «reconverter» a favor das autoridades estabelecidas. A população é o meio onde se actua e não o inimigo, e como tal deve ser bem estudada, quais os antagonismos, descontentamentos, anseios e sentimentos a explorar.

A força de paz deve ser neutral e a sua luta contra a subversão não deve ter um caracter repressivo exercido sobre a população em geral, mas incidir sobre os indivíduos ou grupos perfeitamente identificados das partes em conflito e segundo as normas de actuação superiormente definidas.

- Não é possível actuar contra a subversão somente com forças diametralmente opostas à dela

A luta contra a subversão assenta na ideia base que visa promover as vantagens de um clima de estabilidade e segurança; justificar essa ideia, provando que as afirmações e pretensões da subversão são falsas, que as suas pretensões colidem com os interesses gerais da população e estabelecer objectivos a atingir para o bem comum da população, demonstrando no terreno essa vontade e preocupação, através de actividades concretas, oportunas e constantes.

As acções por parte das forças de paz, devem pautar-se pela prevenção, baseada num bom sistema de informações, na protecção e na capacidade de poder reagir com potencial.

- A luta contra a subversão não pode ser levada a efeito exclusivamente pelas forças militares e estas não devem actuar na referida luta só pelas armas

A luta contra a subversão tem de utilizar em grande parte medidas de ordem política, social, económica, psicológica, cultural, religiosa, etc., todas elas subordinando-se ao primeiro princípio apresentado, de que a luta contra a subversão é uma luta pela população e nunca contra a população.

No cenário das PSO, as forças militares devem intervir no âmbito destas actividades, através de uma acção sócio-económica e sobretudo psicológica. Em alguns casos e quando necessário, as forças militares podem assegurar o funcionamento de certos serviços essenciais desorganizados e auxiliar as autoridades e as forças policiais nas actividades que a estas competem.

- É indispensável, na referida luta, haver um conhecimento pormenorizado da população

O conhecimento da população, deve cobrir todos os seus aspectos: raças, línguas, religiões, densidade, distribuição, organização social, costumes, condições de vida, antagonismos, sentimentos, aspirações, etc., sendo tarefa dos escalões mais elevados, militares e políticos, e em que se destaca com especial relevo o «estudo do meio humano» (21). Este conhecimento no cenário das PSO, deve ser um processo contínuo e poderá ser dividido no tempo em três períodos: o que antecede o conflito, o inicio da operação e o decurso da mesma.

Na fase que antecede a operação, as forças militares nacionais devem, em concordância com os objectivos políticos da nação, definir os possíveis cenários de actuação e através dos órgãos competentes iniciar esses estudos através dos meios disponíveis. Actualmente esses meios passam pela diversidade de informação, pela implementação de uma cultura de Intelligence, aproveitando as visitas e os diversos trabalhos elaborados por profissionais nesta área e no aproveitamento das nossas potencialidades técnicas, nomeadamente no que respeita à cartografia e demais informações a ela associadas ou qualquer outro meio que concorra para este fim.

Na fase do inicio da operação, que antecede a colocação do grosso das forças pela primeira vez no TO e depois de atribuído o sector às forças nacionais, os estudos devem ser complementados e/ou confirmados no terreno por uma força de Operações Especiais e terminarem com o reconhecimento do sector por parte dos elementos de comando da força que o vai ocupar.

Na fase do decurso da operação ou missão da força, o estudo deve ser contínuo e actualizado sempre que necessário. Este estudo deve ser entendido como uma necessidade por parte de todos os militares, no entanto o Graduado CIMIC/CMA e o Oficial de Informações, são os principais responsáveis por coligir o máximo de informações e experiências vividas. Esta fase de estudo é dinâmica e é muito importante para alicerçar qualquer decisão a tomar sobre a forma de conduzir a luta contra-subversiva e é fundamental para orientar o esforço e os objectivos de instrução das forças em preparação.

- Na luta contra a subversão não se pode considerar exclusivamente o inimigo interno

O estudo de um conflito, em que se desenvolve uma situação de ambiente subversivo, não se deve limitar a um território específico; devem-se procurar as verdadeiras origens do conflito e de todas as forças que intervêm, incluindo os apoios externos. No cenário das CRO/PSO, cabe à política interpretar a importância e o conteúdo destes estudos e tomar as decisões mais convenientes para a sua resolução ou o minimizar do conflito.

Para lutar contra a subversão, em qualquer tipo de cenário, é necessário actuar fora do território, pela diplomacia, pela espionagem, pela propaganda, pela economia, etc., e até por acções mais concretas levadas a efeito por forças de Operações Especiais que neutralizem os agentes da subversão no seu próprio santuário.

- Interdição/Controlo de fronteiras

Para isolar um conflito ao interior do território são de primordial importância as medidas policiais e militares destinadas a impedir, ou, pelo menos, a dificultar a ajuda em pessoal e material que os rebeldes ou sublevados recebam do exterior.

- Importância das informações

Num cenário CRO/PSO e na luta contra a subversão é fundamental a existência de um serviço de informações suficientemente desenvolvido e adaptado a este tipo de operações. Este serviço deverá ter a capacidade de prever as possíveis situações e informar em tempo oportuno o comando da força, para que este possa decidir de forma correcta e em tempo, muitas vezes a alto nível, pois neste cenário os erros na tomada de uma decisão poderão ser fatais e comprometer a missão de toda a força.

- Necessidade de adoptar uma diversidade de meios e processos de luta

Em PSO os meios e processos a utilizar estarão definidos à partida, no entanto, com vista ao princípio da protecção da força, é necessário conhecer esses meios e processos, para que a luta contra a subversão se possa adaptar convenientemente às circunstâncias do local e do momento.

- Os meios a empregar têm de ser calculados e dispostos por áreas e não por frentes

A luta contra a subversão é uma guerra de superfície. Nas PSO é normal adoptar-se um dispositivo de sector, garantindo reservas fortes com grande mobilidade, prontas a intervir em qualquer ponto do mesmo.

b. Missões das Forças de Paz em ambiente contra-subversivo (22)

Como já foi referido anteriormente, as missões na luta contra a subversão visam fundamentalmente dois aspectos: evitar e reprimir a subversão.

Missões para evitar a subversão

Enquanto for possível evitar a subversão, o problema da manutenção da ordem tem exclusivamente um carácter político, policial e psicológico. Nesta fase, é normal que a acção militar se resuma à missão de apoio às autoridades civis. Quando estas autoridades são insuficientes para garantir o indispensável controlo da população, esta missão pode ser dada às forças militares, inserida no apoio às referidas autoridades. Nas PSO, com o consentimento das partes em conflito, este tipo de missões pode enquadrar-se nas actividades de prevenção de conflitos, manutenção de paz, restabelecimento da paz, consolidação da paz e ajuda humanitária (23), em que as forças militares podem ser chamadas a desempenhar as seguintes tarefas:

    • Ajudar a acção da polícia, reforçando-a ou trabalhando em cooperação com ela, em especial na dispersão de manifestações populares, motins e sedições, na execução de rusgas, na vigilância das comunicações, na defesa de pontos sensíveis, etc.;
    • Fornecer elementos para assegurar a manutenção dos serviços essenciais da Nação;
    • Controlar os abastecimentos, por forma a impedir que víveres, medicamentos e outros artigos essenciais possam ser cedidos aos elementos subversivos;
    • Restringir a livre circulação;
    • Impor o recolher obrigatório;
    • Controlar armas, meios de comunicação e transporte;
    • Recenseamento da população;
    • Reagrupamento das populações, para facilitar a sua protecção, etc.

Neste tipo de missões as forças militares não devem esquecer que esta luta não é contra a população, mas a favor desta contra a acção dos agentes da subversão. Em complemento, as forças militares podem actuar simplesmente pela sua presença, tranquilizando a população e servindo como prevenção contra o desenvolvimento da subversão ou contribuir na acção psicossocial, na difusão de ideias, na assistência médica, religiosa e administrando a justiça quando necessário.

c) Missões para reprimir a subversão

Esta situação ocorre quando são necessárias medidas de repressão, para solucionar o problema da luta contra a subversão. Nas OAP este tipo de missões podem-se enquadrar na imposição da paz (24), ou outros tipos, desde que não haja consentimento das partes em conflito, e onde as forças militares podem ser chamadas a desempenhar as seguintes tarefas:

    • Proteger a população das acções dos terroristas, bandos armados e guerrilhas;
    • Proteger as instituições e os serviços e contribuir com elementos destinados a assegurar o seu funcionamento;
    • Exercer junto da população uma acção psicossocial intensa;
    • Garantir o controlo da população onde isso não possa ser feito pelas autoridades civis e forças policiais;
    • Apoiar as autoridades civis na destruição da organização político-administrativa da subversão e colaborar na acção psicológica sobre o adversário;
    • Executar um combate defensivo com as forças militarizadas da subversão (bandos armados, guerrilhas e forças pseudo-regulares), com vista à sua neutralização ou destruição, através de:
    • Defesa de pontos sensíveis,
    • Protecção de itinerários e escoltas,
    • Patrulhamentos e nomadização,
    • Defesa de povoações,
    • Protecção de comunicações,
    • Monitorização do movimento de refugiados/deslocados, etc.
    • Executar um combate ofensivo com as forças militarizadas da subversão, com vista à sua destruição, através de:
    • Acções de reconhecimento, pesquisa e rusgas (para detectar a posse ilegal de armamento, etc.);
    • Interdição de fronteiras;
    • Cerco e batidas;
    • Limpeza de povoações;
    • Golpes de mão e emboscadas.

d. O papel da Cooperação Civil-Militar (25) na Contra-Subversão

Embora nas CRO/PSO as forças militares actuem sob mandato de uma Organização Internacional (OI), é normal que se verifique a presença de agências e organismos especializados, pertencentes a essa e a outras OI ou ONG´s, com campos de aplicação essenciais ou complementares, independentes da tarefa da força e com direitos de actuação distintos. Compete aos elementos CIMIC//CMA promover toda a cooperação com as organizações existentes (OI, ONG, autoridades civis e outros), bem como a ligação conveniente e necessária para o cumprimento de um plano de contra-subversão, onde estes actores podem desempenhar um papel fundamental e por vezes imprescindível para a consecução dos objectivos da mesma.

As actividades CIMIC/CMA compreendem tarefas de pura luta contra a subversão, que vão desde o apoio à vida normal das populações, à restauração das funções de administração e governativas. Estas células também assumem elevada importância nas PSO, no apoio às operações psicológicas e na relação com os Órgãos de Comunicação Social.

e. A Contra-Subversão nos Conflitos assimétricos de Média e Baixa Intensidade

O terrorismo é a face mais actual deste tipo de conflitos e manter-se-á como um problema transnacional, em resultado de motivações, étnicas, religiosas, nacionalistas, separatistas, políticas e económicas.

A natureza global dos conflitos encontra-se em mudança. É provável que no decorrer da próxima década, grande percentagem das missões militares sejam operações relacionadas com a contra-subversão, resgate de reféns, lutas contra a droga, conflitos de baixa intensidade, combates em áreas urbanas, operações de apoio à paz, que necessitarão das técnicas e tácticas da contra-subversão, equipamento e treino específicos, para além do empenhamento convencional.

A actual mentalidade na esfera militar, diplomática, política e legislativa e nos serviços de emergência comunitária, necessita de ser redefinida, por forma a combater esta nova realidade, que envolve actores não relacionados com o Estado e conflitos do tipo assimétrico. Aqueles que ainda se continuam a preparar para outra ”Tempestade no Deserto”, ou que ainda continuam a viver num passado confortável de um “Mundo Bipolar”, podem acordar violentamente face à natureza assimétrica dos conflitos que nos esperam na próxima década, em que nos devemos preocupar com uma mistura de actores relacionados com os Estados, movimentos de subversão, separatistas, operações de contra-subversão, ataques terroristas, o uso de Armas de Destruição Maciça, guerra das informações, e outras ameaças não convencionais.

Parte da responsabilidade na resolução destes conflitos, recairá forçosamente em unidades com treino e equipamento específico, em dispositivo de quadrícula, capazes de criar um clima de segurança pela acção da sua presença e em pequenos grupos - Forças de Operações Especiais - eficazmente treinados, melhor equipados e altamente motivados para combater em operações contra o In difuso, infiltrando-se e destruindo aqueles que conduzam este tipo de guerra.